Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 398.7976.8408.2128

1 - TJRJ APELAÇÃO. IMPUTAÇÃO PELO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, VÁRIAS VEZES. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. AMBOS POSTULAM A CONDENAÇÃO DO APELADO NOS TERMOS DO ART. 217-A, NA FORMA DO ART. 71, COM A CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 226, II, TODOS DO CÓDIGO PENAL.

De início, destaco como preliminar a falta de legitimidade do assistente de acusação para recorrer no presente caso, porquanto houve apelação ampla do Ministério Público com o mesmo objeto. A legitimidade do assistente de acusação para recorrer é supletiva, ou seja, somente em caso de inércia do Ministério Público, ou de recurso parcial, é possível se conhecer de recurso interposto pelo Assistente. O Ministério Público, no caso, recorreu postulando a condenação do apelado com base nos mesmos argumentos apresentados pelo assistente de acusação, razão pela qual o apelo do assistente não deve ser conhecido e o seu pronunciamento recebido na forma prevista no CPP, art. 271, como arrazoado do apelo ministerial. Deixo, pois, de conhecer da apelação interposta pelo assistente do Ministério Público. Ao exame do apelo ministerial, depois de minuciosa análise de todo acervo probatório produzido no curso da instrução processual, verifica-se que assiste razão ao apelante. Restou sobejamente comprovado que, em data que não se pode precisar, sendo certo ter o fato ocorrido pelo menos até o dia 02 de fevereiro de 2022, o recorrido, com vontade livre e consciente, praticou atos libidinosos diverso de conjunção carnal com seu filho, criança com 06 anos à época da apuração dos fatos. Segundo os autos, o apelado aproveitava-se dos momentos em que estava a sós com o filho, para praticar os abusos, passando a mão em seu bumbum, bem como enfiava o dedo em seu ânus. A autoria e a materialidade restaram devidamente comprovadas pelo relatório psicológico às fls. 363- 370, relatório psicológico da Promotoria da Infância e Juventude às fls. 363-369 e relatório do NACA às fls. 411-424, e prova oral colhida nos autos, especialmente as narrativas firmes, detalhadas, coerentes e harmônicas da genitora da criança tanto em sede policial quanto em juízo. A prova revelou que as suspeitas da mãe da vítima Matheus quanto à ocorrência dos abusos sexuais se deram em razão de perceber vestígios de sangue, ao limpar a criança, após a evacuação. De início, buscou orientação com o pediatra da criança, Doutor Paulo Baptista Aziz, que a instruiu a dar remédio para tratar verminose ao menor, que, mesmo após a medicação, voltou a evacuar com sangue. Assim, em 02 de janeiro de 2022, quando a mãe novamente notou a presença de sangramento anal, levou a criança ao Hospital Niterói D¿Or, onde, após exame clínico, a médica da emergência pediátrica constatou que criança apresentava ¿REGIÃO ANAL SEM SANGRAMENTO ATIVO. FISSURA PEQUENA. SEM ALTERAÇÕES¿ (BAM, index 35). Após a mencionada consulta médica, Matheus verbalizou para a mãe que odiava o pai, porque ele fazia muitas ¿cosquinhas¿ e se deitava por cima dele. Em seu depoimento, a mãe destacou, todavia, que, quando perguntava ao filho se o pai só fazia ¿cosquinhas¿, ele nada mais falava. A genitora decidiu buscar ajuda policial e compareceu à sede da DPCA, onde Matheus foi ouvido pela policial civil Beatriz Froes Pereira, perante quem a criança contou que o apelado ¿PASSAVA A MÃO NO BUMBUM E ENFIAVA O DEDO E DOÍA¿, isso ¿MUITAS VEZES E DOÍA¿, tendo Matheus explicado que esse tipo de ação acontecia desde que tinha três anos de idade. Há relatório psicológico, elaborado pela equipe técnica da Promotoria da Infância e Juventude, com menção ao fato de que Matheus teria confirmado que o pai enfiava o dedo em seu ânus (item 363, fl. 364), relatando, ainda, que