Jurisprudência em Destaque

TJRJ. 5ª Ccrim. Tóxicos. Prova ilícita. Tráfico de drogas majorado. Condenação. Autoincriminação. Tratamento desumano. Tratamento degradante. Direito ao silêncio. Procedimento invasivo de obtenção de prova realizado sem o consentimento válido do apelante. Prova ilícita. Absolvição. Lei 11.343/2006, art. 33, «caput» e 40, III. CF/88, art. 5º, LXIII e § 2º. Dec. 678/1992 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22/11/69). Precedente do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (Caso Jalloh X Alemanha). Amplas considerações do Des. Geraldo Prado sobre o tema no corpo do acórdão.

Postado por Emilio Sabatovski em 04/10/2011
«... Importa destacar que o agente GILSON declarou textualmente à fl. 95 que, diante da negativa do réu em assumir sua conduta de forma deliberada, «determinou o encaminhamento do acusado à enfermaria, para que com o tempo se cansasse e falasse a verdade». (grifei).

Nessas condições, o agente público confessou que empregou artifício para compelir o réu à confissão, violando o seu direito de permanecer em silêncio e de não produzir prova contra si.

Sob outro enfoque, a renúncia aos direitos constitucionais do réu – sem dúvida possível em princípio – deu-se fora do exercício de suas liberdades individuais, o que igualmente torna a apreensão dos bens ilícita.

E a liberdade, que pressupõe o conhecimento de todas as circunstâncias fáticas envolvidas e das possíveis consequências da opção que vier a ser feita, é essencial para a validade da renúncia ao direito de não produzir prova contra si, que integra a própria personalidade do indivíduo.

É justamente esse substrato político-jurídico que coloca, ao lado da intangibilidade do corpo, a «liberdade do acusado de encontrar uma decisão autônoma sobre se ele quer colaborar ativamente com o esclarecimento dos fatos ou não».(1) como critério norteador do princípio nemo tenetur se detegere(2).


▪ (1) Suprema Corte Alemã. Decisão BGHSt 40, 71. Apud ROXIN, Claus. «Nemo tenetur».: La jurisprudência em La encrucijada. In: Pasado, Presente y Futuro del Derecho Procesal Penal. p. 163-178.


▪ (2) LOPES JR. Aury. Palestra proferida no dia 25/06/2009, na 13ª Reunião do Fórum de Especialização e Atualização do Direito e do Processo Penal da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

E não é normal que, no exercício dessa liberdade, alguém indique o local onde está a prova da materialidade do crime que cometeu, especialmente quando esse local é o próprio corpo.

Assim, a obtenção das drogas é contestável pela inidoneidade do artifício empregado pelo agente GILSON a fim de compelir o réu à confissão e, com isso, facilitar a consentimento viciado que ele veio a exercer quanto à intervenção corporal que permitiu que ele expelisse as drogas que havia engolido.

Assim é que, à luz do tantas vezes citado artigo 5º da Constituição da República, em seu inciso LXIII, ao preso se informará do direito de permanecer calado. Trata-se do direito ao silêncio que constitui o pilar fundamental de outra disposição de índole constitucional, por força do artigo 5º, § 2º, da Carta, tal seja, o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a declarar-se culpado, previsto na Convenção Americana dos Direitos Humanos, introduzida no ordenamento jurídico pelo Decreto 678/92. Nemo tenetur se detegere.

Ora, em primeiro lugar sabemos todos que os direitos fundamentais, classificados como liberdades públicas, são em realidade posições jurídicas de vantagem(3), estacas demarcatórias de um espaço vital mínimo, que estabelecem uma relação jurídica a princípio com o Estado, originário devedor(4).


▪ (3) GRINOVER, Ada Pellegrini. As Garantias Constitucionais e o Direito de Ação. RT. São Paulo, 1973.


▪ (4) COMPARATO, Fábio Konder. Para Viver a Democracia: Liberdades Formais e Liberdades Reais. Brasiliense. São Paulo, 1989, p. 33; HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 1997, p. 116-121.

