Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ APELAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL NA MODALIDADE TENTADA. RÉU CONDENADO AO CUMPRIMENTO DA PENA DE 3 (TRÊS) ANOS DE RECLUSÃO EM REGIME SEMIABERTO. RECURSO DEFENSIVO QUE ALMEJA A ABSOLVIÇÃO POR PRECARIEDADE DA PROVA E FRAGILIDADE DOS DEPOIMENTOS. SUBSIDIARIAMENTE, REQUER A DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL E A REVISÃO DOSIMÉTRICA, COM O ABRANDAMENTO DA PENA, A IMPOSIÇÃO DE REGIME MENOS GRAVOSO E A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.
Em síntese, descreve a inicial acusatória que no dia 18 de fevereiro de 2023, por volta das 7 horas e 10 minutos, no interior da unidade situada no endereço lá descrito, Recreio dos Bandeirantes, cidade do Rio de Janeiro, o denunciado, de forma livre e consciente, praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal, destinado a satisfazer sua própria lascívia, com a vítima Joseni M. R. da C. que, por estar dormindo, não podia oferecer resistência à ação. A materialidade e autoria do crime imputado ao réu estão demonstradas nos autos pelo Auto de Prisão em Flagrante 016-03201/2023, o Registro de Ocorrência e pelos depoimentos prestados em sede judicial. A vítima, Joseni, em juízo, disse que era zeladora do condomínio onde se deram os fatos. Rememorou que era sábado de carnaval e não estava de serviço. Destacou que estava dormindo sozinha em sua cama, no seu quarto, na sua casa, localizada no térreo do edifício. A vítima informou que trajava short, blusa, um baby doll. No que trata da dinâmica delitiva, relatou que acordou com o acusado em pé ao seu lado, passando a mão em suas coxas e nádegas. Destacou que acordou em razão do toque do réu em seu corpo. Adiante, a vítima gritou: «Você tá maluco? O que você tá fazendo aqui? e o réu fugiu do local. Ainda, segundo as declarações da vítima, ela disse que foi dormir, a porta da casa estava trancada. O acusado entrou pela janela da sala, que estava fechada, porém destrancada. O réu saiu pela porta. Asseverou que naquele momento ainda estava muito desnorteada e que, observando as imagens da câmera, pôde verificar que o acusado entrou em sua casa pela janela, subtraiu os referidos pertences e saiu pela porta. O acusado, então, deixou os objetos subtraídos na escada do 1º andar. Em seguida, o acusado voltou para sua casa, foi até seu quarto, passou a mão em seu corpo e, tendo em vista que ela acordou e reagiu, Flávio saiu correndo pela porta que ele já tinha deixado aberta. O vizinho da vítima, Marcos Zanoni, em juízo afirmou que abriu a porta de sua casa para sair (a porta fica em frente à descida da escada), viu 2 ou 3 garrafas no 1º piso. «Eram de coca-cola e iogurte, disse ele. Recordou que ele e sua esposa seguiram para o elevador e ouviram alguém gritando «Cê tá doido? ou «Você tá maluco?". Era uma voz feminina. Rememorou que, ele e sua esposa, foram para a garagem e, depois, ao hortifruti e que, ao regressarem, abriram a porta do elevador e viu o réu no primeiro piso, escondido atrás da parede, a fim de escutar a conversa travada no piso de baixo (térreo), segundo Marcos, dava para perceber que o réu estava lá para ouvir a conversa. Quanto ao estado de ânimo do réu, disse que ele estava um tanto inquieto. A seguir, viu a vítima conversando com outro vizinho. Recordou que sua esposa comentou que a vítima havia enviado uma mensagem por telefone, falando que algo muito desagradável havia acontecido. Relatou que o comportamento do réu era bem estranho naquele momento. Esclareceu que, em torno de 05 a 10 minutos depois, a vítima entrou no seu apartamento, chorando, e contou o que havia ocorrido. A vítima narrou que estava dormindo no apartamento dela e acordou com o acusado passando a mão nela. A vítima, então, deu o grito que Marcos havia escutado. O depoente assegurou que viu pelo olho mágico que o acusado foi até a porta de seu apartamento para escutar a conversa. Adiante, chamaram a Polícia. Os policiais que atenderam a ocorrência disseram que a vítima relatou os fatos como já descrito. Interrogado, o réu negou os fatos narrados e o cometimento do delito que a ele é imputado. Nunca é demais ressaltar que nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima é de suma importância para o esclarecimento dos fatos, considerando a maneira como tais delitos são cometidos, ou seja, de forma obscura e na clandestinidade (AgRg no AREsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022). Por certo que a sua narrativa deve ser contrastada com as demais provas dos autos, todavia, o réu não trouxe aos autos os elementos capazes de desconstituir a narrativa da vítima. Destarte, no presente caso a narrativa da vítima restou amplamente corroborada pelos demais elementos dos autos, afigurando-se óbvio que ao seu testemunho deve ser conferido pleno valor à luz do princípio da equivalência das provas inserto no art. 155 do C.P.P. De outro giro, a conduta consistente em praticar atos libidinosos diversos da conjunção carnal é considerada pela doutrina como não transeunte, eis que, dependendo da forma como é cometida, poderá ou não deixar vestígios. Logo, o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, de modo que a ausência de vestígios no laudo não afasta a sua ocorrência quando comprovada por outros meios, como no caso dos autos. É importante deixar consignado que a vítima dormia, em completo estado de vulnerabilidade. Assim, inexistem dúvidas acerca da prática delituosa, sendo imperiosa a manutenção do juízo de condenação. É incabível a pretensão desclassificatória. Nesse aspecto, ao julgar o REsp. Acórdão/STJ, em 08/06/2022, a Terceira Seção do Colendo STJ, firmou a tese (Tema Repetitivo - 1.121) de que «Presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A, independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (CP, art. 215-A.. É importante destacar que o § 1º da norma do art. 217-A atenta para o fato de que incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Além disso, o I. Parquet em contrarrazões, traz observações no sentido de que se consuma o estupro de vulnerável quando o agente pratica qualquer outro ato libidinoso com a vítima. Ademais, a manutenção da classificação adequada do crime é essencial para garantir que a legislação penal cumpra seu papel de proteger os vulneráveis e punir de forma proporcional aqueles que praticam atos de violência sexual. No que trata do estado de vulnerabilidade da vítima, ademais, a vítima estava em estado de sono, ou seja, dormia em sua casa quando o réu deu início aos atos libidinosos, diversos da conjunção carnal, o que, por certo, vulnerou a capacidade da vítima em resistir. É importante sublinhar que a exordial descreve de forma adequada a conduta do acusado tanto quanto a prática criminosa, viabilizando a plenitude do exercício da ampla defesa e do contraditório. Pois bem, os atos de lascívia foram cometidos contra vítima, vulnerável pelo estado de sono, causa suficiente para a vítima não poder oferecer resistência, estando correta a condenação na forma da denúncia. Passa-se à análise da dosimetria. O magistrado a quo, atento ao comando do CP, art. 59 reputou que há duas circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado para justificar o afastamento da pena base do patamar mínimo legal, são elas: 1 - o fato de o réu haver violado a casa onde morava a vítima, local considerado o seu maior refúgio, onde a pessoa deve se sentir mais segura e é considerado, constitucionalmente, asilo inviolável. 2 - a circunstância de ser o condomínio onde os fatos se desenrolaram, o local onde a vítima também exerce a função de zeladora, o que configuraria maior constrangimento para a vítima. Entretanto, tais circunstâncias não justificam o afastamento da pena-base, que deve volver ao patamar mínimo, em 8 anos de reclusão nessa primeira fase dosimétrica. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes e presente a atenuante da menoridade relativa (art. 65, I do CP), a pena intermediária fica inalterada, em razão da sumula 231 do STJ. Na terceira fase, é inexistente causa de aumento e está presente a causa de diminuição de pena relativa à tentativa, art. 14, II do CP, o que faz cristalizar a reprimenda, considerada a redução fracionária da pena no patamar máximo de 2/3, em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão. Adequado o regime prisional semiaberto, em atenção às circunstâncias judiciais negativas reconhecidas e à natureza do delito, o qual envolve violência sexual contra pessoa em estado de vulnerabilidade e com suporte no art. 33, parágrafos 2º, b, e 3º, do CP. Por fim, prequestionamentos afastados à míngua de ofensas à normas constitucionais e/ou infraconstitucionais. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, para readequar a reprimenda.... ()
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