Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Sociedade. Associação civil. Associado. Associação sem fins lucrativos. Cláusula estatutária. Estatutos. Ação de nulidade. Violação de norma de ordem pública. Nulidade das cláusulas estatutárias excludentes do direito de voto, bem como as dela decorrentes. Inaplicabilidade ao caso concreto. Eficácia ex tunc da declaração de nulidade. Amplas considerações do Min. João Otávio de Noronha sobre a existência de litisconsórcio passivo necessário entre os diferentes tipos de sócios na ação anulatória. CCB, art. 1.394. CCB/2002, arts. 53, 55 e 2.035. CPC, art. 47.

Postado por legjur.com em 16/06/2012
«.... II.b) Litisconsórcio necessário - abordagem inicial

Já antecipando minhas conclusões, os argumentos acolhidos pelo Tribunal a quo para negar o caráter necessário do litisconsórcio, data venia, não me convencem e vejo, sim, a existência de litisconsórcio necessário entre a recorrente e seus sócios fundadores.

Preceitua o Código de Processo Civil:


Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.


Parágrafo único - O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.

Duas, portanto, são as fontes instituidoras do litisconsórcio necessário: 1ª) a lei, que remete ao que se convencionou denominar litisconsórcio necessário simples ou comum, e 2ª) a natureza (unitária) da relação jurídico litigiosa, que consubstancia o chamado o litisconsórcio necessário unitário.

Celso Agrícola BARBI, ao comentar o art. 47 do CPC e quando aborda o litisconsórcio necessário da segunda hipótese, expõe antiga lição de Chiovenda no sentido de que ela se verificaria apenas quando a ação fosse constitutiva. Essa lição foi refutada por Redenti, para quem «não se deve ter em vista a natureza da ação e da sentença, mas sim a relação jurídica sobre a qual ela incide» e exemplifica: «se a ação vai versar sobre direitos de todos, vai declarar nulo o contrato, é de rigor a formação do litisconsórcio necessário» (Comentários ao Código de Processo Civil. 11.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002. v.1, p.203/4).

Obviamente, não se trata, aqui, de discutir a nulidade de todo o contrato, ou, melhor dizendo, de todo o estatuto social, mas de dispositivo estatutário que assegura, de modo exclusivo, direito de voto a determinados sócios - os sócios fundadores - que não foram chamados a integrar a lide desde o seu início.

Só isso bastaria para chegar à conclusão de que os sócios fundadores são litisconsortes necessários da recorrente, pois a decisão a quo afeta, justamente, seus direitos. Convém, porém, proceder à análise da natureza da relação jurídica posta nos autos.

II.c) Natureza da relação jurídica objeto do litígio

Toda a controvérsia aqui deduzida gira em torno da não atribuição do direito de voto aos «sócios-efetivos» da recorrente, o que, segundo os recorridos, feriria o art. 1.394 do Código Civil revogado e, por isso, seria vedado, situação essa que não teria sido alterada pela superveniência do Código Civil de 2002, em face do seu art. 59 e seu parágrafo único. Tudo o mais depende da solução dessa questão.

Não é indene de dúvidas a natureza do comando inserto no art. 1.394 do Código Civil de 1916. Embora a criatividade na análise e emprego, nos presentes autos, do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 74.820-SP, relatado pelo Ministro Antônio Neder, e do acórdão emanado desta Corte, no REsp 20.982-MG, em que foi relator designado o Ministro Eduardo Ribeiro, entendo que não se pode extrair, dos julgados citados, quer o caráter impositivo, ou, ao contrário, dispositivo do referido art. 1.394. Nada obstante, para o fim de assentar o tipo de litisconsórcio presente neste processo - se necessário, ou facultativo -, não é mister aprofundar esse tema que diz respeito ao mérito do especial, senão até o ponto em que seja imprescindível para a análise da natureza da relação jurídica e o alcance da decisão judicial em face dos que dela participam.

No segundo dos acórdãos citados, proferido pela Terceira Turma deste Tribunal no REsp 20.982-MG, a questão fulcral foi definida pelo voto médio e, em verdade, não dizia respeito, diretamente, à interpretação do art. 1.394 do Código Civil de 1916, mas à potestatividade de disposição estatutária que condicionava o direito de voto de todos os associados de certa associação a que se alcançasse determinado número de adesões, número esse não atingido em mais de 24 anos de existência da entidade associativa. Permaneceu, naquele julgado, a controvérsia sobre o caráter da norma do diploma civil então vigente, tendo o e. Ministro Dias Trindade (relator) afirmado que «os estatutos não estabeleceram categoria de sócio sem voto, como estaria em seu direito fazê-lo» (grifei), defendendo, portanto, seu caráter dispositivo, enquanto que o i. Ministro Eduardo Ribeiro (relator designado) definiu-se pelo caráter não-dispositivo, ou seja, impositivo, do citado art. 1.394.

