Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 829.6929.9756.5676

1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA OU SUPRIMIDA EM DESACORDO COM AUTORIZAÇÃO LEGAL. RÉU CONDENADO À PENA DE 4 (QUATRO) ANOS E 1 (UM) MÊS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO. RECURSO NO QUAL A DEFESA ALMEJA O RECONHECIMENTO DE AUSÊNCIA DE LESIVIDADE (INSIGNIFICÂNCIA). DESEJA A ABSOLVIÇÃO E, SUBSIDIARIAMENTE, PRETENDE A REVISÃO DOSIMÉTRICA COM O ABRANDAMENTO DO REGIME PARA CUMPRIMENTO DE PENA.

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade e, por isso, deve ser conhecido. Da leitura dos autos, a denúncia dá conta de que no dia 19 de outubro de 2023, por volta das 17 horas, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, altura do 120, Copacabana, o acusado, consciente e voluntariamente, portava e possuía, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 01 (um) revólver com numeração de série raspada, além de 06 (seis) munições. A materialidade e a autoria do delito em tela restaram evidenciadas nos autos pelo registro de ocorrência, pelo auto de apreensão de arma de fogo e munições, pelo laudo de exame em arma de fogo, laudo de exame em munições e pelos depoimentos prestados em juízo sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, em especial, pela confissão do réu em seu interrogatório. Eis as declarações colacionadas aos autos, conforme transcrição não literal integrada pela técnica per relationem:: O Policial Militar Guilherme Leon disse que «estava baseado, quando um transeunte informou as características de uma pessoa que estaria com uma arma de fogo em punho. Asseverou que foi até o local informado e que viu o réu, mas a arma de fogo não estava mais visível. Aduziu que seu supervisor fez a revista do acusado e que ele localizou o armamento. Afiançou que pegaram o armamento e conduziram o réu até a delegacia. Esclareceu que a arma de fogo se tratava de um revólver com munições intactas e com a numeração suprimida. Narrou que o réu alegou que fazia a segurança do local e não ofereceu nenhuma resistência à prisão. Outo Policial Militar, Gabriel Martins disse em Juízo «que estava baseado, quando um cidadão informou sobre uma discussão e que um nacional estaria armado. Asseverou que foi até o local e encontraram a arma de fogo com o réu. Assegurou que o transeunte disse que estava acontecendo uma discussão no local e que a arma de fogo encontrada com o réu era um revólver .38 municiado". Em conformidade com os depoimentos prestados pelos outros Policiais, Vinicius Pina, assentou «que estava baseado na Praça do Lido, quando um senhor informou sobre um nacional armado, passando a descrição de como essa pessoa estaria vestida. Asseverou que foi ao local e que viu o acusado com a vestimenta informada. Assegurou que sinalizou e se aproximou do réu, localizando uma arma de fogo na cintura dele. Afiançou que a arma era um revólver .38 municiado e com a numeração raspada. Narrou que o acusado disse que fazia segurança no local". Em favor do réu, a testemunha Diego Pinho disse «que conhece o réu há vinte anos e que ele é muito benquisto na localidade, sendo segurança das lojas e da região no geral. Garantiu que a região é muito insegura e que o réu sempre ajudou a todos". Interrogado, o réu confessou os fatos que lhe são imputados, asseverando «que estava com a arma apreendida, que trabalha como segurança de uma área perigosa e precisava se defender. Asseverou que sabe que não era certo, mas que, para sua própria segurança, ficou com a arma de fogo". Levado o material à perícia, o laudo de exame em arma de fogo e munições atestou tratar-se de um revólver de fabricação brasileira, da marca «Taurus, de calibre .38 (ponto trinta e oito), com acabamento em aço teniferizado. O laudo destaca que a arma descrita apresenta a gravação do número de série eliminada por ação mecânica profunda e a arma apresentou capacidade para produzir tiros, podendo ser utilizada para a prática de crime. Adiante, os testes de eficácia, realizados nos cartuchos apresentados a exames, indicaram que eles apresentam capacidade de sofrer deflagração e encontravam-se em condições de uso. Para além da confissão e do material levado à perícia, é consagrado o entendimento jurisprudencial pátrio acerca das declarações fornecidas por policiais, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, e consolidado no verbete sumular 70, deste Eg. Tribunal de Justiça. Nesse sentido a Corte