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Direito Constitucional

AÇÃO DE RECONHECIMENTO HOMOAFETIVO

Imagem do usuário VINICIUS MENDONÇA DE BRITTO

ADVOGADO

Escreveu em 25/11/2007 10:11

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS DE DIREITO DE FAMÍLIA DA COMARCA DE CAMPO GRANDE - MS, A QUEM O FEITO COUBER POR LIVRE DISTRIBUIÇÃO. Protegido pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998 - Lei de Direitos Autorais “Uma nação que pretenda ser verdadeiramente desenvolvida precisa respeitar as diferenças internas do seu povo, cabendo-lhe ser intolerante com a própria intolerância.” , brasileira, solteira, funcionária pública estadual, CI nº SSP/MS, CPF nº , residente e domiciliado na Rua , nº , Bairro , nesta cidade e; A, brasileira, solteira, técnica contábil, CI nº , CPF nº , , vem com lhaneza e acatamento constelar este Oráculo para propor a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMAFETIVA Expondo para tanto todas as razões fáticas, embebidas nos sustentáculos da Carta Mãe que, secundados pelos pedidos, darão azo ao requerimento final, na forma que se explana: “A verdadeira igualdade consiste em aquinhoar desigualmente seres desiguais” (Rui Barbosa) “Uma nação que pretenda ser verdadeiramente desenvolvida precisa respeitar as diferenças internas do seu povo, cabendo-lhe ser intolerante com a própria intolerância.” (Pedro Taques, Procurador Regional da República em São Paulo). Todo cidadão tem o direito de ser feliz, principalmente em um país que se diz civilizado. Ora, Excia., a união entre pessoas do mesmo sexo merece tal proteção por apresentar idêntico rol de características que marcam as uniões heterossexuais: convivência duradoura, compromisso emocional, financeiro mútuo e objetivo de constituir família. A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro como dependente em plano de assistência médica. O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana, e não pode ninguém, quem quer que seja, lhe tirar este direito ou seja, sua escolha e opção sexual. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA Inicialmente, informa as Requerentes, que são pobres na acepção legal do termo, não possuindo condições de arcar com as custas de um processo e honorários advocatícios, sem prejuízo de seus sustentos, razão pela qual faz jus às benesses da Graça. DA COMPETENCIA Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, onde se pretende o reconhecimento da sociedade homoafetiva entre pessoas do mesmo sexo está intimamente ligado ao Direito de Família. Como o Direito de Família se justifica pela afetividade, fazer analogia com esse ramo do direito significa reconhecer a semelhança entre as relações entre as homossexuais. Assim, pode-se dizer que a Justiça deve crescer evoluindo com a sociedade, existindo entre as Requerentes o afeto impossível não inovar por analogia o conhecimento para reconhecer a natureza familiar desta união homoafetiva das Requerentes. DAS SINÓPSE QUE MOTIVAM O PEDIDO. As Requerentes, desde a data de 22 de maio de 1.994, ou seja, há mais de treze anos, são conviventes, mantendo uma vida em comum, uma relação amorosa estável, de companheirismo, cooperação e assistência mútua, juntando esforços para a aquisição de patrimônio, divisão de despesas domésticas, bem como, para o sustento de ambas, convivendo de baixo do mesmo teto. Buscando-se sempre um único objetivo, manter um verdadeiro lar, com amor e respeito mútuo, caracterizando uma autêntica relação familiar, com os mesmos deveres que um homem e uma mulher casados. As Requerentes, inclusive firmaram “CONTRATO PARTICULAR DE CONVIVÊNCIA COMUM” (doc anexo), pelo qual se estabelecem cláusulas e condições para a convivência, entre as quais, cite-se o compromisso de convivência em relação afetiva, duradoura e social, sob o mesmo teto, mediante fidelidade e assistência financeira e moral. É possível o Processamento e o Reconhecimento de União Estável entre Homossexuais, ante Princípios Fundamentais esculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto a União Homossexual. Com a evolução da sociedade, uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade cientifica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. O amor entre as Requerentes, existe há mais de treze longos anos de convivência, sendo sempre pública, notória e, de forma contínua. Veja, S. Excia., que a relação sexual entre duas Requerentes, pessoas capazes do mesmo sexo, é um irrelevante jurídico, pois, a relação homossexual voluntária, em si, não interessa ao Direito, em linha de princípio, já que a opção e a prática são aspectos do exercício do direito à intimidade, garantia constitucional de todo o indivíduo, como reza o art. 5º, X da Carta Mãe. Tamanho é o amor e a evolução de pessoas como as Requerentes, que se torna impossível não dar guarida aos seus pedidos. Assim, resta comprovada a “união estável entre as partes”. Eis o âmago da ação. DOS SUSTENTÁCULOS DO RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA A união homoafetiva é um fato incontestável e inexorável em nossa sociedade. Não podemos ser hipócritas, a ponto de, querer fingir a inexistência da homossexualidade. A sociedade já evoluiu em muitos aspectos, mas quando o tema a ser abordado é a opção sexual, ela mascara a situação, num ato por total homofóbico (aversão aos homossexuais). Tratam de forma totalmente preconceituosa aqueles que decidem ter uma opção sexual diferente dos padrões da grande maioria. Grande tem sido a luta dos homossexuais, ditos como a minoria em nossa sociedade, que se engajam em ONGS e, outros grupos numa tentativa de reverter tão triste quadro social. Alvos de perseguições, brincadeiras de mau gosto e discriminações, são vítimas de uma sociedade, do qual fazem parte, mas que infelizmente preferem agir com preconceitos, a tratar de forma igualitária os diferentes. A família é a célula da sociedade. UMA FAMÍLIA NÃO SE FORMA COM A ASSINATURA DE UM PAPEL PERANTE UM JUIZ DE PAZ, OU COM A CELEBRAÇÃO DE UMA CERIMÔNIA RELIGIOSA OU AINDA COM A REALIZAÇÃO DE UMA GRANDE FESTA SOCIAL. Uma família surge de um lindo sentimento chamado afeto. O afeto é que norteia qualquer relação entre pessoas que se unem e somado a muitos outros atributos como o respeito, a fidelidade e assistência recíproca é que irá fazer surgir à família. Então, não é apenas a união entre um homem e uma mulher casados, que terá a faculdade de gerar uma família. A família é a realização plena do amor, podendo ser constituída pelo casamento, pela união estável, pelas famílias monoparentais (um pai ou mãe e um filho) e, também pelas uniões homoafetivas. Seria de grande e profunda injustiça não reconhecer a união entre duas mulheres que por amor se unem e vivem com todos os atributos de um casal dito como normal. Acima de tudo, estas pessoas são seres humanos, e suas opções sexuais, não as tornam menos honestas ou piores que os demais, pois são pessoas como todos nos com defeitos e também com qualidades. Mais que isso, são pessoas que trabalham, cumprindo com seus deveres cívicos, pagam seus impostos, satisfazem suas obrigações merecendo, portanto, todo o respeito por nossa sociedade. Urge a necessidade de uma revisão destes conceitos que norteiam a nossa sociedade. Conceitos estes, ainda tão arcaicos e eivados de vícios, de hipocrisias e de discriminações. Uma sociedade só é justa se ela for livre. A base da sociedade é a liberdade e o respeito e sua inexistência faz nascer à tirania e, uma série de injustiças, que devem ser combatidas veementemente. Nossa sociedade tem que ser balizada nos princípios éticos da igualdade, da fraternidade e dignidade da pessoa humana. Ora, isso é tudo o que os homossexuais buscam, a liberdade para fazerem suas opções sexuais, e o respeito e garantia aos seus direitos. O amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça, sendo preciso que se enfrente o problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade que bate à porta da hodiernidade e, mesmo que a situação não se enquadre nos moldes da relação estável padronizada, não se abdica de atribuir à união homossexual os mesmos efeitos dela. É como pensa DIAS: “o convívio homoafetivo gera família e se esta não pode ter a forma de casamento, necessariamente há de ser a união estável. Não há outra opção. Trata-se de uma alternativa entre duas opções. Daí, é forçoso reconhecer que a união estável é um gênero que admite duas espécies: a heteroafetiva e a homoafetiva.”