está gostando de morar com a avó materna Lucia, acrescentando que não reside mais com o pai porque ele fez uma coisa feia e que se sente muito triste quando pensa no comportamento que o genitor teve com ele, não querendo mais vê-lo. Em sua conclusão, a psicóloga, Dra. Márcia Issa de Sá, conclui que ¿pareceu, a partir das escutas realizadas, que o Matheus e, provavelmente, o seu irmão Gustavo Henrique foram molestados sexualmente pelo seu genitor¿. O relatório psicológico assinado pela profissional de psicologia, Dra. Juliana Serpa Kikuti (CRP: 0548876), que atende o menor, aponta no mesmo sentido, na medida em que afirma que a criança também teria confidenciado que ¿o pai realizava atos de abuso antes do irmão nascer, que ele tinha medo de contar para a mãe, pois o pai alegava que o ¿Bicho Papão¿ iria pegar ele e a mãe dele¿ (item 370, fl. 367). No mesmo sentido, no relatório do NACA (Núcleo de Atendimento a Criança e Adolescente), datado de 16/02/2023, consta que a vítima, de maneira LIVRE e ESPONTÂNEA, narrou todo o ocorrido, sem qualquer influência da profissional que o atendeu, nem mesmo aparentando estar sugestionado (itens 411 e 424). Dessa forma, não há qualquer indício de que o menor é vítima de alienação parental por parte da mãe ou que tenha sido acometido de falsas memórias provocadas pelas suspeitas maternas. Ao contrário do que entendeu o julgador do primeiro grau, há nos autos a comprovação da materialidade e a autoria delitivas, com destaque para o relatório do NACA/Niterói e demais documentos produzidos pelos profissionais que atenderam o menor, assim como os depoimentos prestados pela genitora da vítima e, sobretudo, pela policial civil da DPCA, Beatriz Froes Pereira Linhares, que, em juízo, confirmou ter ouvido o menor, mediante técnica do ¿rapport¿, oportunidade em que ele lhe contou que o pai introduzia o dedo em seu ânus, causando-lhe dor. A prova produzida, portanto, permite afirmar seguramente sobre o cometimento de ato libidinoso, por diversas vezes, por parte do recorrido contra seu filho. A presença da causa de aumento do CP, art. 226, II, é inquestionável, tendo em vista que o recorrido é pai da vítima. Ainda, tem-se por caracterizada a continuidade delitiva, prevista no art. 71, ¿caput¿, do CP, porquanto o apelado, mediante mais de uma ação ou omissão, praticou vários crimes da mesma espécie (os abusos começaram quando a vítima tinha três anos de idade), pelo menos até o dia 02 de fevereiro de 2022 (quando a vítima estava com seis anos de idade), que, pelas condições de tempo, lugar e maneira de execução, denotam ter sido os demais havidos como continuação do primeiro, cuja exasperação observa o número de infrações cometidas, conforme Súmula 659/STJ. E, no caso, como não foi possível precisar o número de infrações cometidas durante o largo período de tempo em que foram perpetradas, deve-se aplicar a causa de aumento de pena no patamar máximo de 2/3 (STJ, AgRg no HC 609.595/SP). Assim, o apelo ministerial deve ser provido para condenar o apelado nas penas do art. 217-A, c/c o art. 226, II, por diversas vezes, na forma do art. 71, todos do CP. No plano da aplicação das sanções, na primeira fase, ausentes circunstâncias judiciais desabonadoras, as penas devem ser aplicadas no mínimo legal. Em seguida, à míngua de causas de diminuição de pena e presente a causa de aumento do CP, art. 226, II, deve incidir a fração de aumento de 1/2. Por fim, em razão da continuidade delitiva, aplica-se a fração de 2/3. Quanto ao regime de prisão, considerado o quantum de pena aplicado, deve ser fixado o regime fechado para o resgate da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, ¿a¿). RECURSO DO ASSISTENTE NÃO CONHECIDO. APELO DO MP CONHECIDO E PROVIDO, na forma do voto do Relator.... ()

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