No RE 74820-SP, a situação fática também difere da presente. «Naquela questão judiciária, o que se discutia era se a Igreja Presbiteriana, que passou a ser sócia do Instituto Mackenzie, poderia ou não interferir na nomeação e destituição de diretores da instituição, prevalecendo o entendimento de que poderia», como se vê da declaração de voto vencedor do Tribunal paulista, proferida no julgamento da apelação do presente processo (fls. 4.017, v. 20). Mas, contrariamente ao que constou desse voto vencedor, o art. 1.394 do Código Civil revogado foi amplamente examinado pelo STF. Além disso, verifica-se do acórdão proferido pela Corte Constitucional que o Instituto era composto por 16 associados, divididos em quatro categorias: a «associada vitalícia», que era a Igreja Presbiteriana; os «associados efetivos», que eram três dos diretores contratados pelo conselho deliberativo por indicação da associada vitalícia; nove «associados eleitos», escolhidos pelo conselho deliberativo, mas referendados pela associada vitalícia; e três «associados antigos alunos». Ou seja, dos 16 associados que compunham o Instituto Mackenzie, 12 eram indicados pela Igreja e o 13º era ela própria, o que, fatalmente, lhe garantia poder total sobre a associação. Mas isso tinha uma razão de ser, também expressa no acórdão: o comodato realizado pela Igreja Presbiteriana de complexo educacional (composto «de terreno de mais de 45.000 m², construções e instalações» e «da área de pouco mais de 570.000 m² de terreno») ao Instituto Mackenzie.

O acórdão do STF traz ainda inúmeras lições sobre o direito de voto nas sociedades e associações, extraídas de obras de eminentes juristas estrangeiros (como Enneccerus, Andreas von Tuhr, Francesco Ferrara e Juan L. Paes) e brasileiros. Dentre estes destaco o inolvidável Pontes de MIRANDA e dele, por minha vez, colho as considerações que vão a seguir.

O grande civilista pátrio esclarece que a «qualidade de membro, a membridade (Mitgliedschaft), é o que resulta da relação jurídica de participação corporativa (associativa, social)» e «os direitos [dos sócios e associados] resultam dessa relação jurídica»; ou seja, «não há direito de membro, há direitos oriundos da relação jurídica da membridade», sendo que «a entrada como associado ou como sócio é negócio jurídico, porque se adere ao que foi negociado» (Tratado de Direito Privado. 4.ed. São Paulo: RT, 1983. v.1, p. 391). Logo em seguida, trata, mais especificamente, dos direitos e deveres dos membros de sociedades ou associações, nos seguintes termos:


4. DIREITOS E DEVERES. - Da relação jurídica de membridade irradiam-se direitos, pretensões, deveres e obrigações, dentre os quais alguns direitos específicos e algumas obrigações específicas. [...]. Direitos específicos são, principalmente: a) o de tomar parte nas assembléias; b) o direito de votar; c) o de eleição ativo e passivo; d) o direito de pedir convocações (quase sempre dependente do número mínimo de titulares, em ato coletivo); e) os direitos de uso dos bens destinados, em comum, pro indiviso, ou pro diviso, aos associados e sócios; f) [...]. Os direitos de a) a d) são direitos organizativos, direitos de participação social; os de e) a g), direitos de valor. [...]. Os direitos específicos gerais (= de todos os membros) são suscetíveis de alteração ou supressão, ex nunc, por deliberação da assembléia, ou, se constam dos estatutos, por deliberação da assembléia para a mudança dos estatutos; desde que a alteração ou supressão também seja geral. (Op. cit., v. 1, p.394/5; grifei.)

Pontes de MIRANDA, na continuidade de suas lições, distingue os «direitos específicos gerais», ou seja, típicos dos entes associativos e atribuídos a todos os membros da sociedade ou associação, dos «direitos específicos preferentes», sendo que estes:


[...] pertencem aos membros, sem que todos os membros os tenham. Nasceram da desigualdade, embora sem infração dos princípios: razão por que, para os eliminar ou diminuir, se precisa do assentimento dos seus titulares. Tal o verdadeiro conceito, que se presta à doutrina e muito nos revela da natureza dos direitos específicos e da dupla classe em que se distribuem. Direitos específicos preferentes são os que, pelos estatutos, se atribuem a um, alguns ou classe de membros. [...]. (Op. cit., v.1, p.395; grifei.)

Saliente-se: para Pontes de MIRANDA, os direitos específicos, entre os quais o direito de voto, são suscetíveis de supressão, ou de outorga a outros membros, mas, quando preferentes, a supressão dependerá, de ordinário, da anuência dos seus titulares.

No mesmo sentido, Alfredo de Assis GONÇALVES NETO revela que:


Mesmo na falta de distinção legal, penso que se pode localizar em qualquer sociedade e, mais precisamente, na sociedade limitada, certos direitos que ao sócio são conferidos pela lei ou pelo contrato social e que não lhe podem ser suprimidos ou alterados por deliberação da maioria societária, a não ser com sua concordância (ou renúncia inequívoca a tais direitos). [...]. (Lições de Direito Societário. 2. ed., São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2004. p.224/5).

Mais à frente, GONÇALVES NETO repete a lição dizendo que «é preciso enfatizar que todo direito conferido ao sócio, para ser por ele exercido individualmente, não pode ser suprimido ou alterado, a não ser com seu consentimento expresso» (Op. cit., p. 232), emitido pelos meios próprios de direito societário (p.ex.: assembléia especial, alteração dos estatutos sociais etc.).

