Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 887.0991.5911.5360

1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE AGENTES. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL QUE REQUER A CONDENAÇÃO DO APELADO NOS TERMOS DA DENÚNCIA, ALEGANDO ROBUSTEZ DO CONJUNTO PROBATÓRIO.

Não assiste razão ao Ministério Público em seu desiderato recursal. As peças principais que instruem o processo são o registro de ocorrência 029-08220/2021 e seu aditamento, (ids. 40046976, 400469), termo de declaração (ids. 400446986), relatório de inquérito (id. 40047523), auto de reconhecimento de pessoa (ids. 4046991, 40046989). Segundo a denúncia, no dia 27/05/2022, por volta de 22h50min, no posto de gasolina Posto de Serviço Geremário Dantas de Jacarepaguá, localizado na Avenida Geremário Dantas, 585, no bairro Pechincha, o apelado e Lorran Fernandes de Mello Santos, os denunciados, de forma consciente e voluntária, mediante grave ameaça com emprego de arma de fogo, em comunhão de ações e desígnios entre si, subtraíram quantia de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) e 2,54 litros de gasolina aditivada, que pertenciam ao estabelecimento comercial. A vítima Wagner de Oliveira Ferreira Junior exercia a função de frentista do posto de gasolina e disse que os então denunciados chegaram em motocicleta Yamaha Fazer 250 e pedira o abastecimento de R$ 20,00 (vinte reais) de gasolina aditivada. Após a vítima realizar o abastecimento, os denunciados anunciaram o assalto e o denunciado Lorran ameaçou a vítima com uma arma de fogo enquanto o denunciado Yago afirmou: «não tenta nada, a gente não quer te prejudicar, só passa o que você tem no bolso, tendo então consumado a subtração da quantia descrita e do combustível. Em sede policial, o lesado realizou o reconhecimento dos denunciados. O magistrado de piso recebeu a denúncia em 21/12/2022, oportunidade na qual indeferiu o pedido de prisão preventiva em desfavor dos acusados (id. 40642636). O réu Yago foi citado em 30/01/2023 (ids. 43937078, 43937081). Em audiência de instrução e julgamento realizada em 02/05/2023, foi ouvida a vítima Wagner, e após se procedeu ao interrogatório de Yago, (id. 56573367). Importante mencionar que os fatos ocorreram em 27/05/2022 e a vítima, Wagner de Oliveira Ferreira Junior, foi chamada à sede policial em 10/10/2022, onde lhe foram mostradas fotografias, ocasião na qual, segundo suas declarações, reconheceu o ora apelado e o acusado Lorran como autores do ato lhes imputado na inicial acusatória. Por sua vez, em juízo, a vítima disse que «chegando na delegacia teve a oportunidade de fazer um reconhecimento no álbum de fotos; que reconheceu um e o outro ficou um pouco meio na dúvida, mas na hora mediante aos fatos ali não tem total clareza; que reconheceu um e o outro teve dúvidas, mas mediante os fatos ali acha que foi ele sim; que eles foram presos logo depois, no mesmo dia;". Por sua vez, o réu, ora apelado, em seu interrogatório negou os fatos, dizendo «(...) que não roubou não; que estava com um rapaz e chegaram em uma blitz e foi parado; que o rapaz pulou e saiu correndo; que os policiais falaram que ele estava roubando sendo que estava trabalhando e de colete de moto táxi tudo certinho, tanto que nem correu pois não estava roubando; que não sabe se o rapaz tinha alguma passagem ou algum problema mas ele pulou e correu; que esse rapaz era passageiro; que não passou em nenhum posto de gasolina com ele não; que passou no posto de gasolina, abasteceu e voltou para o ponto, aí ele pediu para levar ele na Cidade de Deus; que não tinha arma; que o rapaz não lhe mostrou nenhuma arma; que não sabe esclarecer porque a vítima lhe reconheceu; que nunca respondeu a processo criminal; que trabalhava no moto táxi; que é casado e tem um filho de dois anos, tem família; que trabalhava na entrega de quentinhas e a noite trabalhava entregando cachorro-quente, lanche; que de noite era de 18h30 até 00h20; que entregava dentro e fora da comunidade; que sua moto era limpa, não tinha nenhum problema; que estava sem placa, mas porque ainda não tinha emplacado, mas estava limpinha; que estava usando colete direitinho; que foi parado na blitz e o rapaz que estava na sua garupa pulou e saiu correndo; que foi revistado; que estava com a identidade de seu primo porque um dia antes foram em um rolê ZN, um negócio de moto; que foram e ele tinha bolsinha e seu primo não; que seu primo então deixou a identidade com ele; que então no outro dia foi parado na blitz e estava com a identidade de seu primo; que disse que seu primo nem estava com ele, que o rapaz era um passageiro e não sabia nem do motivo dele ter pulado da moto; que eles lhe levaram para a delegacia e ficou preso (...) Conquanto haja indícios da existência do crime, conforme os elementos probatórios mencionados, a prova colhida não leva à imprescindível demonstração da autoria do ilícito pelo apelado. In casu, não há certeza sobre ter sido o apelado o autor do ato lhe imputado, em razão da fragilidade no ato de reconhecimento da vítima, Wagner de Oliveira Ferreira Junior, não se afigurando robustas suficientes suas palavras para o édito condenatório. Como cediço, o valor do reconhecimento pessoal do autor do delito realizado pela vítima tem que ser avaliado com muita prudência. A jurisprudência do E. STJ vem considerando com reserva a confiabilidade desta identificação para o édito condenatório, a ponto de alterar o entendimento em relação ao CPP, art. 226. Se antes a jurisprudência considerava que inobservâncias das formalidades previstas do aludido artigo não seriam causa de nulidade, em julgamento paradigmático do HC 598.886/SC de autoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, realizado em 27/10/2020, propôs-se nova interpretação do CPP, art. 226, no sentido de que a inobservância do procedimento descrito no mencionado artigo torna inválido o ato de reconhecimento do suposto autor do delito e não poderá servir de lastro a eventual condenação, ainda que confirmado o reconhecimento em juízo. Neste viés, grande parte da novel jurisprudência da Corte Cidadã indica que o ato de reconhecimento deve ser cada vez mais indene de quaisquer dúvidas, de forma a constituir evidência segura da autoria do delito. Isto porque a memória humana se sujeita aos efeitos do esquecimento, das emoções fortes, das sugestões oriundas de outras pessoas, e influência de outros elementos como, o tempo a dinâmica delitiva e o tempo em que a vítima foi exposta, o trauma gerado pelo ato, o tempo decorrido entre o contato com o suposto autor do crime e a realização do reconhecimento, as condições ambientais, tal como a visibilidade do local no momento do fato, estereótipos culturais, entre outros. Neste sentido, no presente caso, inicialmente, destaque-se que o ato ocorreu à noite, por volta das 23:00 h, e que a ação durou cerca de 5 minutos, e os roubadores estavam usando capacete, de forma a configurar um cenário onde há dúvidas sobre a certeza visual da infração. Ainda como bem ponderou o magistrado de piso, em um primeiro momento, em sede policial, a vítima disse que os roubadores estavam em uma moto Yamaha, modelo Fazer, quando, em verdade, as imagens trazidas aos autos revelam que se tratava de uma moto Yamaha, modelo Factor. Em que pese a autoridade policial ter registrado no seu relatório que ambos os modelos - Fazer e Factor - são parecidos, mas é importante registrar que não se trata da mesma moto (ID40047523). Por outro lado, o réu foi abordado e com ele nada foi encontrado que se relacione à subtração narrada na peça de acusação, além de negar qualquer envolvimento com o roubo e ressaltar que estava trabalhando regularmente como mototaxista quando foi abordado, tendo a defesa juntado aos autos inúmeros documentos que revelam a atividade laborativa desenvolvida pelo réu (id. 7075073). Pontua ainda o magistrado que a desconfiança maior recaiu sobre o réu porque ele foi preso em flagrante pouco depois do crime narrado na denúncia encartada nestes autos, já que teria se envolvido em outra prática criminosa, o que ensejou os autos do processo de 0139173-65.2022.8.19.0001, no qual o réu foi absolvido por sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Criminal de Jacarepaguá. Diante deste cenário, tem-se por caracterizada a insuficiência probatória que nos remete à dúvida razoável, de forma a inviabilizar um decreto condenatório, eis que inexistentes elementos de convicção exigidos para condenação: «(...) 2. A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a formulação mais precisa é o standard anglo saxônico no sentido de que a responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt), o qual foi consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. 2.1. Na espécie, ausente prova para além de dúvida razoável (...) (AP 676, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018)". Cabe ressaltar que, embora existam indícios de autoria que serviram de base para lastrear a peça acusatória, tais indícios não sustentam prova suficiente a uma condenação. Em verdade, não existem nos autos elementos seguros que demonstram de forma inequívoca a prática pelo apelado do crime que lhe foi imputado. Nesta linha, impende a observância ao princípio in dubio pro reo, consectário do princípio da presunção da inocência (art. 5º, LVII, CF/88). RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.... ()

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