Do devedor se espera uma postura passiva, consistente em não provocar (não agir contra) o credor do direito no sentido de dele obter alguma informação que possa futuramente prejudicá-lo.

Não que o indiciado esteja impedido de espontaneamente declarar contra si próprio. É claro que ele poderá fazer isso, que dispõe em alguma medida de seu direito fundamental, ao qual poderá legitimamente renunciar. É preciso, porém, para que a renúncia ao exercício do direito seja válida e eficaz, que o preso seja claramente informado de que é titular de um direito e em que consiste, realmente, o conteúdo deste direito.

Como sujeito de um procedimento, o investigado logo ao ser preso, no alvorecer da investigação, deve ser informado do seu direito, e não quando a prisão está já consumada e o meio de demonstração capturado. Mas sim no exato instante em que, devido às circunstâncias, pode ver-se compelido a produzir prova contra si mesmo, cooperando inadvertidamente com o Estado, que tem o dever de investigar.

A isto a doutrina denomina de dever de instrução do direito ao silêncio, de caráter prioritário para o ordenamento jurídico, como salientou Theodomiro Dias Neto(5), porque não se pode pressupor o conhecimento do direito.


▪ (5) DIAS NETO, Theodomiro, in O Direito ao Silêncio. Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 19. São Paulo, 1997, p. 180.

A máxima consistente em se afirmar que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da lei há muito não prevalece, em termos de direito penal. Basta analisarmos a disciplina jurídica do erro de proibição, para constatarmos que o direito opera com a consciência de que a maioria da população desconhece muitos dos seus direitos, quiçá quando está em oposição aos órgãos de repressão penal.

Ademais, e é o argumento saliente em termos de processo penal, não se pode presumir inequivocamente o conhecimento da lei também porque a única presunção admissível, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, é a da inocência do imputado (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República). Em virtude disso é que se exige da acusação a prova do dolo e da culpabilidade dos acusados.

Eventual objeção de que o acusado, de acordo com a prova oral, admitiu espontaneamente o crime e consentiu com a ingestão de água com sabão para expelir as drogas não tem validade. Não é porque não houve lesão corporal ao réu que é possível deixar de reconhecer a violação ao direito ao silêncio e o ao corolário dever que o Estado tinha de informá-lo desse direito.

O respeito ao direito de não produzir prova contra si pressupõe que a liberdade do réu, quando opte por declarar, seja exercida de maneira plena. Como salientei em outra oportunidade(6), as técnicas de pressão sobre o acusado não necessariamente implicam objetivação do corpo do imputado, malgrado a tortura seja o mais conhecido instrumento empregado na inquisição com o fim de obter a colaboração do acusado.


▪ (6) O Direito ao Silêncio. In: Em torno da Jurisdição. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2010, p. 2534.

Com efeito, a prática do foro tem revelado, mediante o emprego de técnicas de dissimulação na maioria das vezes inconscientes, que aquilo que a Constituição quis impedir de forma direta, tal seja, a coação sobre a pessoa investigada de sorte a dela extrair a confissão, em muitos aspectos ainda esperada com ansiedade, acaba invadindo o processo de modo sutil, sinuoso, esvaziando no plano prático a indiscutível proteção constitucional.

Foi o que ocorreu no caso concreto. A estratégia investigatória levada a efeito pelo agente penitenciário GILSON, que conduziu o acusado até a enfermaria com o objetivo de que ele se cansasse e, com isso, admitisse que engoliu as drogas, está despida do conteúdo ético, constitucionalmente exigido, de respeito à liberdade do acusado quanto à possibilidade de colaboração com a sua própria incriminação.

E isso se torna ainda mais grave considerando que o estratagema implicou o consentimento viciado do réu para a realização de procedimento invasivo extremamente arriscado, consistente em ingerir água com sabão para forçar o vômito e permitir a excreção das drogas.

Com efeito, não há como aceitar, numa ordem constitucional que valoriza a dignidade da pessoa humana e, em consequência, declara como irrenunciável o direito à vida, à saúde e à integridade física, que uma pessoa seja submetida a procedimento tão arriscado e humilhante sob o fundamento de que o consentiu – até porque, no caso, como salientado, a aquiescência está indubitavelmente viciada.