Exceção se faz à hipótese em que o direito, ao ser conferido ao sócio, já tivesse em si o gérmen de sua mutabilidade futura independentemente do consentimento do seu titular. Seria o caso, p.ex., de o estatuto ter estabelecido que tal ou qual direito seria suprimido na ocorrência de determinada condição ou após certo tempo.

Resumindo: (i) a condição de sócio ou associado (a «qualidade de membro» ou «membridade») resulta da relação jurídica estabelecida por meio da adesão ao estatuto social; (ii) dessa relação jurídica surgem os direitos e deveres dos membros; (iii) os direitos podem ser classificados em direitos específicos gerais e direitos específicos preferentes; (iv) para eliminar ou alterar os direitos específicos preferentes é imprescindível a autorização dos seus titulares, salvo se eram sujeitos a termo ou condição.

Inexistindo, nos autos, qualquer menção a que o direito de voto conferido aos sócios fundadores fosse sujeito a termo ou condição e esta ou aquele se tivesse verificado, resulta que, efetivamente, a relação jurídica posta em juízo - por envolver o direito de voto conferido pelo estatuto da recorrente exclusivamente aos sócios fundadores - é daqueles que somente podem ser alterados ou modificados com seu consentimento expresso, donde se revela que a natureza da relação jurídica posta em litígio torna imprescindível a integração dos titulares do direito de voto à lide, na qualidade de litisconsortes necessários. Não se trata, pois, de «alterações que afetam diretamente apenas a pessoa jurídica», mas de alterações que afetam direta e predominantemente os sócios detentores do direito decorrente do dispositivo estatutário que os recorridos pretendem anular.

II.d) Direitos e deveres recíprocos nas associações

Adiante no raciocínio, tenho que constitui sofisma a afirmação de que os estatutos «não regulam as relações diretas» dos sócios fundadores «com os sócios efetivos, mas de todos os associados com a associação» e que «os interesses que se encontram em disputa são os da instituição e não os individuais de cada um dos associados», para daí extrair que os sócios fundadores «sofrem apenas indiretamente os efeitos da decisão judicial, pelo simples fato de se submeterem à regulamentação imposta pela associação em seus estatutos».

Digo, en passant, que não estou convencido da natureza institucional atribuída ao ato constitutivo da recorrente, nos termos das lições adotadas pelo acórdão recorrido, colhidas que foram de parecer acostado aos autos pelos recorridos. Entendo que a natureza institucional ou contratual do ato constitutivo de uma sociedade ou associação não decorre, direta e necessariamente, do seu tipo legal; em outras palavras, não é o fato de o ente associativo ser uma sociedade simples ou limitada, sociedade anônima ou associação que determinará se o seu ato constitutivo é um contrato, ou um ato de instituição. É certo que a teoria institucionalista bem se amolda às associações e às sociedades anônimas que possuem porte considerável, certo alcance territorial e tendência de continuidade no tempo; há, inclusive, quem defenda que a Lei 6.404, de 15.12.1976, tem nela inspiração, conforme se vê do apanhado doutrinário realizado por Marlon TOMAZETTE (Direito Societário. 2.ed, São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2004. p.215). Contudo, os estatutos de uma sociedade anônima de capital fechado ou de um clube esportivo local serão, possivelmente, melhor explicados pela teoria do contrato plurilateral (ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999. p. 372 e ss.), do que pela da instituição.

A fixação da natureza jurídica dos estatutos da recorrente, rigorosamente, dependeria do exame de fatos e provas, o que é vedado nesta sede recursal (Súmula 7/STJ), mas, de todo modo, a solução dessa questão não é imprescindível para o deslinde do feito. Isso porque, independentemente da natureza institucional ou contratual do ato constitutivo da primeira recorrente, é fato que seu estatuto (ou seu contrato social) regula diversas ordens de relações jurídicas: (i) entre o ente societário e seus membros (sócios ou associados); (ii) entre o ente societário e terceiros; (iii) entre os membros e terceiros; e (iv) dos membros entre si.

Tanto isso é verdade que, embora se referindo propriamente às sociedades, a Seção II do Capítulo X (Da Sociedade) do Título V (Das Várias Espécies de Contratos) do Livro III (Do Direito das Obrigações) da Parte Especial do Código Civil de 1916 era dedicada aos «Direitos e Obrigações Recíprocas dos Sócios». Mais ainda: o último artigo dessa Seção II era, justamente, o art. 1.394, cuja aplicação ao caso é debatido no recurso especial.

É fato, por outro lado, que o Código Civil de 2002 não reproduziu a mesma topologia do diploma revogado e o parágrafo único do art. 53, no capítulo reservado às associações, afirmou que «não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos». Entendo, porém, que o legislador de 2002 foi infeliz nessa disposição e sua interpretação não pode ser ampla e irrestrita, como pode parecer à primeira leitura. Nesse mesmo sentido, se manifesta Attila de Souza Leão ANDRADE JÚNIOR, para quem o parágrafo único do art. 53 também «tem uma infeliz redação, pois é impossível existir uma relação jurídica em que inexistam direitos e obrigações recíprocas entre as partes que a mantém» (Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v.1, p.88).

