Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO CIRCUNSTANCIADOS PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E RECEPTAÇÃO. ART. 33 E ART. 35, C/C ART. 40, IV, TODOS DA LEI 11.343/2006 E ART. 180, CAPUT, N/F DO ART. 69, AMBOS DO CP. RECURSOS DEFENSIVOS. APELANTE 1: REQUER O RECONHECIMENTO DA INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS, COM A ABSOLVIÇÃO DO RÉU PELA AUSÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DAS ELEMENTARES DO CRIME; A ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS AO ARGUMENTO DA INSUFICIÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO, MORMENTE PELOS DEPOIMENTOS CONTROVERSOS DOS POLICIAIS; A ABSOLVIÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME DE RECEPTAÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA OU A SUA DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FORMA CULPOSA (§3º DO CODIGO PENAL, art. 180). SUBSIDIARIAMENTE, PEDE O AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTO NO art. 40, IV DA LEI 11.343/06; O RECONHECIMENTO DA MINORANTE CORRESPONDENTE AO TRÁFICO PRIVILEGIADO, COM ABRANDAMENTO DO REGIME E SUBSTITUIÇÃO DA PPL POR PRD. APELANTE 2: REQUER A ABSOLVIÇÃO POR AMBOS OS CRIMES DA LEI DE DROGAS PELA INCONSISTÊNCIA PROBATÓRIA, MORMENTE NO QUE TANGE AOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES. SUBSIDIARIAMENTE, PEDE A ABSOLVIÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME DE RECEPTAÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA OU A DESCLASSIFICAÇÃO PARA SUA FORMA CULPOSA (§3º DO CODIGO PENAL, art. 180); O AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTO NO art. 40, IV DA LEI 11.343/06 E O RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO COM SEUS CONSECTÁRIOS LEGAIS.
Os autos demonstram que no dia 19 de julho de 2022, por volta das 21h, na Av. Barão do Rio Branco, esquina com a Rua Mozart, Vila Urussaí, Duque de Caxias, policiais militares estavam em patrulhamento de rotina nessa área sabidamente conflagrada pela atuação do Comando Vermelho, quando se depararam com uma motocicleta sem placa, ocupada pelos apelantes e por Matheus, o qual, por sua vez, ao avistar a viatura policial, passou a efetuar disparos de arma de fogo contra a guarnição, que revidou a injusta agressão. Nesse contexto, todos caíram ao solo, sendo certo que Matheus (falecido posteriormente aos fatos) e o apelante 2 foram alvejados, enquanto o recorrente 1 permaneceu no chão, ileso. Efetuada a busca pessoal, foram arrecadados (i) 754g (setecentos e cinquenta e quatro gramas), de «maconha, distribuídos por 424 (quatrocentos e vinte e quatro) «sacolés"; (ii) 479g (quatrocentos e setenta e nove gramas) de Cocaína, distribuídos por 257 (duzentos e cinquenta e sete) tubos «eppendorf, todos fechados por tampa plástica «flip-top e contidos, individualmente, em pequenos sacos plásticos incolores, fechados com auxílio de retalho de papel branco e grampos metálicos, estes exibindo impressas as inscrições «PÓ FZD C.V.; (iii) 159g (cento e cinquenta e nove gramas) de Cocaína empedrada, «crack, distribuídos por 319 (trezentos e dezenove) pequenos sacos plásticos, fechados com auxílio de retalho de papel branco e grampos metálicos e exibindo impressos os dizeres: «CRACK FZD C.V., tudo conforme consta no laudo de exame definitivo de material entorpecente de fls. 18/20, um rádio transmissor e uma pistola calibre .9mm, com numeração de série raspada, com capacidade de 15 (quinze) cartuchos, havendo no carregador apenas 03 (três) munições intactas. Não há falar-se em inépcia da denúncia na descrição do crime de associação. No caso concreto, a mera leitura deixa a certeza de que a exordial acusatória atende suficientemente aos requisitos do CPP, art. 41, uma vez que narra os fatos, com todas as suas circunstâncias possíveis, individualizando as condutas dos recorrentes, garantindo a ampla defesa e o contraditório, não havendo falar-se em inépcia da peça inaugural, que demonstra um liame entre o agir dos recorrentes e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa. Sobreleva notar que a mera alegação de nulidade pressupõe a demonstração prévia e inequívoca do prejuízo suportado, o que não ocorre na hipótese em exame. Demais disto, «A superveniência de sentença penal condenatória de cognição exauriente torna prejudicada a alegação de inépcia da denúncia, não havendo razão para a análise da higidez formal da persecução penal se da condenação já se presume o acolhimento formal e material