Importa destacar que a intervenção corporal, no caso, além de ser extremamente degradante, poderia ter causado a morte do acusado. Por isso, ainda que se pudesse de algum modo especular com a validade de sua realização, jamais poderia ser admitida na forma como realizada: haveria de exigir, no mínimo, um profissional de medicina habilitado para isso. Do contrário, caberia aos agentes públicos dar cabo da investigação aguardando as formas naturais de que o organismo dispõe para expelir as drogas engolidas.

Nesse sentido, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em hipótese bastante semelhante (caso Jalloh X Alemanha), estabeleceu uma série de limites e requisitos para admitir a validade dessa espécie de intervenção corporal, não olvidando, evidentemente, da necessidade de consentimento do acusado e do acompanhamento médico, a fim de preservar a vida do imputado:


PROCESSO PENAL – TRATAMENTO DEGRADANTE (ART.3º) – TRATAMENTO DESUMANO (ART. 3º) – JULGAMENTO EQUITATIVO – RESPEITO PELA VIDA PRIVADA – ADMINISTRAÇÃO FORÇADA DE EMÉTICOS – TRÁFICO DE DROGA – DIREITO A NÃO SE AUTO-INCRIMINAR


I. Para efeitos do artigo 3º, os maus-tratos têm de revestir um mínimo de gravidade, sendo essa avaliação naturalmente relativa, dependendo do conjunto das circunstâncias do caso, da duração do tratamento infligido, das suas consequências físicas e psíquicas e ainda, por vezes, do sexo, da idade e do estado de saúde da vítima; as alegações de maus-tratos devem ter por base adequados elementos de prova; para avaliar da prova o Tribunal rege-se pelo princípio da prova «para além da dúvida razoável». que pode formar-se ou inferir-se a partir da existência de diversos elementos de facto suficientemente precisos, fortes e concordantes, ou mesmo a partir de presunções de facto quando inilidíveis (não susceptíveis de prova em contrário).


II. Segundo a jurisprudência estabelecida entende-se por tratamento «desumano». aquele que é praticado com premeditação ou durante horas consecutivas, provocando lesões físicas ou grave sofrimento físico ou psicológico; o tratamento considera-se «degradante». quando provoca nas vítimas sentimentos de medo, angústia e inferioridade, causando humilhação e aviltamento, ou quando determina a vítima a agir contra a sua vontade ou consciência; para se determinar se um determinado tratamento é «degradante»., nos termos e para os efeitos do artigo 3º da Convenção, o Tribunal irá apurar se aquele comportamento se destinava a humilhar e diminuir a pessoa; contudo, mesmo quando o comportamento impugnado não se destina a humilhar o visado, este facto não afasta, por si só, a verificação de uma violação do artigo 3º, no entanto, o grau de sofrimento e humilhação infligidos tem, em todo o caso, de ser superior (ou ultrapassar) o inevitável sofrimento e humilhação implícitos a qualquer medida sancionatória legítima.


III. No que respeita às intervenções médicas a que um detido pode estar sujeito, mesmo contra a sua vontade, o artigo 3º da Convenção exige que o Estado assegure a defesa do bem-estar físico das pessoas que se encontram privadas de liberdade, promovendo, por exemplo, assistência médica aos reclusos/detidos –essas pessoas continuam a merecer a tutela do artigo 3º da Convenção, cujo conteúdo é inderrogável.


IV. Uma determinada intervenção que revele ser uma necessidade terapêutica de acordo com os princípios da medicina não pode, em princípio, ser entendida como degradante ou desumana.


V. Os artigos 3º e 8º da Convenção não impedem o recurso à prática de actos médicos que, apesar de contrários à vontade do suspeito, se revelem necessários à recolha de elementos de prova sobre o seu envolvimento na prática de um crime; nestes termos, os órgãos da Convenção, têm entendido que a recolha de sangue ou de amostras de saliva contra a vontade do suspeito no âmbito da investigação de um crime não viola, nos casos apreciados, estes artigos da Convenção.