Sem dúvida alguma, nenhum associado, nessa qualidade, (i) pode exercer os direitos próprios da associação, em face de outros associados, ou (ii) ser obrigado, por outros associados, ao cumprimento dos deveres que só à associação competem. Assim, um associado não pode exigir de outro o pagamento das contribuições sociais a que este se tenha obrigado, nem pode ser por ele compelido a prestar um serviço que deva ser fornecido pela associação, por exemplo. Aí está o âmbito em que, a meu ver, deve ser entendido o disposto no parágrafo único do art. 53 do Código Civil de 2002.

Existem, contudo, relações jurídicas que se estabelecem diretamente entre os associados, não se podendo negar, pois, que da relação associativa há, pelo menos, um rol de direitos que deve ser por eles observado reciprocamente: justamente o rol de direitos relativos à organização e ao funcionamento da associação e de seus órgãos - os direitos específicos, gerais ou preferentes, de que tratava Pontes de Miranda - a que corresponde, no mínimo, a obrigação de não impedir o exercício desses direitos pelos seus titulares. Com efeito, cada associado tem, necessariamente, os direitos, prerrogativas, faculdades ou poderes que lhe são atribuídos no estatuto, em caráter geral (direitos específicos gerais), ou em função da categoria a que pertença (direitos específicos preferentes), e os demais associados têm a obrigação de respeitá-los, não podendo obstar seu exercício por aquele que, consoante as disposições estatutárias, pode fazê-lo. É o caso, p.ex., do poder de indicar membros para os órgãos de administração, da faculdade de utilizar as instalações da associação de acordo com as regras internas e do próprio direito de voto.

Destarte, o disposto no parágrafo único do art. 53 do atual Código Civil não alcança o direito de voto previsto nos estatutos da recorrente, não se podendo falar que tal direito é exercitável somente em face da pessoa jurídica, pois o é em relação a todos os demais membros, que se obrigam a respeitá-lo. Além disso, como visto, o art. 1.394 do Código Civil revogado se inseria, justamente, na seção que tratava dos «Direitos e Obrigações Recíprocas dos Sócios».

Disso tudo é forçoso deduzir que o direito de voto é exercitável frente não só ao ente associativo, mas a todos os seus membros, o que também conduz ao litisconsórcio necessário.

II.e) Modificação qualitativa do direito de voto dos sócios fundadores

É verdadeiro dizer que a decisão recorrida não suprimiu o direito de voto de que já desfrutavam os sócios fundadores da recorrente e que eles continuam «gozando o seu status de fundadores», mas não é menos verdadeiro anotar que o acórdão paulista promoveu uma alteração qualitativa desse direito e que, ao contrário do que foi lá afirmado, operou, sim, modificação no patrimônio jurídico dos sócios fundadores, pois passaram a compartilhar o direito de voto com outras pessoas, que, a seu turno, foram beneficiadas com direito que, nos termos do estatuto, não possuíam; ou seja, o direito de voto detido pelos sócios fundadores deixou de ser exclusivo.

Para se verificar a dimensão da modificação ocorrida no patrimônio jurídico dos recorrentes pessoas físicas, da declaração de voto vencedor, proferida no julgamento da apelação, extrai-se que a primeira recorrente conta com três categorias de sócios: os fundadores que são oito, os efetivos, que são 152, autores na ação, e os sócios honorários, estes sem qualquer direito ou obrigação para com a sociedade» (fls. 4.016, v. 2; grifei). Com a decisão recorrida, os 152 «sócios-efetivos» passaram a deter direito de voto, de modo que, em uma assembléia onde comparecessem todos os 160 votantes (152 + 8), seriam necessários 81 votos favoráveis para as deliberações por maioria simples (50% + 1 voto), enquanto que anteriormente bastavam cinco votos de sócios fundadores em assembléias onde todos eles comparecessem.

Em razão do decisum do Tribunal paulista, portanto, os sócios fundadores recorrentes perderam a exclusividade que detinham e, consequentemente, o direito ao controle social, talvez o bem mais precioso que possuíam.

É fato que o exercício do poder de controle pode gerar abuso, assim como o exercício de qualquer direito. Porém, o abuso do poder de controle - mando a «nuto e arbítrio» ou «desmandos», no dizer do acórdão recorrido - não é fundamento jurídico da ação declaratória de nulidade, sendo irrelevante para aferir a validade do dispositivo estatutário atacado. Além disso, havendo abuso do poder de controle, outra seria a ação para que os interessados buscassem a reparação a que eles próprios ou o ente associativo fizessem jus (como, p.ex., a ação de responsabilidade civil dos controladores).

Destarte, não é juridicamente correto dizer que «beneficiar os sócios-efetivos, reconhecendo-lhes o direito de voto nas assembléias da entidade não implica prejuízo, no plano jurídico, aos sócios que já desfrutavam desse direito», como também é errôneo afirmar que é «processualmente irrelevante» que se «considerem prejudicados no plano dos fatos, na satisfação psicológica derivada do exercício do poder derivada da permanência». Em verdade, há, sim, efetivo prejuízo dos sócios fundadores, que, com a decisão do Tribunal a quo, deixaram de ter direito exclusivo de voto e passaram a compartilhá-lo com os sócios efetivos, o que, mais uma vez, demonstra a ocorrência do litisconsórcio necessário.