. (DIAS, Maria Berenice. União homossexual – O preconceito & a justiça. 2ª ed, revisada e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, Pág 69) A doutrinadora prossegue seu raciocínio, dizendo que: “Nada justifica o estabelecimento da distinção de sexos como condição para a identificação da união estável. Dita desequiparação, arbitrária e aleatória, estabelece exigência nitidamente discriminatória. Frente à abertura conceitual levada a efeito pelo próprio legislador constituinte, nem o matrimônio nem a diferenciação dos sexos ou a capacidade procriativa servem de elemento identificador da família. Por conseqüência, de todo descabida a ressalva feita no sentido de só ver como entidade familiar a união estável entre pessoas de sexos opostos” (pág. 80). É irrefutável que a homossexualidade sempre existiu, podendo ser encontrada nos povos primitivos, selvagens e nas civilizações mais antigas, como a romana, egípcia e assíria, tanto que chegou a relacionar-se com a religião e a carreira militar. Sua maior feição foi entre os gregos, que lhe atribuíam predicados como a intelectualidade, a estética corporal e a ética comportamental, sendo considerada mais nobre que a relação heterossexual, e prática recomendável por sua utilidade. Com o cristianismo, a homossexualidade passou a ser tida como uma anomalia psicológica, um vício baixo, repugnante, já condenado em passagens bíblicas (...com o homem não te deitarás, como se fosse mulher: é abominação, Levítico, 18:22) e na destruição de Sodoma e Gomorra. Alguns teólogos modernos associam a concepção bíblica de homossexualidade aos conceitos judaicos que procuravam preservar o grupo étnico. Toda a prática sexual entre os hebreus só se poderia admitir com a finalidade de procriação, condenando-se qualquer ato sexual que desperdiçasse o sêmen. Já entre as mulheres, por não haver perda seminal, a homossexualidade era reputada como mera lascívia. Estava, todavia, freqüente na vida dos cananeus, dos gregos, dos gentios, mas repelida até hoje entre os povos islâmicos, que tem a homossexualidade como um delito contrário aos costumes religiosos. A Idade Média, registra o florescimento da homossexualidade em mosteiros e acampamentos militares, sabendo-se que na Renascença, artistas como Miguel Ângelo e Francis Bacon cultivavam a homossexualidade. Lembra Edward Wilson que: “A história genética da humanidade propugna uma moral sexual mais liberal, na qual as práticas sexuais deve ser consideradas primeiro como mecanismos de união e apenas secundariamente como meios de procriação e que o comportamento homossexual tem sido censurado pelas sentinelas da moral ocidental judaica-cristã, e tratado como doença na maioria dos países.” (A natureza humana, Editora da USP, 1981, pág. 141). Não é negando direitos à união homossexual, que desaparecerá o homossexualismo, pois, os fundamentos dessas uniões se assemelham ao casamento e à união estável, sendo o afeto o vínculo que une os parceiros, à semelhança dos demais casais, e que gera efeitos jurídicos. Como, ninguém é senhor da morada sexual, não se tem direito algum de reescrever moralmente a versão imposta à forma de amar e desejar sexualmente. Eis que, ninguém pode escolher que tipo de desejo ou atração sexual será a sua, mas qualquer um pode aprender a definir o que sente conforme seus padrões éticos. A doutrina nos traz o seguinte: “Genericamente, os sexos de nomes contrários se atraem e os de sexo do mesmo nome repelem-se, daí chamar-se o homossexualismo de inversão sexual, cumprindo, desde logo, distinguir entre os indivíduos capazes de relacionar-se com outros do sexo homônimo, os que assim procedem por um pendor independente de sua vontade (verdadeiros homossexuais, invertidos) e os que se comportam por imitação, por vício, por curiosidade ou até por divertimento (pseudo-homossexuais ou perversos), criando-se duas grandes categorias de homossexualidade, a inversão e a perversão.” (Américo Luís Martins da Silva, A evolução do Direito e