Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL CIRCUNSTANCIADO PELA RELAÇÃO DOMÉSTICA DE HOSPITALIDADE. ART. 217-A E ART. 61, II, ALÍNEA «F, AMBOS DO CP. RECURSO DEFENSIVO DESEJANDO A ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS; SUBSIDIARIAMENTE, PRETENDE A REVISÃO DOSIMÉTRICA, COM A PENA BASE NO PISO DA LEI, O AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, ALÍNEA «F, DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL E O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE.
Segundo a denúncia corroborada pelos relatos em Juízo, no dia 03 de maio de 2020, por volta das 04h15min, no interior da residência em Queimados, o apelante praticou atos libidinosos com a criança, então com 11 (onze) anos de idade, atos estes consistentes em alisar a genitália e os seios da menor. O delito foi praticado prevalecendo-se das relações de hospitalidade, eis que, amigo da família da vítima, se aproveitou do convite para participar de uma festa familiar. Na ocasião, ocorria um churrasco em comemoração ao aniversário da mãe da vítima, festividade para a qual fora convidado. Durante a madrugada, o apelante se dirigiu à vítima que dormia na sala, e solicitou o carregador de celular emprestado. A infante, então, se levantou e foi a seu quarto acompanhada do recorrente para pegar o carregador. No interior do quarto, ele acariciou a genitália da menor, que, por sua vez, o empurrou e pediu que ele cessasse o ato. Cerca de 30 minutos depois, a vítima contou, chorando, à sua mãe o que ocorrera, instante em que a genitora da menina passou a conversar com a esposa do apelante sobre o episódio. Durante o diálogo, a menor foi ao banheiro e, ao sair, deparou-se novamente com o recorrente, que, desta vez, acariciou os seus seios. Ato contínuo, foi realizado contato com a polícia militar, que compareceu ao local, efetuou a prisão e conduziu todos à Delegacia de Polícia. Os depoimentos da vítima e testemunhas, bem como as demais peças produzidas confirmam a ocorrência dos abusos sexuais sofridos pela menor. Como consabido, os crimes de natureza sexual transcorrem, mais das vezes, longe de olhos e ouvidos capazes de testemunhar o ocorrido, deixando a sua vítima totalmente ao desabrigo emocional e material. De fato, torna-se mera espectadora da imensa tragédia de ter o próprio corpo e dignidade colocados à doentia satisfação da libido exacerbada de terceiros. Por isso, a palavra dessa vítima ganha diferenciada valoração probatória, mesmo naquelas situações em que a sua dicção seja curta ou evasiva, mas, ainda assim, consiga transmitir com clareza a angústia experimentada. Porém, não é este o caso dos autos, onde a vítima foi capaz de se autodeterminar e discernir sobre a gravidade dos atos vivenciados. A defesa, no que tange ao depoimento da vítima, alega se tratar de uma prova frágil, que deve ser avaliada pelo julgador com reservas. A vítima é parte diretamente envolvida nos fatos, e, portanto, não narra o ocorrido com a devida isenção. Tanto é que sequer presta o compromisso legal de dizer a verdade. No caso em tela, prossegue a defesa, tais argumentos ganham ainda maior relevância, tendo em vista que a suposta vítima é menor de idade. Assim, os fatos por ela revelados podem certamente ser contaminados por fantasias tão típicas em pessoas em idade de adolescência. A tese seduz, mas não convence. Além de a defesa técnica não ter produzido qualquer prova que a sustentasse, mesmo que assim o fizesse não afastaria a responsabilização criminal pelo delito cometido e comprovado pelo robusto caderno produzido, contando, além das narrativas coligidas, com estudo social e relatório psicológico. De outro giro, a pretendida desclassificação para importunação sexual é impossível, ao esteio dos fatos e da tese firmada no tema repetitivo 1121 (STJ): «Presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A, independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (CP, art. 215-A". (REsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 1/7/2022). Condenação que se mantém. Inarredável o reconhecimento da agravante do CP, art. 61, II, «f, quando bem delineada a relação de hospitalidade, haja vista que o apelante e sua mulher foram convidados para o churrasco pelo aniversário da mãe da vítima. Não há falar-se em direito de recorrer em liberdade para aquele que nessa condição já se encontra, conforme asseverado pelo julgado guerreado. No que concerne à dosimetria, a sanção merece pequenos ajustes. Na primeira fase, o magistrado reconheceu a culpabilidade diferenciada, mormente porque além da tenra idade, a vítima possui hidrocefalia, dificultando sua compreensão dos fatos. Demais disso, asseverou o julgador que as circunstâncias do crime fogem da normalidade, eis que os fatos se passaram em ambiente residencial, local que deveria ser sinônimo de paz, oferecendo à criança de apenas 11 anos de idade a sensação de segurança, proteção e conforto. Entretanto, transformou-se no palco de verdadeiro tormento. Foi além o julgador, aduzindo que o crime foi praticado em evento familiar, circunstância a ser valorada negativamente enquanto circunstância do crime, já que tal empreitada evidencia não apenas o descaso com o bem jurídico vulnerado pela ação criminosa - o que já é punido dentro das balizas legais -, mas especial reprovabilidade já que vulnerou bens jurídicos diversos que não os especificamente tutelados pelo tipo penal, como a família. Por fim, com fulcro no suporte oferecido pelo relatório psicológico, valorou as consequências do crime. Assim justificado, valeu-se da fração de 1/2 e fixou a inicial em 12 anos de reclusão, sendo certo que a fração de 1/3 já acomoda os fundamentos expostos, razão pela qual a inicial se remodela para 10 anos e 08 meses de reclusão. Na intermediária, em se tratando de delito cometido por força das relações de hospitalidade, correta a incidência da agravante prevista no Art. 61, II, «f do CP, 1/6, para que a pena média seja 12 anos, 05 meses e 10 dias de reclusão, onde se aquieta a reprimenda à míngua de outras moduladoras. Regime fechado para o cumprimento da PPL que se mantém, art. 33, § 2º, «a, do CP. Impossível a substituição do art. 44 ou mesmo o «sursis do art. 77, ambos do CP, considerada a superação dos quantitativos limites de pena à aquisição de tais benefícios. A sentença dá-nos conta de que o apelante recorreu em liberdade, devendo ser expedido a seu desfavor o pertinente Mandado de Prisão a partir do trânsito em julgado da presente decisão. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, na forma do voto do Relator.... ()
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