II.f) Litisconsórcio necessário - Doutrina e jurisprudência

II.f.1) Doutrina

Conforme anotei no relatório, os sócios-efetivos Adilson Costa da Costa e outros formularam pedido de inclusão no polo ativo da apensa medida cautelar preparatória 2.733/97, na origem, arguindo a existência de litisconsórcio necessário, em petição apresentada pelos mesmos advogados dos recorridos que firmaram as contrarrazões do especial.

A fundamentação trazida pelos referidos sócios-efetivos traz lições pertinentes sobre o tema, que bem elucidam a questão, como se vê a seguir:


2.Conforme se consignou no item 7 da petição inicial, a ação principal será proposta com o objetivo de reconhecer «a nulidade dos artigos do Estatuto Social que ferem o direito de todos os sócios [de] participar das assembléias gerais, de votar e ser votado (entre outros os arts. 5º, § 4º, 10 e §§, art. 14 e §§); bem como a nulidade dos artigos que importem em cláusula potestativa pura, e, ainda, como consequência, o direito de propor reforma estatutária e de convocar a assembléia geral».


3.Dispõe o «caput» do artigo 47 do Código de Processo Civil que: [...]. Assim é que, confrontando-se esse dispositivo com o conteúdo do pedido anunciado para a ação principal, cujo resultado útil se busca preservar através desta cautelar, conclui-se que a decisão que se proferir atingirá de modo uniforme todos os sócios da TFP, havendo necessidade de que todos eles integrem a relação processual frente à presença do litisconsórcio necessário unitário.


3.1.Imperioso, assim, que todos os sócios da TFP sejam citados para integrarem a relação processual, independentemente do pólo que venham a entender, cada um, de ocupar. Importante também se anotar que: «25. Todos que hajam de figurar, necessariamente, como litisconsortes na ação principal, também necessariamente terão de ser citados para as medidas cautelares que venham a ser pleiteadas antecipadamente» [...].


4.Nesse preciso sentido se tem manifestado a doutrina e jurisprudência, destacando-se as seguintes anotações feitas por NELSON NERY JÚNIOR E ROSA MARIA ANDRADE NERY, Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., RT: (pág. 415/416)


«4. Litisconsórcio necessário. A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. (...) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os participantes de um contrato [no caso de adesão, o Estatuto Social], para a ação anulatória do mesmo contrato [ou parte dele], porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes.» [...]


«5. Litisconsórcio necessário e pólo ativo. [...]»


«6. Litisconsórcio unitário. Ocorre quando a lide tiver de ser decidida de maneira uniforme para todos os litisconsortes.» (omissis)


(...)


«9. Eficácia da sentença. Influência na esfera jurídica de outrem. Toda vez que se vislumbrar a possibilidade de a sentença atingir, diretamente, a esfera jurídica de outrem, a menos que a lei estabeleça a facultatividade litisconsorcial (v.g. CC 623 II) deve ser este citado como litisconsorte necessário, a fim de que possa se defender em juízo. Neste sentido: STF-RT 594/248.» (Omissis)


5.De tudo se conclui pela existência de litisconsórcio necessário unitário no caso concreto, devendo todos os sócios da TFP integrarem a relação processual. (Fls. 374/375, v. 2 da medida cautelar preparatória apensa aos autos; as omissões sinalizadas entre colchetes são minhas.)

Nas notas de rodapé 2 e 3 daquela petição, os advogados dos recorridos trouxeram ainda lições de juristas integrantes do mesmo escritório advocatício, que também convém transcrever:


2.»O que parece, pois essencialmente definidor no litisconsórcio unitário é que, em hipótese alguma, ter-se-á tal figura, quando a sentença possa deixar de ser procedente para alguns dos litisconsortes e o seja para outros.» (ARRUDA ALVIM e TERESA ARRUDA ALVIM PINTO, Assistência - Litisconsórcio, Repertório de Jurisprudência e Doutrina, RT, 1986, p. 7)


3.»No litisconsórcio decorrente da indispensabilidade da propositura da demanda contra todos, porque todos estejam ligados à relação jurídica, a lei processual dispõe que, toda vez que a sentença tenha, à luz dessa hipótese, necessariamente, que produzir efeitos em face de diversas pessoas, todas deverão ser citadas. Neste caso o que incumbe ao juiz é verificar se todos aqueles que serão afetados pela sentença, de modo uniforme, num, ou, em ambos os pólos do processo, estão no processo. Incorrendo isto, deverá determinar a respectiva integração ao processo, mesmo ativamente; e, passivamente, por certo, sob pena de, não cumprida essa sua determinação in tempore (arts. 47, parágrafo único, e 267, XI), vir a dar pela extinção do processo, sem julgamento do mérito.» (Id. ib., p. 5/6). (Loc. cit..)

Em verdade, essas lições vêm a calhar perfeitamente no que tange à natureza jurídica do litisconsórcio existente entre os sócios fundadores da recorrente e ela própria, demonstrando tratar-se de litisconsórcio necessário. Creio, por isso, não ser preciso me alongar na transcrição de lições doutrinárias a respeito do tema, pois essas bastam para demonstrar que de litisconsórcio facultativo não se trata.

II.f.2) Jurisprudência

Não logrei encontrar julgado que se amoldasse perfeitamente ao caso sob exame; no entanto, a jurisprudência desta Corte não é alheia ao litisconsórcio em matéria societária. Sem contradita, não é questão pacífica, mas vejo que uma linha de entendimento já se estabeleceu.