a realidade das uniões sexuais, Editora Lúmen Juris, Rio, 1996, pág. 300). Assim, discutir-se homossexualidade, partindo da premissa que todos são heterossexuais, bissexuais ou homossexuais, significa acumpliciar-se com um jogo de linguagem que se mostrou violento, discriminador, preconceituoso e intolerante, e que já levou a acreditar que certas pessoas humanas são moralmente inferiores, só pelo fato de sentirem atração, por outras do mesmo sexo. Ë nessa cidade ideal da ética humanitária e democrática, que as pessoas serão livres para amar sexualmente de tantas formas quantas possam inventar, e onde o único limite para a imaginação amorosa será o respeito pela integridade física e moral do semelhante. Para Caio Fernando Abreu: “A homossexualidade não existe, nunca existiu, e sim a sexualidade, voltada para um objeto qualquer de desejo, que pode ou não ter genitália igual, e isso é detalhe, mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade.” (Pequenas epifanias, Editora Sulina, Porto Alegre, 1996, pág. 49). Entretanto, as uniões homoafetivas são uma realidade que se impõe e não podem ser negadas, estando a reclamar tutela jurídica, cabendo ao Judiciário solver os conflitos sempre trazidos por nossa sociedade, pois, a mais cruel conseqüência do agir omissivo é a perpetração de grandes injustiças. A doutrina, novamente nos traz o seguinte: “Subtrair direitos de alguns e gerar o enriquecimento injustificado de outros afronta o mais sagrado princípio constitucional, o da dignidade, e se a palavra de ordem é a cidadania e a inclusão dos excluídos, uma sociedade que se deseja aberta, justa, pluralista, solidária, fraterna e democrática não pode conviver com tal discriminação.” (União homossexual, o preconceito, a justiça, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2000, pág. 17/21). A partida para a confirmação dos direitos dos casais homoeróticos está, estampado, no texto constitucional brasileiro, que aponta como valor fundante do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade (art. 1º, III), da liberdade e da igualdade sem distinção de qualquer natureza (art. 5º), a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X). Dessa forma, a consagração do princípio da dignidade humana implica em considerar-se o homem como centro do universo jurídico, reconhecendo que abrange todos os seres e não há alguns indivíduos, mas sim, a cada um individualmente. O respeito aos traços constitutivos fundamentais da individualidade de cada um, sem depender de orientação sexual, é ordenado juridicamente em virtude do artigo 1º, inciso III, da Carta Mãe de 1988, sendo o reconhecimento da dignidade o elemento central do Estado de Direito, que promete aos indivíduos muito mais que abstenções de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais: a promoção positiva de suas liberdades. A afirmação da dignidade humana, no direito brasileiro, repele quaisquer providências, diretas ou indiretas, que esvaziem a força normativa dessa noção fundamental, tanto pelo seu enfraquecimento na motivação das atividades estatais, quanto por sua pura e simples desconsideração. Diante destes elementos, conclui-se que o respeito à orientação sexual é aspecto fundamental para afirmação da dignidade humana, não sendo aceitável, juridicamente, que preconceitos legitimem restrições de direitos, fortalecendo estigmas sociais e espezinhando um dos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito (Dignidade da pessoa humana, homossexualidade e família: reflexões sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo, trabalho inédito). Deve-se atentar-se, ainda, para o princípio da igualdade. A concretização da igualdade em matéria de sexo, exponencializada pela proibição de discriminação, se examinada com cuidado, alcança o âmbito da orientação sexual homossexual. Não se diga, outrossim, que inexiste discriminação sexual, porque prevalece tratamento igualitário para homens e mulheres diante de idêntica orientação sexual, pois o argumento peca duplamente, ao buscar justificar uma hipótese de discriminação (homossexualismo masculino) invocando outra hipótese de discriminação (homossexualismo