VI. Contudo, a realização forçada de um qualquer acto médico com vista à obtenção de prova sobre a prática de um crime tem de encontrar justificação convincente nos factos do caso; isto é particularmente verdadeiro naqueles casos em que o acto médico a praticar é especialmente intrusivo, destinandose a recolher do interior do corpo do indivíduo/suspeito a prova do crime que se suspeita aquele tenha cometido – o carácter particularmente invasivo dessas intervenções exige um escrutínio rigoroso de todas as circunstâncias envolventes, devendo ter-se em conta a gravidade da infracção em causa, sendo que as autoridades têm de demonstrar que ponderaram a utilização de métodos alternativos para a recolha da prova, e que do método (acto ou intervenção) escolhido não decorrerão danos duradouros para a saúde do suspeito.


VII. É ainda relevante saber se o acto (ou intervenção) médico foi ordenado e realizado por um médico e se a pessoa em causa foi colocada sob vigilância médica; outro factor relevante será apurar se do tratamento ou intervenção médicos resultou o agravamento do estado de saúde do suspeito ou se dele resultaram danos prolongados.


VIII. O Código de Processo Penal Alemão prevê que as autoridades de investigação criminal possam ordenar a realização de intervenções médicas invasivas contra a vontade do suspeito para a recolha de prova, desde que sejam realizadas por um médico e delas não decorra o risco de dano para a saúde dos visados; ponderados os elementos do caso, o tribunal conclui que a administração de eméticos ao requerente, tal como foi ordenada pelas autoridades competentes, foi motivada não tanto por razões de ordem médica, mas antes para a preservação de meios de prova, relativamente ao crime de tráfico de droga de que o requerente era suspeito; no entanto, esta conclusão só por si não basta para considerar que a medida impugnada (a administração forçada de eméticos ao requerente) é contrária ao artigo 3º da Convenção, o Tribunal, de resto, já em diversas ocasiões declarou que a Convenção não proíbe, em princípio, a prática de actos médicos compulsórios quando visem assistir na investigação de um crime.


IX. O Tribunal salienta que o tráfico de droga é um crime grave e reconhece os esforços e as sérias dificuldades que os Estados enfrentam no combate ao tráfico; neste caso concreto, o requerente – um traficante «de rua». (street dealer) – foi visto a guardar (embalagens de) droga na boca, antes de ser ordenada e praticada a administração de eméticos contra a sua vontade, por isso, devia supor-se que o requerente não estava a traficar droga em grandes quantidades, facto que, de resto, se confirma na sentença que condenou o requerente a seis meses de prisão com pena suspensa; o Tribunal concede que era de importância vital para os investigadores determinar, com certeza, a quantidade e a qualidade da droga que o requerente traficava, mas não está convencido que a administração forçada de eméticos fosse indispensável neste caso para a obtenção de prova, as autoridades poderiam ter esperado que a droga fosse expulsa do organismo naturalmente, já que a administração forçada de eméticos – que na Alemanha já causou duas mortes até à data deste acórdão – não comporta riscos apenas negligenciáveis, como alega o Governo.


X. Quanto ao modo como os eméticos foram administrados ao requerente, apurou-se que depois de o requerente se ter recusado ao tratamento, foi subjugado por quatro agentes policiais, tendo sido usada força, depois, foi-lhe inserido um tubo pelo nariz até ao estômago com vista a ultrapassar a resistência física e psicológica que o requerente pudesse manifestar, o que certamente lhe terá causado dor e angústia, mais tarde, ainda lhe foi injectado um outro emético; deve ter-se em consideração o sofrimento psicológico sofrido pelo requerente enquanto aguardava que os medicamentos produzissem efeitos, durante esse tempo o requerente esteve sempre sob a vigilância de agentes da polícia e de um médico, e teve de vomitar nestas condições o que deve ter sido humilhante; no entanto, apesar da invasão da privacidade a que o requerente foi sujeito por causa da necessidade de vigilância, o método adoptado pelas autoridades que, apesar de tudo, envolve ou depende de funções naturais do organismo é muito menos invasivo e não afecta tanto a integridade física e moral de uma pessoa que um qualquer outro método, ou intervenção médica (cirúrgica) que houvesse que ser praticada contra a vontade do indivíduo.