A discussão que tem sido faceada com mais frequência diz respeito à necessidade de a própria sociedade integrar a lide, em conjunto com todos os sócios, nas ações que versam sobre dissolução do ente associativo. A e. Ministra Nancy Andrighi, no voto proferido no REsp 613.629-RJ, apreciado pela Terceira Turma do STJ (j. em 26.9.2006, DJ 16.10.2006), apontou a existência de dissenso naquele órgão, mas afirmou que esta Quarta Turma:


[...], em diversas oportunidades, já se posicionou no sentido de que esse litisconsórcio é necessário. Nos precedentes em que essa idéia foi defendida, estabeleceu-se que o interesse dos sócios estaria consubstanciado no remanejamento de suas quotas sociais, e o da sociedade decorreria do fato de que ela terá de arcar com o pagamento dos haveres do sócio retirante. Nesse sentido, podem-se citar o julgamento dos REsp Acórdão/STJ (Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 6/11/2000) e Acórdão/STJ (Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 13/2/1996).

Não há dúvida, entretanto, quanto à necessidade de todos os sócios integrarem a lide em caso de dissolução da sociedade, como deixou claro o saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, em voto que proferiu no REsp 735.207-BA


EMENTA


[...]


1. Dúvida não há na jurisprudência da Corte sobre a necessidade de citação de todos os sócios remanescentes como litisconsortes passivos necessários na ação de dissolução de sociedade.


[...]


VOTO


[...]


Não tenho dúvida de que existe a nulidade com relação à ausência dos dois sócios. Não é possível dissolver sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada sem que todos os sócios estejam presentes no feito. Com o devido respeito, não tem sentido algum a fundamentação do acórdão no sentido de que não foi explicitado que tipo de litisconsórcio estavam os apelantes pretendendo. E não tem pela simples razão de que apontaram a nulidade exatamente em cima da ação de dissolução de sociedade, com o que, evidentemente, se os autores pretendiam dissolver a sociedade deveriam ter chamado todos os sócios remanescentes. Antigo precedente desta Turma, Relator o Ministro Eduardo Ribeiro (REsp Acórdão/STJ, DJ de 26/8/91), mostrou claramente a existência de litisconsórcio necessário, porquanto a «decisão a ser tomada na causa, com a eventual procedência da demanda, atingirá diretamente a situação jurídica do sócio. Encontra-se, na doutrina, mais de uma referência à necessidade da citação do sócio em feitos dessa natureza. Mencione-se, como exemplo, além da opinião de CÂNDIDO DINAMARCO, citada pelo acórdão, a de LOPES DA COSTA (Direito Processual Civil Brasileiro - 2ª ed - Forense - vol. I - p. 408)». Na verdade, a possibilidade de modificar-se a estrutura jurídica da sociedade clarifica a necessidade da intervenção de todos os sócios que sofreram os efeitos da decisão judicial. Por fim, nesse ponto, não releva a circunstância posta no acórdão de ter sido apresentada a argüição pelos apelantes e não pelos sócios que não participaram da lide. Portanto, desde logo, procedente é a impugnação por falta de citação dos dois sócios que não o integraram. (Terceira Turma, j. em 1.4.2006, DJ 7.8.2006; grifei.)

Exceção se faz às sociedades anônimas, pois, conforme já teve oportunidade de assentar esta Quarta Turma, sob a relatoria do e. Ministro Luís Felipe Salomão, «cuidando-se de sociedade de capital, a relação do acionista com os outros acionistas e com a companhia não possui caráter pessoal, estando seus direitos e obrigações adstritos ao montante integralizado»; ademais, «o reconhecimento da legitimidade passiva dos demais sócios em ação de dissolução da sociedade anônima, além das dificuldades para o prosseguimento do feito, em decorrência, em alguns casos, de grande número de réus, contraria a participação limitada do acionista na condução dos rumos da companhia», em razão do que «somente a sociedade anônima possui legitimidade para figurar no pólo passivo de demanda dissolutória, devendo ser representada por sua Diretoria» (REsp 467.085-PR, j. em 28.4.2009. DJ 28.4.2009).

Passando aos litígios que versam sobre exclusão de sócio (ou dissolução parcial de sociedade), igualmente instaura-se litisconsórcio necessário entre todos membros do ente associativo. Não se desconhece que, no REsp 45.343-SP (j. em 16.8.1994, DJ 10.10.1994), a Terceira Turma desta Corte não admitiu a existência do litisconsórcio necessário. Contudo, no REsp 64.371-PE (j. em 26.3.1996, DJ 19.8.1996), a mesma Turma somente não reconheceu a necessariedade do litisconsórcio porque não se tratava de «ação de dissolução de sociedade, mas de demanda indenizatória»; ou seja: fosse ação dissolutória, o litisconsórcio seria necessário.

Mais recentemente, acórdão proferido por esta Quarta Turma, em que foi relator o i. Ministro Massami Uyeda, parece ter pacificado o tema. A ementa do acórdão recebeu a seguinte redação:


RECURSO ESPECIAL - OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO - INOCORRÊNCIA - AÇÃO DE EXCLUSÃO DE SÓCIO - FORMA DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE - SOCIEDADE E SÓCIO REMANESCENTE - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - INTEGRAÇÃO DA LIDE - NECESSIDADE - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - IMPOSSIBILIDADE - ENTENDIMENTO OBTIDO PELO EXAME FÁTICO-PROBATÓRIO - INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 7/STJ - RECURSO NÃO CONHECIDO.


