Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 247.8809.6755.8512

1 - TJRJ Apelação. Relação de consumo. Plano de saúde. Tratamento para transtorno global de desenvolvimento. Negativa fundada em cláusula contratual restritiva. Abusividade. Procedência.

Insurge-se o apelante contra o deferimento de terapias multidisciplinares fundamentais para o melhor desenvolvimento da autora, diagnosticada com epilepsia de difícil controle (CID G 40.5), paralisia cerebral mista - espástica de discinética (CID G 80.0) e encefalopatia hipóxico-isquêmica perinatal (CID G 93.1). Afirma que tal tratamento não estão incluídos do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), não sendo tal rol meramente exemplificativo e, portanto, não admite interpretação extensiva. Conquanto a existência de entendimento no sentido de que seja possível o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas de direito, é considerada abusiva a norma contratual que exclua o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento indicado pelo médico que assiste o paciente, em relação à doença contratualmente coberta. No caso concreto, foi ilícita a negativa de custeio dos tratamentos prescritos pelo médico especialista, pois com isso se impediu acesso a tratamento essencial para a preservação da saúde e melhor desenvolvimento da autora. De fato, não há lastro legal para se reconhecer legítima a exclusão contratual de procedimentos, tampouco a limitação de sessões recomendadas pelo médico assistente, porque isso coloca em risco o próprio objeto do contrato, na medida em que restringe a assistência dada à doença coberta pelo plano de assistência à saúde, em violação ao art. 51, IV do CDC. Trata-se de exclusão e limitação que têm o condão de extrair do contrato a própria garantia que lhe é inerente. Caracterização de cláusula manifestamente abusiva, a qual fere o princípio da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, caput e, I do CDC), ressaltando-se que aqui se deva falar da hipervulnerabilidade do autor. Importante pontuar, quanto à alegada não inclusão dos tratamentos do Rol da ANS, que a Lei 14.454, de 21 de setembro de 2022alterou a Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, para que o art. 10 passasse a determinar que o rol de procedimentos constitui referência básica para os planos de saúde. Referida legislação representa superação legislativa, ainda que parcial, da recente decisão da Segunda Seção do STJ, no julgamento conjunto dos Eresp 1.886.929/SP e Eresp 1.889.704/SP, no sentido da taxatividade mitigada do rol da ANS, a qual, registre-se, não possui efeito vinculante. Significa dizer que o rol de procedimentos mínimos obrigatórios, exigidos pela Lei 9.656/98, art. 12, constituem elementos que não afastam a admissibilidade de fornecimento da cobertura terapêutica recomendada expressamente pelo médico responsável, e reputada imprescindível ao restabelecimento da saúde do paciente. O fato de ter sido invocada as diretrizes da Resolução 539/2022 não gera qualquer violação ao ato jurídico perfeito, uma vez que a norma regulamentar apenas consolidou o entendimento que já era aplicado pela jurisprudência de forma ampla, fundamentado nos princípios gerais de direito contratual, em especial a função social do contrato e as boa-fé objetiva. Súmula 211 deste Tribunal de Justiça. Ressalte-se que o laudo pericial produzido durante a instrução processual conclui que o diagnóstico feito pelo médico assistente é correto e que os encaminhamentos terapêuticos estão corretos, conferindo certeza às prescrições que respaldam a pretensão autoral. Assim, havendo expressa indicação médica, não tendo a solicitação de autorização para os procedimentos decorrido de mera opção do autor, mas da necessidade do tratamento, é indevida a recusa do plano e equivale à negativa de prestação do próprio objeto do contrato firmado entre as partes, devendo o plano de saúde proceder à autorização do tratamento prescrito pelo médico assistente, uma vez que é o profissional como maior capacidade de avaliar o estado de saúde do paciente e a evolução de seu tratamento. Recusa indevida que equivale à negativa de prestação do próprio objeto do contrato firmado entre as partes. Dano moral. Configuração. Verba indenizatória no valor de R$ 5.000,00 que se adequa aos critérios de razoabilidade, sem deixar de atender aos aspectos punitivos e pedagógicos necessários a repelir e evitar tais práticas lesivas aos consumidores. Recurso a que se nega provimento.

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