Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 413.8388.5658.2058

1 - TJRJ APELAÇÃO. ART. 171, CAPUT, POR DUAS VEZES, N/F ART. 69, AMBOS DO CP. RECURSO DEFENSIVO ARGUINDO, PRELIMINARMENTE, AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, AO ARGUMENTO DE QUE AS CONDUTAS IMPUTADAS AO RECORRENTE REVELAM TÃO SOMENTE INADIMPLÊNCIA DA OBRIGAÇÃO CONTRATUAL E A EXORDIAL ACUSATÓRIA NÃO DESCREVE O MEIO FRAUDULENTO UTILIZADO PARA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE ESTELIONATO. NO MÉRITO, PUGNA PELA ABSOLVIÇÃO, POR: 1) FRAGILIDADE PROBATÓRIA; 2) AUSÊNCIA DE DOLO. DE FORMA SUBSIDIÁRIA, REQUER: 1) FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍNIMO; 2) RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA; 3) ABRANDAMENTO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA PARA O ABERTO; 4) SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.

Contrariamente ao que argumenta a defesa, não há falar-se em ausência de justa causa para o recebimento da denúncia, pois o acervo indiciário que guarneceu o inquérito policial mostrou-se suficiente, oferecendo suporte probatório mínimo para a deflagração da ação penal. Sobre o meio fraudulento utilizado, ou seja, o meio utilizado para enganar ou ludibriar terceiros, este também restou devidamente descrito na denúncia. A exordial narra que o recorrente «alegava problemas com o CPF de sua esposa, que também figurava no negócio jurídico, para não realizar o registro do contrato na Junta comercial e assim fazer com que ele tivesse efeitos contra terceiros". Além disso, consta da peça preambular que «os cheques dados como pagamento do contrato de trespasse não tinham provisão de fundos e que o imóvel dado em garantia não pertencia ao denunciado". Também, «o denunciado ainda conseguiu pegar cheques avulsos no caixa eletrônico e usou-os para firmar outro contrato de trespasse, dessa feita de um salão de beleza, falsificando a assinatura do lesado". Quanto ao crime de estelionato contra os lesados Tatiane e Anderson, consta da exordial que o apelante afirmou «que havia feito um levantamento e verificado que o salão possuía uma dívida de R$ 9.000,00 (nove mil reais), pedindo tal quantia para quitar os débitos, ocasião na qual a vítima Tatiane entregou seu automóvel Vectra, acima citado, para tal finalidade. Após, o denunciado fez contato com os lesados e pediu para que eles não depositassem o cheque, porque ele havia conseguido o dinheiro e faria uma transferência bancária, que nunca foi realizada". Como se observa, os meios fraudulentos utilizados pelo apelante para induzir os lesados em erro foram devidamente descritos na denúncia, permitindo ao apelante o pleno exercício do direito de defesa. No que diz respeito à alegação de que as condutas imputadas ao apelante configuram tão somente um ilícito civil, esta faz parte do mérito da causa e será enfrentada mais adiante. Preliminar que se rejeita. No mérito, restou sobejamente comprovado que, no período compreendido entre 12 de dezembro de 2017 e data ainda não precisada, mas no mês de janeiro de 2018, o apelante, consciente e voluntariamente, obteve, para si ou para outrem, vantagem ilícita, consistente em diversos bens e valores que totalizaram R$ 70.000,00 (setenta mil reais), em prejuízo do lesado Filipe Anterio, induzindo-o em erro, mediante ardil. Também, em período de tempo ainda não precisado, mas no mês de janeiro de 2018, o recorrente, consciente e voluntariamente, obteve, para si ou para outrem, vantagem ilícita, consistente em um veículo Vectra, e o valor de R$ 87.430,00 (oitenta e sete mil quatrocentos e trinta reais) em mobiliário, em prejuízo dos lesados Tatiane e Anderson, induzindo-os em erro, mediante ardil. Ao que se infere da prova produzida, o lesado Filipe Anterio realizou o trespasse de seu estabelecimento comercial, SantaAnna Carnes, para o recorrente em 12/12/2017 por meio de contrato registrado em cartório. Para efetivação do negócio, o lesado recebeu do recorrente dois cheques, um no valor de R$ 30.000,00 e outro no valor de R$ 115.000,00, além de dar como garantia um imóvel, assumindo então a administração do estabelecimento. Contudo, o recorrente manteve o lesado em erro, fazendo-o acreditar que honraria o compromisso pactuado. No período de aproximadamente um mês em que esteve à frente da administração do estabelecimento, ele não pagou os funcionários, o aluguel e as demais contas, além de ter feito saques com o cartão da empresa e compras de mercadorias, mas não efetuou o pagamento dos fornecedores e desviou os produtos para seu uso pessoal. Ainda, deixou de depositar a quantia de R$ 12.000,00 que o lesado havia dado para cobrir débitos com o banco, ficando com a quantia para si, obtendo, por consequência, vantagem indevida. Para manter o lesado em erro, o apelante utilizou-se de expedientes fraudulentos, tais como alegar que não poderia registrar o negócio na Junta Comercial devido a problemas no CPF da esposa, e entregar dois cheques que retornaram por ausência de fundos. Também, assumiu a administração do negócio, mas não pagou os funcionários e tampouco efetuou pagamentos de contas da loja, bem como se desfez de cadeiras e mesas do estabelecimento. Além disso, o recorrente, utilizando-se de cheques avulsos em nome do estabelecimento comercial, emitiu três cheques no valor de quarenta mil reais cada e comprou um salão de beleza, falsificando a assinatura do lesado. Posteriormente, o lesado Filipe Anterio constatou que os cheques dados como pagamento do contrato de trespasse não tinham provisão de fundos e que o imóvel dado em garantia não pertencia ao apelante. Quanto ao segundo delito de estelionato referente à aquisição do salão de beleza, o recorrente procurou os proprietários do estabelecimento, Anderson e Tatiane, manifestando interesse na compra e apresentando-se como proprietário da empresa Santaarma Carnes Ltda