I - É pacífico nesta Corte o entendimento de que o Órgão Julgador não está obrigado a responder uma a uma as alegações da parte, como se fosse um órgão consultivo, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundamentar sua decisão;


II - O quotista interessado na expulsão de outro deverá instaurar o contencioso em face deste, dos sócios remanescentes e da pessoa jurídica à qual se ligavam;


III - O Tribunal de origem, após analisar toda a matéria devolvida em apelação, assentou que as provas colacionadas nos autos não seriam suficientes para concluir que houve efetivamente infidelidade, má-fé ou exorbitância de poderes na administração, sendo imprescindível, para tal, a realização de perícia técnica e contábil;


IV- Recurso não conhecido. (REsp 813.430-SC, j.em 19.6.2007, DJ 20.8.2007; grifei.)

Do voto do eminente relator, trago ainda as seguintes lições:


No tocante à existência de litisconsortes passivos necessários, ao contrário do sustentado pelo recorrente, não se está a confundir os institutos de exclusão de sócio com o exercício do direito de retirada de um dos sócios, porquanto, ainda que distintos, pois o primeiro é compulsório e o segundo voluntário, são, inequivocamente, causas de dissolução parcial da sociedade.


Imprescindível para se concluir pela necessidade de determinado sujeito de direito integrar a lide, é aferir seus interesses e, precipuamente, a incidência dos efeitos do provimento judicial, no caso dissolutório, em sua esfera de direitos.


Na espécie, tais requisitos reputam-se presentes, pois, na hipótese de procedência do pedido de exclusão do sócio, a sociedade limitada, com índole pessoalista, terá seu contrato social alterado e, por conseqüência, desfeitos os vínculos que a constituem. Este desfecho acarretará, ainda, o início da liquidação da sociedade, mesmo que parcial, com alteração do capital social (diminuição ou novas subscrições) e apuração de haveres. Assim, sendo incontroversa a necessidade da presença da sociedade e dos sócios remanescentes na fase «executiva», com mais razão a presença destes na fase «cognitiva».


Nesse sentido, o em. Min. Eduardo Ribeiro, por ocasião do julgamento do REsp 44132 / SP, DJ 01.04.1996, ao abordar a legitimidade passiva da sociedade em ação de dissolução parcial por retirada de sócio, dispôs que: «Certo que a pretensão de retirada, enquanto envolve modificação do contrato social, haveria de ser atendida pelos demais sócios e não pela sociedade. Entretanto, julgada procedente a ação, o patrimônio da sociedade, e não o pessoal dos sócios, é que arcará com o pagamento do que for devido aos que se retiram. Justifica-se, pois, sua presença no processo.»


Não se olvida, ainda, o entendimento já esposado por este e. Tribunal Superior no sentido de que, havendo a citação dos sócios remanescentes, a empresa, em tese, estaria defendida (ut REsp 153.515/RJ, rel. Min. Waldemar Zveiter). Ainda que se adotasse referido posicionamento, o que se admite apenas ad argumentandum, já que a personalidade jurídica da sociedade não se confunde com a dos sócios, verifica-se, na espécie, que o próprio sócio remanescente também não fora citado.


Irretorquível, portanto, o acórdão recorrido no sentido de que o quotista interessado na expulsão de outro deverá instaurar o contencioso em face deste, dos sócios remanescentes e da pessoa jurídica à qual se ligavam. (Grifei)

De tudo se percebe que a jurisprudência desta Corte é pacífica no que tange à existência de litisconsórcio necessário (i) entre, ao menos, todos os sócios de sociedade a que se visa dissolver - exceto se esta é uma anônima - e (ii) entre todos os sócios, no caso da exclusão de um deles, ou de dissolução parcial do ente associativo.

Saliento, outrossim, que as lições jurisprudenciais acima colhidas revelam que a necessariedade do litisconsórcio não se restringe às hipóteses de dissolução de sociedade, mas abrange outras em que haja «possibilidade de modificar-se a estrutura jurídica da sociedade», o que impõe a «intervenção de todos os sócios» que possam sofrer «os efeitos da decisão judicial» (Ministro Carlos Menezes Direito, REsp 735.207-BA, citado), de modo que o «imprescindível para se concluir pela necessidade de determinado sujeito de direito integrar a lide, é aferir seus interesses e, precipuamente, a incidência dos efeitos do provimento judicial [...] em sua esfera de direitos» (Ministro Massami Uyeda, REsp 83.430-SC, citado).

Não tenho dúvida, por isso, em afirmar que o reconhecimento do litisconsórcio necessário, neste caso, segue a linha jurisprudencial adotada por esta Corte.

II.g) Oportunidade de ingresso nos autos

É indene de discussão que, pelo fenômeno da preclusão, a parte sofre sanções por sua inércia, se retardar providência que lhe seja demandada no curso do processo.

