Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CRIME IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. TENTATIVA NÃO CONFIGURADA. RECONHECIMENTO DA FIGURA PRIVIEGIADA. 1)
Não se descura que o Direito Penal deva movimentar-se no sentido de afastar a tipicidade material de determinadas condutas que afetam em grau irrelevante o bem jurídico protegido. Contudo, é preciso equacionar os interesses tutelados em conflito - a liberdade e o patrimônio particular - de sorte a não menoscabar um ou outro e a conduzir ambos à ineficácia social. Se a repressão do Estado pode eventualmente apresentar-se desproporcional à conduta transgressora da lei formal, invadindo a própria dignidade do transgressor, a cegueira em enxergar a realidade de pequenos delitos patrimoniais representa incentivo a sua reiteração e a reação malquista da vingança privada. Não por outro motivo, sobretudo ao longo dos últimos anos, o legislador pátrio vem engendrando soluções que, a despeito de manterem a criminalização de certas condutas de reduzida afetação ao bem jurídico, buscam apartá-las da privação da liberdade corporal. Cumpre ao aplicador da lei conferir efetividade a essas soluções, em vez de superar mencionados conflitos de interesses de maneira simplista, seja para extrapolar na condenação ou para negar a existência do crime. 2) No escopo de estabelecer critérios e evitar banalizações, tem o Supremo Tribunal Federal assentado que, para excluir a tipicidade material da conduta, faz-se necessário o preenchimento de concomitante de requisitos de ordem objetiva e subjetiva: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Por sua vez, o STJ, adotando parâmetro objetivo, a somar-se àqueles assinalados pelo STF, vem aplicando o princípio da insignificância para os casos em que o valor da res não ultrapassa 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época do fato, considerando, de maneira geral, irrisório desfalque aquém desse índice. 3) Na espécie, o valor dos bens subtraídos do estabelecimento comercial lesado - duas peças de picanha, avaliadas em R$180,02 (cento e oitenta reais e dois centavos) - não pode ser considerado irrisório, equivalendo a mais de 10% do salário mínimo vigente à época do fato (salário mínimo em maio de 2023: R$1.310,00, consoante Medida Provisória 1.172/23). Assim, restou superado o critério adotado pela jurisprudência para o reconhecimento da atipicidade material da conduta. 4) O eventual monitoramento eletrônico ou acompanhamento da ação delituosa pela segurança do supermercado, como no caso, por si só, não impede a consumação delitiva, persistindo a possibilidade de fuga. Tanto a assertiva é verdadeira que, embora desencorajadora, a instalação de câmeras de vídeo não inibe por completo a atuação de meliantes. Se assim não fosse, inexistiria a possibilidade de furto em qualquer estabelecimento dotado de fiscais de segurança: ou o agente lograria êxito em apossar-se da res, ou, sendo detido, não cometeria crime algum. Porém, furtos em lojas, supermercados e drogarias têm se tornado extremamente comuns mesmo com a presença de circuito interno e a vigilância por seguranças do estabelecimento comercial. Estes são apenas auxiliares no combate aos delitos, não garantindo, de forma peremptória, que sua consumação jamais ocorrerá (Súmula 567/STJ). 5) O réu possui maus antecedentes, conforme revela o Relatório da Situação Processual Executória anexo à sua FAC, tendo sido condenado pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Ipu, Estado do Ceará, a pena de 5 anos e 4 meses de reclusão por crime de roubo duplamente qualificado, com trânsito em julgado em 28/06/2010 e extinção de pena somente em 18/05/2022. Diversamente da reincidência, o CP adotou para os maus antecedentes o sistema da perpetuidade, não havendo limite temporal para o reconhecimento dessa circunstância judicial desfavorável. O Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual encerrada em 17/08/2020, por maioria de votos, no julgamento Recurso Extraordinário (RE) 593818, com repercussão geral reconhecida (Tema 150), decidiu que a pena extinta há mais de cinco anos pode caracterizar maus antecedentes. 6) Consoante a prova produzida, o réu chegou a inverter a posse da res, sendo abordado pela fiscal do estabelecimento já em área externa do supermercado, próximo à praça de alimentação, depois de ultrapassado a área dos caixas e das antenas de segurança (Súmula 582/STJ; RE 102.490). 7) Considerando o pequeno valor da res, cujo valor não supera o salário mínimo vigente à época do crime, bem como a primariedade técnica do réu, nada obsta, como bem observado no douto parecer ministerial, o reconhecimento do privilégio do §2º, do CP, art. 155. Provimento parcial do recurso.... ()
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