feminino). O raciocínio desenvolvido acerca da relação entre o princípio da igualdade e a orientação sexual, é uma espécie de discriminação por motivo de sexo, isso significando que, em linha de princípio, são vedados no ordenamento jurídico pátrio os tratamentos discriminatórios fundados na orientação sexual. Além disso, como apregoam José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz: “As uniões estáveis de natureza homossexual podem ter relevância jurídica em outros planos e sob outras formas, não como modalidade de casamento.” (Direito de Família. Direito Matrimonial, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1990, pág. 215). A família não suporta mais a estreita concepção de núcleo formado por pais e filhos, já que os laços biológicos, a heterossexualidade, a existência de, pelo menos, duas gerações, cederam lugar aos compromissos dos vínculos afetivos, sendo um espaço privilegiado para que os opostos possam vir a se tornar complementares. Atualmente a família, além da sua função de reprodução biológica, produz também, sua própria reprodução social, através da função ideológica que exerce ao vincular a introjeção, por seus membros, de valores, papéis, padrões de comportamento que serão repetidos pelas sucessivas gerações, deixando a família nuclear de se constituir em modelo prevalente. A progressão do número de divórcios, filhos criados pelo pai ou pela mãe, filhos criados em famílias reconstruídas por novos casamentos, aconchegam os novos arranjos cada vez mais freqüentes na sociedade. Não comporta mais a simples reprodução dos antigos modelos para o exercício dos papéis de mães e pais, experiência que vai além do fato biológico natural, mas adquire o estatuto de uma experiência psicológica, social, que pode ou não acontecer, independentemente a fecundação, gestação e do dar à luz e amamentar. Ressignificar a família na função balizadora do périplo existencial, é um imperativo de nossos dias, revitalizá-la com o aporte de novas e mais satisfatórias modalidades de relacionamento entre os seus membros é indispensável para se aperfeiçoar a convivência humana, repensá-la é tarefa a ser por todos compartida por sua transcendência com a condição humana. Segundo Rosana Amara Girardi Fachin: “A família contemporânea não corresponde àquela formatada pelo Código Civil, constituída por pai e mãe, unidos por um casamento regulado pelo Estado, a quem se conferia filhos legítimos, eis que o grande número de famílias não matrimonializadas, oriundas de uniões estáveis, ao lado de famílias monoparentais, denota a abertura de possibilidade às pessoas, para além de um único modelo. Hoje, a nova família busca construir uma história em comum, não mais a união formal, eventualmente sequer se cogita do casal, o que existe é uma comunhão afetiva, cuja ausência implica a falência do projeto de vida, já não se identifica o pai como marido, eis que papéis e funções são diversas, e a procura de um outro desenho jurídico familiar passa pela superação da herança colonial e do tradicional modo de ver os sujeitos das relações familiares como entes abstratos.” (Em busca da família do novo milênio. Uma reflexão crítica sobre as origens históricas e as perspectivas do Direito de Família brasileiro contemporâneo, Editora Renovar, Rio, 2001, pág. 7). A discriminação sexual resiste, mas há sinais de que a luta contra o PRECONCEITO atravessa uma fase de transformação significativa. No Brasil, a primeira dissolução litigiosa, após união homossexual estável entre duas mulheres, foi decidida pela 7ª Câmara Cível do TJRS, ao manter sentença da 7ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre, que reconheceu como “estável” a união entre duas mulheres e determinou a participação igualitária dos bens adquiridos ao longo da relação, em conseqüência do fim do relacionamento. (Proc. nº 7000548812) O homossexualismo é apenas uma opção sexual, que deve ser respeitada, pois, é um direito individual intransponível e personalíssimo. É inadmissível, que a sociedade moderna imponha dogmas medievais, repúdio social e, uma visão polarizada. Estigmatizando e marginalizando as pessoas em razão de sua