Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 656.6961.9160.0041

1 - TST RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - RECURSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017 - FÉRIAS DO TRABALHADOR MARÍTIMO - DIREITO ABSOLUTAMENTE INDISPONÍVEL, CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO - NORMA COLETIVA - INCIDÊNCIA DA PARTE FINAL DA TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PROFERIDA NO TEMA 1046 - INVALIDADE DA NORMA COLETIVA.

1. A discussão reverbera nos limites da negociação coletiva e nas relações estabelecidas entre as normas produzidas coletivamente e aquelas decorrentes da legislação estatal heterônoma. 2. Dentro de um marco constitucional, como o inaugurado e conservado pela CF/88, alterações na arquitetura da regulação do trabalho devem passar, necessariamente, pela avaliação da possibilidade de preservação e incremento dos direitos sociais arrolados no art. 7º, e da proteção integral à pessoa humana. Assim é que o próprio texto constitucional, atento às transformações no mundo do trabalho e às demandas por constante adaptação da regulação do trabalho às modificações na esfera produtiva, admitiu de forma expressa, em três dos seus incisos, que a negociação coletiva pudesse flexibilizar garantias fundamentais, entre as quais estão aquelas relacionadas à jornada de trabalho ordinária, à jornada dos turnos de revezamento e, ainda, à irredutibilidade salarial (7º, VI, XIII e XIV, da CF/88). 3. A análise dessas possibilidades, abertas pelo Constituinte, se dá de modo a observar o caráter sistêmico da normatização constitucional do trabalho, que admite a possibilidade negocial, ainda que in pejus, sem descurar de assegurar, nos seus outros trinta e um incisos, direitos fundamentais em relação aos quais, a priori, não admite flexibilização. 4. Nesse sentido, abriu-se margem para a construção do princípio da adequação setorial negociada, à luz do qual a possibilidade de flexibilização em sentido desprotetivo, ou seja, in pejus dos trabalhadores, somente seria válida diante de dois vetores: o caráter de transação (mediante concessões recíprocas do modelo negocial coletivo, que não admitiria renúncia de direitos) e a incidência dessa transação sobre direitos não afetos ao núcleo de indisponibilidade absoluta. 5. Os direitos de indisponibilidade absoluta são enunciados por Maurício Godinho Delgado como sendo « As normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII, XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas no art. 5º, §2º, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos a saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc. )". 6. É certo, portanto, que a esfera de indisponibilidade absoluta delineada pela doutrina não se restringe estritamente ao rol dos direitos da CF/88, art. 7º, mas alcança aquilo que se entende como bloco de constitucionalidade, assim compreendido o conjunto de normas que implementa direitos fundamentais em uma perspectiva multinível, e que são especialmente alargados na esfera justrabalhista, em face da tutela amplamente difundida na ordem jurídica de direitos dotados de fundamentalidade, com plasticidade de sua hierarquia, manifestada pelo princípio da norma mais favorável, expressamente prevista no caput do art. 7º da Carta Federal. 7. O STF, em sede de Repercussão Geral, por meio da tese proferida no julgamento do Tema 1046, firmou entendimento vinculante no sentido de que seria infenso à negociação coletiva rebaixar o patamar de direitos absolutamente indisponíveis assegurados pelas normas jurídicas heterônomas: «Os acordos e convenções coletivos devem ser observados, ainda que afastem ou restrinjam direitos trabalhistas, independentemente da explicitação de vantagens compensatórias ao direito flexibilizado na negociação coletiva, resguardados, em qualquer caso, os direitos absolutamente indisponíveis, constitucionalmente assegurados « (ARE 1.121.633, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ e 28/4/2023). 8. Os parâmetros que orientam a decisão da Corte Constitucional informam que há inflexão em relação à exigência do caráter expresso das concessões recíprocas, de modo a fragilizar os contornos da transação, tal como moldada pelo princípio da adequação setorial negociada. Entretanto, há expressa manifestação do relator quanto à preservação da esfera de indisponibilidade absoluta dos direitos trabalhistas, que é referida pelo STF nos exatos termos emanados da doutrina justrabalhista . 9. A controvérsia dos autos refere-se à previsão contida em norma coletiva que determinou que os 180 dias de folgas a serem usufruídos pelo trabalhador marítimo, em correspondência aos 180 dias de trabalho embarcado, seriam correspondentes a folgas e férias . O fundamento da Corte regional para declarar a validade da norma coletiva, no caso concreto, foi o de que a norma coletiva teria elevado o patamar protetivo dos empregados, assegurando, somadas as folgas e as férias, 180 dias de descanso ao ano, além de prever pagamentos não previstos na legislação trabalhista quando do retorno das férias. 10. Entretanto, avaliando a situação jurídica do reclamante, trabalhador marítimo regido pelos arts. 248 a 252 da CLT, depreende-se que a regulamentação da jornada especial do trabalhador marítimo impõe que as horas de trabalho excedentes à 8ª diária sejam remuneradas como extraordinárias ou, alternativamente, que sejam compensadas «segundo a conveniência do serviço, por descanso em período equivalente no dia seguinte ou no subseqüente dentro das do trabalho normal, ou no fim da viagem, ou pelo pagamento do salário correspondente (art. 250). Daí se extrai que, a dinâmica compensatória instituída pela negociação coletiva, que determinava que, a cada 30 ou 35 dias embarcado, o trabalhador usufruísse de 30 dias de folga, relaciona-se com a compensação da jornada especial, de modo a elidir o pagamento de horas extraordinárias, não podendo ser subentendida como gozo de férias, sob pena de esvaziar-se o sentido de parcelas de naturezas jurídicas distintas: o descanso compensatório referente à especial penosidade do trabalho (folgas) e o descanso anual remunerado (férias), direito constitucional de indisponibilidade absoluta, porque atinente à preservação da saúde e segurança do trabalhador. 11. Dessa maneira, ao refutar a possibilidade de pagamento em dobro das férias, ante a ausência de previsão na norma coletiva, o Tribunal Regional deu prevalência ao pactuado em detrimento de norma de indisponibilidade absoluta (CF/88, art. 7º, XVII), malferindo os parâmetros instituídos pelo STF no tema de repercussão geral 1046, em especial o estatuído na parte final do tema. Precedentes desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido.... ()

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