Superior entende que «o depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso. (...) (AgRg no AREsp. Acórdão/STJ - Ministro Joel Ilan Paciornik - Quinta Turma - Data do julgamento: 23/11/2021). No caso dos autos, não há mínima evidência de prévia animosidade entre estes e os apelantes, ou de que os policiais tinham algum interesse em deturpar a verdade, apontando situação inexistente e incriminando pessoas inocentes. Ademais, suas versões restaram corroboradas pela prova acostada aos autos, segura, harmônica e que converge para a configuração do delito que resultou na condenação do ora apelante. No mais, não assiste razão à defesa, a alegação de ausência de lesividade da conduta do réu. No que trata do exame da tipicidade da conduta do réu, aliás, tal é definida como crime de perigo abstrato, ou seja, para a configuração típica, é suficiente que o réu haja em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, das normas que têm por objetivo tutelar a segurança coletiva, com primazia sobre o interesse individual. Nesse contexto, surge, pelo trabalho de Eugenio Raúl Zaffaroni a construção da teoria da tipicidade conglobante, a qual, nas lições de Rogério Greco, é preciso verificar dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se o fato é materialmente típico. O estudo do princípio da insignificância reside nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, a tipicidade material. (...) se não há tipicidade material, não há tipicidade conglobante; por conseguinte se não há tipicidade penal, não haverá fato típico, e, como consequência lógica, não haverá crime". Pois bem, dada a ofensividade do crime, de perigo abstrato, ao bem jurídico tutelado, a ordem social, impõe-se reconhecer a tipicidade da conduta cometida pelo réu, razão pela qual é incabível a aplicação do princípio da insignificância e da intervenção mínima do Estado no Direito Penal. Precedentes Jurisprudenciais colacionados. Assim, sendo fato incontroverso que o réu possuía a arma de fogo com numeração de identificação raspada ou suprimida, a conduta amolda-se perfeitamente ao tipo penal descrito no art. 16, § 1º, IV do Estatuto do Desarmamento e a condenação deve ser mantida. Passa-se ao exame dosimétrico: A dosagem da pena merece reparos. Na primeira fase dosimétrica, o sentenciante, considerou que o réu ostenta maus antecedentes, conforme a FAC e os esclarecimentos prestados decorrente da condenação na ação penal 0153685-15.2006.8.19.0001 (art. 157 c/c 14 do CP) com trânsito ocorrido em 12/02/2009, razão pela qual operou o incremento de 1/6 na pena-base. Todavia, é importante considerar que, consoante o entendimento do E. STJ «condenações pretéritas cuja extinção da pena haja ocorrido há mais de 10 anos anteriormente à prática do delito superveniente não podem ser utilizadas para fins de valoração negativa dos maus antecedentes, em atendimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (AgRg no HC 742.824/SP, Re. Min. Antônio Saldanha Palheiro, 6ª T, julg.: 04/10/2022). Do compulsar dos autos, vê-se que o réu foi condenado naquele delito pretérito à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão. Assim, considerados os marcos legais, a prática do novo delito ocorreu, quando já superados os dez anos, lapso temporal que deve ser considerado para efeitos do denominado «direito ao esquecimento (AgRg no HC 694.623/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 21/6/2022). Destarte, a pena privativa de liberdade deve ser estipulada em seu patamar mínimo em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase, presente a circunstância atenuante da confissão e a agravante da reincidência (ação penal 0140973-07.2017.8.19.0001 - arts. 330 e 331 n/f 69 do CP - trânsito em 27/04/2018), deve ser operada a compensação, pois são elementos igualmente preponderantes. Na fase derradeira, ausentes causas de aumento ou de diminuição, a pena resta cristalizada em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa no valor mínimo unitário. O regime inicial será o semiaberto, pois nos termos do art. 33, § 2º, b, e §3º do CP, para além do quantum de reprimenda imposto, a reincidência justifica a imposição de regime mais severo. Não preenchidos os requisitos legais insertos no CP, art. 44, eis que o réu é reincidente, a pena privativa de liberdade não é substituída por restritiva de direitos. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.... ()

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