orientação sexual, fomentando o heterossexismo e a homofobia. Nossa Constituição Federal, é clara por si só ao afirmar que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” Assim, se não pode haver diferença de qualquer natureza e, sendo assegurado direitos às uniões estáveis entre homem e mulher, é juridicamente perfeita a união estável entre homossexuais, não esquecendo de que os princípios teriam que ser os mesmos de uma união heterossexual. Não legalizar essa união seria criar distinção entre pessoas, o que não é permitido por nossa Carta Magna. Contudo, diante do regime normativo albergado pela nossa Constituição Federal de 1988, que marcou posição contra preconceitos, as instituições estatais brasileiras não podem ter outra postura senão dispensar a todos os seus cidadãos igualdade de tratamento, independente do fato de serem ou não homossexuais. Ora, Excia., deve ficar bem claro que devemos ser a favor do respeito pelas pessoas e contra as discriminações em virtude da orientação sexual. Se a heterossexualidade é a orientação sexual da maioria da população brasileira, nem por isso, a minoria homossexual deve ser tratada como pecaminosa ou doentia a ponto de o Estado fazer, como vem fazendo, discriminações gritantes na aquisição de direitos e no status jurídico desses indivíduos. A consagração da inviolabilidade da vida privada como direito fundamental do indivíduo, somada à proibição de discriminações em virtude do sexo, à ausência de religião oficial e ao vetor de dignidade da pessoa humana, tudo isso será fundamental para concluirmos, sem sombra de dúvida, que se impõe ao Estado Brasileiro um dever de abstenção, consistente em não negar direitos com base nos padrões da moral católica, vale dizer, que não se pode discriminar pessoas homossexuais pelo só fato de terem escolhido, como modo de ser e de viver, esta orientação sexual. Dizer que a união homossexual contraria os princípios éticos da família, ferindo a proteção ao núcleo familiar, também não convence, partindo sempre da mesma e preconceituosa premissa de que essa orientação sexual é pecaminosa ou doentia. Ora o reconhecimento desta união entre as Requerentes, não prejudicará ninguém, só fará com que duas pessoas sejam felizes, não cabe ao Estado interferir, discriminando pessoas (em clara violação ao princípio da igualdade) apenas porque não se comportam conforme os padrões morais de conduta ou opções de escolha de vida da maioria. Homossexualismo não se contrapõe à idéia de família. A idéia de família deve sobrepor, acima de tudo, cooperação, respeito e harmonia. Há tantas famílias de casais heterossexuais que não têm isso: filhos consumidos pelas drogas, casais atordoados pela quebra do dever de fidelidade, separações e divórcios que se multiplicam, brigas por dinheiro, abandono e desamparo. São mudanças tímidas ainda. Mas são os tijolos pequenos que fazem os grandes edifícios, por isso, essas pequenas mudanças são fundamentais. Uma nação só pode ser assim chamada se houver respeito pela dignidade. Estamos caminhando para isso. Hoje o consumidor esboça reações mais efetivas ao ser enganado. O negro bota a boca no trombone ao ser discriminado. O homossexual briga quando é agredido em seu direito de ser. Alguns grupos vão à justiça brigar contra impostos desonestos e injustos. Estamos, como cidadãos brasileiros, começando a saber o que significa cidadania. É necessário amadurecer mais para que saibamos também escolher adequadamente nossos governantes. A “parada do orgulho Gay”, na cidade de São Paulo, reuniu MAIS DE UM MILHÃO DE PESSOAS, cabendo aqui destacar duas observações fundamentais: Primeira, estamos falando apenas da cidade de São Paulo, sendo certo, que há outras manifestações do mesmo tipo que se espalham pelo Brasil inteiro, inclusive em nossa capital; Segunda, nem todas as pessoas homossexuais, ou seus familiares, dispõe-se a participar de manifestações desse tipo, até porque remanesce na tradição cultural brasileira um forte preconceito quanto a essa orientação sexual. Para demonstrar que A NOSSA REALIDADE É PRECONCEITUOSA E RACIAL, vale a pena colacionar alguns exemplos de manifesta discriminação