Me, além de dizer que daria como garantia do negócio um imóvel. Os lesados então decidiram firmar um contrato de trespasse com o recorrente. Este deu como pagamento três cheques no valor de 40.000,00 cada, em nome da empresa Santaanna Carnes Ltda Me, do qual afirmava ser proprietário. Antes mesmo do registro do contrato na Junta Comercial, os lesados entregaram as chaves do salão de beleza ao apelante. O recorrente disse que havia feito um levantamento e verificado que o salão possuía uma dívida de R$ 9.000,00, pedindo tal quantia para quitar os débitos, ocasião em que a lesada Tatiane entregou seu automóvel Vectra para tal finalidade. Após, o recorrente fez contato com os lesados e pediu para que eles não depositassem o cheque, porque ele havia conseguido o dinheiro e faria uma transferência bancária, que nunca foi realizada. Posteriormente, os lesados constataram que o apelante não era proprietário do estabelecimento Santaanna Carnes e que havia vendido diversos móveis que guarneciam o salão de beleza, avaliados em R$ 87.430,00. Também não havia realizado o pagamento dos funcionários, além de descobrirem que o imóvel que havia dado como garantia na verdade não lhe pertencia. Os relatos dos lesados são firmes, coerentes e harmônicos entre si, não deixando dúvida acerca do atuar criminoso do apelante. Como consabido, nos crimes patrimoniais, a palavra da vítima, quando segura e coerente, mostra-se perfeita apta embasar um juízo de reprovação. Precedentes jurisprudenciais nesse sentido. Descabida também a tese defensiva de ausência de dolo. A prova produzida demonstra de forma inequívoca que não se trata apenas de mera inadimplência da obrigação contratual. A propósito do tema, impende ressaltar que o STJ já firmou entendimento no sentido de que «o inadimplemento contratual pode caracterizar ilícito criminal a partir de suas circunstâncias (AgRg no HC 629.894/PB, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 23/11/2021). In casu, o modus operandi utilizado pelo recorrente deixa evidenciada a intenção de obter para si, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo e mantendo suas vítimas em erro, mediante artifício, ardil. O apelante realizou contratos de trespasse com os lesados e não efetuou a contraprestação. E não é só: utilizou-se de inúmeros expedientes mentirosos para ludibriá-los e assim obter inúmeras vantagens ilícitas, o que causou um grande prejuízo aos lesados. Frise-se que não satisfeito em enganar o lesado Filipe Anterior, aproveitou-se da circunstância de estar à frente do negócio que pertencia àquele para realizar outra negociação fraudulenta com os lesados Anderson e Tatiane. Assim, a prova judicializada, sob o crivo do contraditório e o pálio da ampla defesa, descortina cenário suficientemente capaz de ensejar a expedição de um seguro édito condenatório nos termos da denúncia. No plano da resposta penal, na 1ª fase dosimétrica, o sentenciante fixou a pena-base em 04 anos de reclusão e 50 DM para cada crime, considerando a culpabilidade, a personalidade do agente, os motivos e as consequências do crime. Relativamente à personalidade do agente, o fundamento utilizado não se mostra idôneo, pois levou em conta tão somente o momento dos fatos criminosos, o que não é suficiente para aferir tal circunstância, que demanda um aprofundamento maior das atitudes e comportamento do agente ao longo de sua vida e no seio da sociedade. Os motivos do crime aptos a elevar a reprimenda, por sua vez, não chegaram a ser mencionados pelo julgador. Quanto às consequências do crime, estas também não devem ser valoradas negativamente considerando a não reparação dos valores obtidos ilicitamente. O prejuízo suportado pelos lesados é ínsito aos delitos de natureza patrimonial em sua forma consumada, não podendo tal circunstância ensejar a valoração negativa do vetor dosimétrico. Em relação à culpabilidade, esta foi suficientemente justificada pelo magistrado sentenciante, diante do dolo intenso de cada crime perpetrado, razão pela qual as penas devem ser exasperadas em 1/6. Nas demais fases dosimétricas, não há moduladores a serem considerados. Improsperável o pedido de reconhecimento da continuidade delitiva, uma vez que as infrações foram praticadas com desígnios totalmente autônomos entre si. Com efeito, embora ambos os delitos tenham se iniciado com o trespasse de estabelecimentos comerciais, os modos de execução foram diversos, consoante se infere da prova produzida. Aplicação do concurso material que se mantém. Regime de cumprimento que deve ser abrandado para o semiaberto. Importa ressaltar que conquanto tenha ocorrido redução da reprimenda, as circunstâncias judiciais não são completamente favoráveis ao apelante, o que justifica o estabelecimento de regime mais gravoso do que o quantum da pena permitiria, em observância ao CP, art. 33, § 3º. Pela mesma razão, impossível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (CP, art. 44, III). Por fim, considerando o novo quantitativo de pena (01 ano e 02 meses de reclusão para cada crime), observa-se que entre a data do recebimento da denúncia (07/07/2018) e a data da prolação da sentença (27/06/2023), restou ultimado o prazo prescricional previsto no CP, art. 109, V. Vale lembrar que, nos termos do CP, art. 119, no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incide sobre a pena de cada um, isoladamente. Assim, há que se declarar extinta a punibilidade do agente, em razão da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, modalidade retroativa, na forma dos arts. 107, IV; 109, V; 110, § 1º, e 119, todos do CP. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, para abrandar a reprimenda do apelante, declarando-se EXTINTA A PUNIBILIDADE do agente, em razão da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, modalidade retroativa.... ()

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