Ficou assentado, na própria ementa do acórdão proferido nos embargos de declaração promovidos pelos sócios fundadores, que eles:


[...] tiveram conhecimento do processo, uma vez que são diretores da sociedade ré e se não ingressaram nos autos antes é porque não quiseram fazer isso, tudo demonstrando que concordavam que somente figurasse na ação, como parte passiva, a Sociedade [...], sendo-lhes defeso, portanto, nesta altura da demanda, a postulação do ingresso nela, como foi feito.

Isso, porém, não macula o direito de os sócios fundadores integrarem a lide na qualidade de litisconsortes necessários, sob pena de ineficácia da sentença (CPC, art. 47, «caput») - atentando, ainda, que reiteradas vezes foi afirmado nos autos que «a pessoa jurídica tem existência distinta da dos seus membros», com referência ao art. 20 do diploma civil revogado - nem afasta o dever de os órgãos judiciários ordenarem que o autor promova a citação de todos os litisconsortes, quando litisconsórcio necessário há (CPC, art. 47, parágrafo único).

Trata-se de matéria de ordem pública que diz com a constituição e o desenvolvimento válido e regular do processo, de modo que pode (deve) ser reconhecida de ofício pelo juiz quando a detectar (REsp 217.26-CE. Primeira Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. em 19.5.2005, DJ 26.9.2005; REsp 480.712-SP, Primeira Turma, rel. p/acórdão Min. Luiz Fux. j. em 12.5.2005 DJ 20.6.2005; REsp 184.599-ES, Quarta Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 24.4.2001, DJ 11.6.2001).

É certo que a lei adjetiva não deixa impune o réu que retarda a comunicação de fato que inquine de nulo o processo, como se vê da parte final do § 3º do art. 267 do CPC: «O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI [do «caput» do artigo]; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento».

Essa sanção, contudo, não afasta a nulidade, que deve, ainda assim, ser pronunciada, pois «a presença do litisconsorte necessário no feito é um dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, questão indisponível, passível de ser apreciada de ofício, de cujo exame não pode subtrair-se o Tribunal, sequer a pretexto de preclusão, tendo em conta o previsto no § 3º do art. 267 do CPC» (REsp 249.163-SP, Terceira Turma, relator Ministro Waldemar Zveiter, j. em 20.2.2001, DJ 7.5.2001).

II.h) Conclusão do tópico

À guisa de conclusão, trago um último argumento em prol da necessariedade do litisconsórcio. Impende considerar que é intuitivo que o estabelecimento de direitos preferentes - conforme conceituados por Pontes de MIRANDA - deve ter uma causa, uma razão de existir, sendo possível discutir, até mesmo, a licitude dessa causa. Veja-se que, p. ex., no litígio que envolveu a Igreja Presbiteriana e o Instituto Mackenzie, julgado pelo STF no RE 74.820-SP, a causa dos amplos poderes outorgados pelo estatuto àquela fora um comodato de imóveis de propriedade da Igreja ao Instituto, entre os quais o estabelecimento educacional onde este desenvolvia suas atividades.

Na presente lide, nada a respeito foi mencionado, quer no acórdão recorrido, quer nas peças recursais. Todavia, se causa houve, essa consiste em matéria que diz respeito aos sócios fundadores pessoalmente, de modo que a eles competiria trazê-la aos autos; se não o fizeram, é razoável supor que não tiveram oportunidade para tanto, já que não integraram a ação desde o seu início. Claro que essas considerações consistem em meras conjeturas, mas me parecem úteis para verificar que a falta de integração dos sócios fundadores à lide, no momento oportuno, os impediu de, nos termos do art. 300 do CPC, alegar toda a matéria de defesa que tivessem contra a pretensão dos recorridos, expor as razões de fato e de direito com que pretendessem impugnar o pedido inicial e especificar as provas que pretendessem produzir.

Diante de todo o exposto, resta sem razão o acórdão paulista que, ao adotar a tese dos recorridos, entendeu que os sócios fundadores «não sofrem efeitos diretos no tocante ao decisum», quando, em verdade, seu direito foi, seguramente, afetado pelo decisum paulista, uma vez que a «relação de direito material litigiosa» se dá, não apenas entre os «associados prejudicados pela disposição estatutária» e a associação, mas também entre esses e aqueles que podem ser afetados pela própria decisão judicial que aprecia a validade da mesma disposição estatutária, ou seja, os sócios que, por força dela, dispõem de direito de voto.

Inafastável, portanto, a existência do litisconsórcio necessário. ...» (Min. João Otávio de Noronha).»

Doc. LegJur (123.9262.8000.7200) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Sociedade (Jurisprudência)
Associação civil (Jurisprudência)
Associação sem fins lucrativos (Jurisprudência)
Cláusula estatutária (Jurisprudência)
Estatutos (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Ação de nulidade (v. Cláusula estatutária ) (Jurisprudência)
Norma de ordem pública (Jurisprudência)
Nulidade (v. Cláusulas estatutárias ) (Jurisprudência)
Direito de voto (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Voto (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Eficácia ex tunc (v. Nulidade ) (Jurisprudência)
Litisconsórcio (Jurisprudência)
Litisconsórcio passivo necessário (Jurisprudência)
CCB, art. 1.394
CCB/2002, art. 53
CCB/2002, art. 55
CCB/2002, art. 2.035
CPC, art. 47

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