Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 955.7324.1820.1307

1 - TJRJ APELAÇÃO. ARTS. 121, § 2º, I, IV E VI C/C § 2º-A, I E § 7º, III, E 180, N/F DO ART. 69, TODOS DO CP. CONDENAÇÃO. PENAS DE 49 ANOS DE RECLUSÃO E 360 DIAS-MULTA, EM SEU PATAMAR MÍNIMO. RECURSO DA DEFESA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO BIS IN IDEM ENTRE AS QUALIFICADORAS QUE SE REFEREM AO MOTIVO TORPE E AO FEMINICÍDIO, EXCLUINDO-SE A PRIMEIRA. PEDE AINDA, PARA QUE SE AJUSTE A PENA APLICADA, QUE É DESPROPORCIONAL E ESTARIA EM DESALINHO COM O MODELO TRIFÁSICO.

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade e deve ser conhecido. A competência do Tribunal Júri tem assento constitucional e se enquadra dentro dos direitos e garantias fundamentais do cidadão (art. 5º, XXXVIII). O julgamento dos crimes dolosos contra a vida é realizado por um corpo de jurados, julgadores leigos, que embasam sua decisão final acerca do acolhimento ou não da acusação em um juízo de íntima convicção, o que se revela como verdadeira exceção ao CF/88, art. 93, IX. E aqui se põe uma questão delicada no que tange à ponderação dos valores que dizem respeito ao duplo grau de jurisdição e à soberania dos veredictos. Para que se garanta um equilíbrio entre os mencionados valores, a revisão da decisão proferida pelos jurados, em grau de recurso, deve ser feita de forma restrita, excepcional e vinculada. O CPP, em seu art. 593, III, traz balizas para a interposição do recurso de apelação nos crimes julgados pelo Tribunal do Júri. Quando uma questão foi analisada pelo Conselho de Sentença, Juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, não pode ser reanalisada por este Tribunal, se foge das mencionadas balizas legais. No caso, os jurados, em sua maioria, responderam sim para as indagações acerca do motivo torpe e do feminicídio. (fls. 1047 e 1048 do e-doc. 1043). E desta feita, o pedido de reconhecimento do bis in idem entre as qualificadoras acima mencionadas, não se restringe a mero debate acerca da dosimetria da pena. Não reconhecer uma das qualificadoras admitidas pelo conselho de sentença seria passar por cima da soberania dos veredictos no caso de recurso defensivo que se embasou no art. 593, III «c do CPP, aparentemente, e não na alínea «d". Mas, por amor ao debate considera-se importante pontuar que a quesitação operada pelo julgador de piso é correta e as duas qualificadoras aqui apontadas podem subsistir. O motivo torpe se relaciona com o inconformismo do réu com o fim do relacionamento, ou seja, é uma qualificadora subjetiva, ligada ao agente. Já o feminicídio é uma qualificadora objetiva, pois tem relação com o gênero feminino da vítima (precedente). Dosimetria. Na primeira fase do cálculo da pena, de todos os argumentos utilizados e devidamente esmiuçados pela magistrada de piso para exasperar a reprimenda, tem-se que apenas deve ser afastado, aquele que diz respeito à personalidade do agente. Analisando tais argumentos, considera-se importante pontuar que as considerações feitas acerca da personalidade do réu são desprovidas de suporte probatório e se ligam mais a aspectos psicológicos e morais, que fogem da expertise do julgador, devendo o aumento sob tal fundamento ser afastado. Conforme posicionamento do E. STJ (AgRg no HC 646.606/SC, julgado em 23/03/2021), as condenações transitadas em julgado não são fundamentos idôneos para se inferir a personalidade do agente voltada a prática criminosa ou até mesmo para certificar sua conduta social inadequada, não havendo, assim, que se confundir histórico criminal com personalidade. Vale mencionar, ainda que o STJ, no Tema 1077, pontuou que «as condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente (REsp. Acórdão/STJ, Rel: Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julg. em 23/6/2021. Informativo 702 - publicado em 28/06/2021). Assim, um possível envolvimento com a milicia, seria caso de configuração de um tipo penal autônomo, o que não foi imputado ao réu e não pode, por meio transverso, ser levado em conta para majorar a pena-base. Já a condenação anterior pela prática de crime da Lei de Armas será observada na segunda fase do processo dosimétrico, uma vez que o recorrente é reincidente. No que tange às circunstâncias, afasta-se aquela referente à presença do filho, haja vista que se trata de causa de aumento e sopesá-la nesta fase, configuraria bis in idem. Deste modo, ficam mantidas as demais circunstâncias negativas apontadas e satisfatoriamente justificadas na sentença, sendo justo e proporcional o aumento da pena-base que atinge o patamar de 20 nos de reclusão. No segundo momento da dosimetria, a reprimenda deve ser majorada em 1/6 para cada agravante apontada na sentença, quais sejam, a reincidência do apelante, o emprego de recurso que tornou impossível a defesa da vítima e o motivo torpe. A pena chega, assim, ao patamar de 30 anos de reclusão. Na terceira fase, a sentença não merece retoque e deve ser mantido o aumento de pena em 1/2 assim como a sua motivação. Assim a pena se petrifica em 45 anos de reclusão. A pena aplicada ao crime de receptação também deve ser ajustada. Na primeira fase, a sentença fixou a reprimenda de 04 anos de reclusão e 360 dias-multa, com base no elevadíssimo grau de culpabilidade do agente, que usou o veículo produto de crime para ir até a casa da vítima praticar o feminicídio. O argumento é válido, mas a exasperação foi exagerada. Desta feita, majora-se a pena base, em 1/6 e as reprimendas chegam a 01 ano e 02 meses de reclusão e 11 dias-multa. Na segunda fase, em razão da reincidência, as penas devem ser novamente majoradas em 1/6, atingem o patamar de 01 ano, 04 meses e 10 dias de reclusão e 12 dias-multa e assim se petrificam, uma vez que não se observa, no caso, causas de aumento e nem de diminuição de pena. Utilizando-se a regra do concurso material as reprimendas devem ser somadas e ficam em 46 anos, 04 meses e 10 dias de reclusão e 12 dias-multa, em sua fração mínima. Mantido o regime prisional fechado com base no quantitativo de pena, na reincidência do réu, nas graves circunstâncias que envolveram o fato e por considerá-lo o mais adequado ao caso concreto (CP, art. 33). RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.... ()

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