e homofobia: LÉSBICA É ESTUPRADA E HUMILHADA PUBLICAMENTE POR BELEGUIM. Denúncia do Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa do Ceará, Deputado Mário Mamede: aos 5-1-97, um agente do Sistema de Segurança Pública do Ceará prendeu a jovem FLCV, 19 anos, que na ocasião portava um pequeno canivete tipo chaveiro, quando passeava de bicicleta com sua amiga, sofrendo a mais vil das humilhações, sendo estuprada dentro da 24a DP pelo investigador de polícia Sebastião Alves, onde foi obrigada a praticar sexo oral, vaginal e anal com o mesmo, ficando a jovem com graves seqüelas físicas e psicológicas. Além das sevícias sexuais, o policial percorreu diversos bares de Fortaleza, exibindo a vítima e divulgando que a mesma era lésbica e mantinha relação homossexual com a adolescente NNSM, 17 anos. O pai e ex-noivo da menor foram à Delegacia onde declararam que a vítima era uma vagabunda e tinha seduzido sua filha. [Ofício n.0086/97, Assembléia Legislativa do Ceará; Ofício 024/97 da Executiva do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua ao Ministro da Justiça, Nelson Jobim] LÉSBICAS VÍTIMAS DE DISCRIMINAÇÃO De acordo com denúncia do Coletivo de Feministas Lésbicas de S.Paulo, através do Projeto Felipa de Sousa de Orientação Jurídica para Lésbicas Vítimas da Violência e Discriminação, em S.Paulo, entre Agosto/96-Agosto/97, foram registrados 21 casos caracterizados de lesbofobia, incluindo as seguintes ocorrências: ameaça de perda da guarda das filhas no processo de divórcio; pai leva filha de lésbica para exterior; lésbica ameaçada de expulsão de casa; lésbica ameaçada de ter sua homossexualidade revelada num processo judicial; lésbica agredida fisicamente por um membro da família; lésbica obrigada por irmão, de quem é dependente, a fazer tratamento psiquiátrico; lésbica discriminada no trabalho, é forçada a pedir demissão; lésbica impedida de visitar parceira doente no hospital; lésbica ridicularizada em sala de aulas em S.Paulo; lésbica discriminada num bar por manifestar carinho para companheira; lésbica ameaçada de violência física pela família de sua namorada; gerente de hotel em SP impede a montagem de exposição de artigos sobre lesbianismo durante o II Encontro Nacional de Feministas sobre a Violência contra a Mulher; lésbica é extorquida para não ter sua homossexualidade revelada à família. [Fonte “Lésbicas, gays e a legislação.” Coletivo de Feministas Lésbicas de S.Paulo, 1997] EMPRESA DISCRIMINA LÉSBICA A promotora de vendas Sueli de Jesus A. Silva, 36 anos, foi demitida do emprego na Indústria de Biscoitos Aymoré e nos Supermercados EPA, de Belo Horizonte, depois de ter sido tachada de sapatão. Há dois anos ela não consegue emprego e sobrevive graças à ajuda de amigos. Tudo começou a partir de uma fofoca de que teria agarrado uma menina na porta do Palácio das Artes, numa festa de fim de ano da empresa. Aí o gerente dos supermercados divulgou que ela era lésbica. Sueli entrou com processo na 7a Vara Civil do Fórum Lafayete, ganhando a causa na primeira instância. [Jornal do Brasil, 15-12-97] GAYS E LÉSBICAS SÃO VÍTIMAS DO GOLPE BOA NOITE CINDERELA. Até setembro/97 já tinham sido registrados mais de 20 casos de vítimas do golpe “boa-noite cinderela”, em que rapazes de programa e marginais colocam sorrateiramente no copo de bebida de homossexuais, substâncias psicotrópicas e soníferos, praticando a seguir roubos e violência. O mesmo golpe já foi aplicado em Campinas, Rio, Belo Horizonte, Salvador. [O Globo, 21-9-97] CASA DE TRAVESTI É CRIMINOSAMENTE QUEIMADA EM GOIÂNIA. Um incêndio ocorrido na Rua Jaó, 61, Vila Coronel Cosme, em Goiânia, destruiu completamente a casa da travesti GMS, “Gláucia”, sendo acusado o marginal Amarelinho como o principal suspeito de ter ateado fogo, pois tinha prometido roubar o travesti, arrombando a porta da casa horas antes. [Diário da Manhã, 5-5-97] PROFESSOR DEFENDE EXTERMÍNIO DE HOMOSSEXUAIS O Diretor do Colégio Universitário da Universidade Federal de Viçosa, Laurindo Silva, escreveu no Boletim do Colégio que os homossexuais deveriam ser todos exterminados e jogados dentro de uma cova e cobertos com água para não sobrar