Jurisprudência Selecionada
1 - TJSP Apelação. Crime de racismo. Sentença condenatória. Recurso defensivo. Preliminar. Violação ao princípio da correlação entre acusação e sentença. Mérito. Absolvição. Fragilidade do conjunto probatório. Atipicidade. Ausência de lesividade ao bem jurídico penalmente tutelado pela norma. Pleitos subsidiários: a) fixação da pena-base no limite mínimo legal; b) exclusão da perda do cargo como efeito da condenação. Recurso dos assistentes de acusação que busca o recrudescimento da pena. Estabelecimento de regime mais gravoso para início de cumprimento de pena. Afastamento da substituição da pena por restritivas de direitos.
1. Da questão preliminar. 1.1. O princípio da correlação entre acusação e sentença demanda a identidade entre o fato descrito na exordial acusatória e aquele reconhecido pela decisão condenatória. Denúncia que deve conter descrição detalhada e completa do fato imputado, com todas as suas circunstâncias relevantes. Conhecimento dos fatos que é requisito necessário para o correto desenvolvimento da persecução penal. 1.2. A atribuição de responsabilidade permanece viável quando, no decorrer do processo, o magistrado vislumbra a possibilidade de conferir aos fatos definição jurídica diversa daquela constante na denúncia, desde que não haja alteração do objeto da imputação. Processo penal que se desenvolve a partir dos fatos imputados ao acusado e não da qualificação jurídica dada pelo órgão acusador. 1.3. Hipótese em que a tese acusatória atribuiu ao acusado a prática do crime de racismo. Sentença que, por sua vez, afirmou a ocorrência da figura qualificada do delito (art. 20, §2º Lei 7.716/1989) , por entender que a narrativa fática da inicial descrevia o uso de meio de comunicação social. Fatos reconhecidos em sentença que integravam a inicial. Nulidade não reconhecida. Precedentes. 2. Do mérito. Condenação adequada. 2.1. Materialidade e autoria delitiva devidamente demonstradas pelo conjunto probatório. Depoimentos das testemunhas coesos e livres de contradição. Modelo probatório que não se filiou ao sistema da prova tarifada. Prova oral que deve ser confrontada com os demais elementos probatórios. Credibilidade que não foi afetada diante da ausência de prova em sentido contrário. Versão do acusado isolada. 2.2. Réu que exercia a função de vereador do Município de São Paulo na época dos fatos. Envio, em mensagem de áudio divulgada em grupo mantido no aplicativo virtual do Whatsapp, pela qual teceu comentário discriminatório e pejorativo contra a comunidade Judaica. Discurso intolerante e sem empatia, que veio carregado de ódio e desprezo àquele grupo minoritário. 3. Dos limites da imunidade parlamentar. 3.1. As imunidades parlamentares materiais consubstanciam garantias fundamentais de proteção aos parlamentares. Garantia da liberdade de expressão. Assegura-se, assim, a liberdade necessária para o desempenho das atividades legislativas, sem o risco de indevidas responsabilizações civil ou penal. Tema que adquire contornos especiais quanto aos vereadores, que detêm imunidade restrita em comparação com os demais integrantes do legislativo. Exercício que se encontra delimitado pelo disposto no art. 29, VIII, da CF, ao dispor que a inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município. 3.2. Liberdade de expressão que não possui contornos absolutos. Necessidade de demonstração do nexo de causalidade entre a manifestação do parlamentar e a atividade política desenvolvida. Entendimento firmado pelo STF em sede de repercussão geral por ocasião do julgamento do RE 600.063 (Tema 469). Precedentes. 3.3. Responsabilização penal que, longe de contrariar a liberdade de expressão, fixa padrão de compatibilidade entre direitos fundamentais. Necessidade de busca por equilíbrio na composição dos valores fundamentais. Aumento do espectro punitivo que poderia inviabilizar o exercício da liberdade de expressão, comprometendo, assim, o ingrediente democrático. Restrição excessiva do tipo penal que, por outro lado, poderia abrir caminho para manifestações de preconceito e de ódio. 4. Possibilidade de descaracterização da imunidade parlamentar material quando evidenciada intenção puramente discriminatória. Hipótese em que a intenção do agente não é expor fatos relacionados ao exercício de seu cargo, mas, sim, exercer um odioso discurso preconceituoso. Rompimento do nexo de causalidade entre as palavras proferidas e a função pública, a permitir a incidência da norma penal. 4. Qualificação dos fatos. 4.1. Hipótese em que os limites da imunidade parlamentar material foram extrapolados. Aspecto discriminatório das palavras do acusado que foi demonstrado pelo conjunto probatório. Réu que proferiu discurso preconceituoso, com a clara intenção de menosprezar a comunidade judaica. Lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal que foi demonstrada. Afirmações discriminatórias direcionadas à comunidade judaica como um todo. Crime de mera conduta. Consumação que independe da produção de resultado naturalístico, isto é, da efetiva discriminação ou segregação de uma pessoa ou grupo. 4.2. Aspecto subjetivo, representado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de realização dos elementos da figura penal típica, que também foi demonstrado. Palavras proferidas pelo réu que superaram os limites da crítica. Elemento subjetivo especial que foi, igualmente, demonstrado. Réu que proferiu ofensas carregadas de nítido aspecto discriminatório e preconceituoso, com a clara intenção de menosprezo contra comunidade judaica. 4.3. Qualificadora do art. 20, §2º, da Lei 7.716 reconhecida. Figura que busca sancionar de forma mais severa aqueles que praticam o racismo através dos meios de comunicação, em virtude da amplificada capacidade destes para propagar a discriminação ou o preconceito. 5. Dosimetria da pena. Culpabilidade do acusado e circunstâncias negativas do crime reconhecidas. Função pública exercida pelo réu lhe demandava maior cautela, evitando práticas e falas de caráter discriminatório. Palavras de vinculação da comunidade judaica com supostos desvios de dinheiro público nos hospitais de campanha organizados durante a pandemia que torna a conduta mais reprovável. Presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis que permitem a fixação da pena base acima do mínimo legal, com aumento em metade. Atenuante da confissão espontânea. Pena reduzida em 1/6. Manutenção do regime aberto, com a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. 6. Decretação da perda cargo público. Efeito da condenação que não é automático. Incidência a demandar fundamentação expressa e específica. Precedentes. Hipótese em que a autoridade judiciária limitou-se a indicar que o acusado ocupava função pública, sem explicitar as razões que justificavam a aplicação da medida de afastamento. Fundamentação genérica que não permite a manutenção do efeito da condenação, a despeito de sua pertinência na espécie. 7. Recursos conhecidos e parcialmente providos. Correção, de ofício, de erro material constante no cálculo da pena de mult(Íntegra e dados do acórdão exclusivo para clientes)
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