da inicial acusatória. Esta Corte Superior tem entendimento de que, em homenagem ao CPP, art. 563, não se declara a nulidade do ato processual - seja ela relativa ou absoluta - se a arguição do vício não vier acompanhada da prova do efetivo prejuízo para a parte, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief". (AgRg no AREsp. Acórdão/STJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 22/03/2022, DJe 28/03/2022). O tipo penal previsto no caput, da Lei 11.343/06, art. 33, é crime de natureza múltipla (multinuclear), de sorte que a prática de qualquer uma das condutas descritas no preceito primário da norma caracteriza o tráfico de drogas. Assim, a intenção de difusão ilícita não se caracteriza apenas por meio do flagrante de venda das substâncias aos usuários, mas também pode ser demonstrada por meio de outras circunstâncias. A presença das drogas arrecadadas, de rádio comunicador, de uma motocicleta irregular e de uma pistola efetivamente empregada para coibir a atuação dos agentes da lei, associada às demais circunstâncias do flagrante, havido por força de incursão em região dominada pelo Comando Vermelho, corroborada, ainda, pelos depoimentos das testemunhas policiais, confirmam que os recorrentes praticavam o delito previsto na Lei 11.343/06, art. 33, caput, bem como desvelam o fato de estarem associados à organização criminosa Comando Vermelho, dominante do local. Mais ainda, tais circunstâncias demonstram que os recorrentes não são meros neófitos em suas atividades criminosas, mas, sim, aqueles associados cuja estabilidade e permanência os fizeram conquistar a confiança dos seus superiores no mundo do crime, de modo a permitirem portar-se e agir de tal forma, fazendo uso de radiocomunicador, veículo irregular, arma de fogo, drogas diversas e em quantidades relevantes, quase um quilo e meio (1.392g), e tudo isso em área notoriamente dominada pelo Comando Vermelho, organização criminosa das mais violentas e atuantes no estado do Rio de Janeiro. Como bem sintetizou o próprio E.STJ, corroborando tudo o que anteriormente foi exposto, «não se trata aqui de presunção de associação, mas de fatos corriqueiramente já conhecidos da polícia e das comunidades vítimas do tráfico de drogas, ou seja, impossível, dentro de uma comunidade dominada por facção criminosa, traficar sem estar associado à referida organização criminosa. (STJ, AREsp 1033219, Ministro NEFI CORDEIRO, 04/04/2017). O juízo de valor se dá, portanto, ao esteio da comprovação da materialidade e autoria, corroboradas pela prova documental e testemunhal coligida. Ressalta-se, como consabido, que não se mitiga o valor probante dos depoimentos policiais apenas por força da sua condição funcional, até porque os seus testemunhos foram corroborados por outros elementos de prova, como por exemplo, as prisões em flagrante, os autos de apreensão e os laudos periciais. Na mesma talha, importa consignar que eventuais divergências nos depoimentos desses agentes - desde que não comprometam o encadeamento lógico principal dos fatos narrados -, devem ser relativizadas em razão da natureza altamente estressante da sua profissão, que os submete a uma grande diversidade de ocorrências, de maneira incessante, diuturna e com alto risco de morte, o que os desobriga a coincidirem em Juízo irrelevantes e de todo despiciendas minudências. E, tal obrigação de coincidir minudências deve ser ainda mais distanciada, quando pertinente a fatos havidos em 19 de julho de 2022, revolvidos na memória desses agentes da lei somente em 03/04 e 19/04 de 2023, datas da realização da AIJ, o que, considerando a normalidade do que se pode exigir do homem médio comum submetido à carga de estresse em testilha, recomenda que não se deve cobrar uma «memória fotográfica desses agentes públicos, ainda mais quando transcorrido tão relevante espaço de tempo entre os fatos e a obrigação de relembrá-los em Juízo. Os elementos de convicção trazidos aos autos também tornam inquestionável a responsabilidade penal dos apelantes pelo crime de receptação, eis que flagrados na posse compartilhada de uma motocicleta produto de crime anterior, sem placa de identificação, tampouco documentação de porte obrigatório, a qual, inclusive, foi utilizada para a fuga com as drogas e demais petrechos transportados. Tais circunstâncias do caso concreto permitem a conclusão de que os recorrentes tinham pleno conhecimento da origem ilícita do veículo. Ademais, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido que, «no crime de receptação, se o bem houver sido apreendido em poder do paciente, caberia à defesa apresentar prova acerca da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa, nos termos do disposto no CPP, art. 156, sem que se possa falar em inversão do ônus da prova (AgRg no AREsp. Acórdão/STJ). Escorreitas as condenações que devem ser mantidas, não havendo falar-se em absolvição a qualquer título. Impossível o afastamento da causa de aumento do art. 40, VI, da LD, quando a pistola compartilhada, devidamente arrecadada e periciada, mostrou-se apta a produzir disparos e, assim, repelir incursões policiais, tal qual efetivamente ocorreu no caso concreto, ou mesmo combater invasões de outras organizações criminosas, garantindo, com isto, o exercício da atividade ilícita, com poder suficiente a promover a intimidação difusa ou coletiva, nos exatos moldes da previsão legal, mostrando-se oportuno consignar que essa causa de aumento não configura bis in idem ao ser aplicada aos dois delitos pelos quais foram condenados os recorrentes, posto que condutas distintas, ainda que previstas no mesmo diploma especial. No que concerne ao reconhecimento do privilégio no tráfico, os autos demonstram a dedicação às atividades criminosas. Há testemunho em Juízo, não desconstituído pelas defesas técnicas, no sentido de que «o acusado Gustavo já teria sido preso na parte da manhã por receptação, pois estava na condução de uma motocicleta roubada, bem como que «Jackson é conhecido pelo vulgo «das crianças, o que foi confirmado pelo setor de inteligência da polícia; que foram coletadas nas redes sociais dos acusados, os mesmos com armas de calibre curto e longo". Nesses termos, mostra-se impossível reconhecer o privilégio perseguido, obstado àqueles condenados pelo delito de associação para o tráfico. No plano da dosimetria a sentença não desafia reparos. Idênticas as circunstâncias atinentes a ambos os apelantes, no tráfico, o magistrado olvidou o comando do art. 42, da LD e fixou a pena base no piso da lei. A ausência de recurso específico do MP impede a correção. Inicial em 05 anos de reclusão e 500 DM. Na segunda fase, apesar da menoridade reconhecida, a Súmula 231, do E.STJ impediu efeitos práticos. Intermediária que repete a inicial. Na derradeira, correto o não reconhecimento do tráfico privilegiado, bem como a incidência de 1/6, pelo, IV, do art. 40, da LD, em razão da pistola 9mm, com numeração suprimida, compartilhada pelos meliantes. Pena do tráfico em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa. Na associação, o magistrado novamente olvidou o comando do art. 42, da LD e fixou a pena base no piso da lei. A ausência de recurso específico do MP impede a correção. Inicial em 03 anos de reclusão e 700 DM. Na segunda fase, apesar da menoridade reconhecida, a Súmula 231, do E.STJ impediu efeitos práticos. Intermediária que repete a inicial. Na derradeira, a causa de aumento de pena prevista na Lei 11.343/2006, art. 40, IV, majora a pena no percentual de 1/6, totalizando a pena da associação 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 816 (oitocentos e dezesseis) dias-multa. Na receptação, pena base no piso legal, 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase, apesar da menoridade reconhecida, a Súmula 231, do E.STJ impediu efeitos práticos. Intermediária que repete a inicial. Inexistindo causas de diminuição ou de aumento, a pena da receptação se aquieta em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Concurso material de tipos penais, art. 69, e as sanções finais de cada qual dos recorrentes repousam em corretos 10 (dez) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 1.409 (mil, quatrocentos e nove) dias-multa. Correto o regime inicial fechado para ambos, CP, art. 33, § 2º, «a, o que deve ser mantido, haja vista que o lapso temporal havido desde a Audiência de Custódia realizada em 21/07/2022 - com a conversão das prisões em flagrante em prisões preventivas (índex 110) -, até a data da prolação da sentença (19/07/2023 - pasta 594), faz com o que uma eventual detração seja desinfluente a modificação do regime aplicado. Impossível a substituição do art. 44 ou mesmo o «sursis do art. 77, ambos do CP, em razão da preclara superação das quantidades de pena limites à aquisição de tais benefícios. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS, na forma do voto do Relator.... ()
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