nem os ossos. [Informação prestada por um professor da UFV, nov/97] GAYS SÃO EXPULSOS DE BAR. André Vítor e um grupo de homossexuais da cidade Balneário Camboriú, SC, foram obrigados a retirar-se de uma boate na cidade “para evitar que esse espaço se tornasse conhecido como boate gay”. [Revista Sui Generis, n.21, 1997] POLICIAIS EXPULSAM CASAL GAY DE PARQUE EM BELO HORIZONTE. Dois homossexuais dirigiram-se ao PROCOM-BH para reclamar dos policiais que tomam conta do Parque Municipal mandaram-nos se retirar do Parque simplesmente por serem gays e estarem conversando em local isolado. [Hoje em Dia, 3-5-97] É de se perceber que o preconceito age e muito no ramo do homossexualismo, inclusive quando diz respeitos às lésbicas, pois representam o grupo mais atingido por preconceitos e injustiças, diferentemente do que acontece na sociedade global-heterossexual, onde as mulheres são as principais vítimas de violência física e morte. A aceitação e o respeito à homossexualidade começam na família. Ainda há registros de filhos expulsos de casa ou humilhados na escola ou no trabalho quando revelam sua orientação sexual. Alguns vão além da luta pela união estável, até agora só conseguida na Justiça. Sonham em cuidar um do outro, em ouvir a frase “até que a morte os separe”. A felicidade como visto acima, não pode ser uma só, um padrão determinado por um grupo de pessoas. A felicidade é um estado de ventura, que atende à multiplicidade de valores e anseios do ser humano, individualmente considerado. Não se pode falar de felicidade geral, mas da felicidade de cada ser humano. A felicidade geral é a soma das felicidades individuais atendidas. Portanto, a busca do fim social do Estado deve, obrigatoriamente, fundar-se na busca da felicidade. Os anseios individuais, a captação das mudanças sociais pelo Estado, o atendimento às necessidades básicas do ser humano estão, certamente, entre os fins objetivados pelo Estado e reconhecidos pelo constituinte de 1988.” AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA NO BRASIL A falta de dispositivo legal sobre a matéria tem tornado cada vez mais importante à atuação do operador do direito a fim de solucionar, com eqüidade, tais questionamentos. Dessa forma, é vital o entendimento do “fenômeno social jurídico” em epígrafe. A fria exegese legal não deve ser confundida pelo jurista como aplicação do Direito. Este deve ser, primeiramente, entendido como fato social; produto da atuação dos atores sociais em seu meio. Ora, resta claro que, dentro do corte epistemológico na sociedade brasileira contemporânea, o fenômeno da união estável homossexual está claramente evidenciado e aceito. Cabe então, aos magistrados, advogados e doutrinadores, o entendimento desse fenômeno como parte do meio social para a utilização dos princípios e métodos adequados à defesa dos interesses dessas pessoas. DOS REQUERIMENTOS Pelo Joeirado, requer seja de chofre recebido e julgado procedente o presente feito, determinando-se: O julgamento de procedência da ação, declarando e reconhecendo por magistral sentença, a entidade familiar “união estável homoafetiva”, referente ao relacionamento homossexual vivido pelas Requerentes, durante mais de treze longos e duradouros anos, assegurando, às Requerentes, todos os seus direitos constitucionais; Seja dado vistas ao Representante do Parquet; Sejam concedidas, as Benesses da Graça, uma vez que as Requerentes não possuem condições de arcar com as custas processuais sem comprometer gravemente seus sustentos; Provará o que for necessário, usando de todos os meios admitidos em direitos, em especial depoimento pessoal das Requerentes, oitiva de testemunhas, independentemente de prévio depósito de rol, e ou intimação pelo Meirinho, o que desde já, fica Requerido; Enumera-se o presente à importância de um real, como valor dado à causa, para os devidos efeitos legais, acrescido de juros de mora, correção monetária, custas processuais e, honorários advocatícios na base usual de trinta por cento. Aguarda merecer deferimento. Aquidauana para Campo Grande, 05 de setembro de 2.007. VINÍCIUS MENDONÇA DE BRITTO OAB/MS FLÁVIO MENDONÇA DE BRITTO OAB/MS