XI. A medida impugnada atinge o mínimo de gravidade exigido pelo artigo 3º da Convenção, as autoridades interferiram gravemente na integridade física e moral do requerente, agindo contra a vontade deste; obrigaram-no – através de intervenção médica – a vomitar, não por razões de saúde mas tendo em vista a recolha de prova, que poderiam ter obtido através de métodos menos intrusivos; a maneira como a administração de eméticos teve lugar era propícia a suscitar no requerente sentimentos de medo, angústia e inferioridade capazes de o humilhar, sendo que, para mais, o procedimento adoptado acarretava riscos para a sua saúde; se bem que a intenção das autoridades não fosse a de humilhar ou aviltar o requerente, a forma como agiram causou-lhe dor física e sofrimento psicológico, pelo que se considera que o requerente foi sujeito a tratamento desumano e degradante, contrário ao artigo 3º da Convenção.


XII. Não cabe nas atribuições do Tribunal conhecer de eventuais erros de facto ou de direito alegadamente cometidos pelos tribunais nacionais, a menos que – e apenas na medida em que – estes tenham violado os direitos e liberdades consagrados na Convenção; o artigo 6º tutela o direito a um processo equitativo, todavia, não estabelece quaisquer regras sobre admissibilidade das provas, que é uma matéria que compete às leis nacionais; assim sendo não cabe, em princípio, ao Tribunal determinar se um determinado tipo de prova – por exemplo, provas que sejam obtidas ilegalmente segundo a lei nacional – pode ser admitida, nem pronunciar-se sobre a culpabilidade do arguido, a única questão a que deve responder é a de saber se o processo, considerado no seu conjunto, incluindo o modo como a prova foi obtida, foi justo.


XIII. Para determinar se o processo foi equitativo deve atender-se aos direitos da defesa e, em particular, determinar se ao arguido foi dada oportunidade de discutir a autenticidade da prova produzida e objectar à sua admissibilidade; relativamente à qualidade da prova deve notar-se que quando a prova é muito forte e fiável, a necessidade de que se produza prova complementar (supporting evidence) é menor.


XIV. Quando se avalia da natureza equitativa de um processo crime deve tomar-se em consideração o peso do interesse público na investigação e punição de determinado tipo de crimes, podendo pesar-se este interesse público contra o interesse do indivíduo em que a prova que se produza contra si seja obtida legalmente; todavia, preocupações de interesse público nunca poderão justificar medidas que excluam ou ponham em causa o âmago dos direitos de defesa do arguido, incluindo o direito que lhe assiste de não se autoincriminar, garantido pelo artigo 6º da Convenção.


XV. Em casos anteriores, o Tribunal considerou que o uso de escutas contrário ao artigo 8º da Convenção – por falta de «base legal». que o sustentasse, e que constituía uma ingerência no direito ao respeito da vida privada –, não determinava a violação do artigo 6º, nº 1, da Convenção e do princípio do processo equitativo, quando a informação assim obtida fosse admitida e usada como prova no julgamento pelos tribunais nacionais.


XVI. No entanto, relativamente às provas obtidas em violação do artigo 3º da Convenção outras considerações se impõem; podem suscitar-se questões acerca da equidade do processo (artigo 6º, nº 1, da Convenção) quando a prova seja obtida através de uma violação ao artigo 3º, mesmo quando se demonstre que a utilização dos elementos de prova assim obtidos não foi decisiva para a condenação do arguido; deve ter-se presente que o artigo 3º da Convenção encerra um dos valores fundamentais numa sociedade democrática que não admite derrogações.


XVII. O Tribunal salienta, a propósito do uso de prova obtida com violação dos princípios do direito ao silêncio e à não auto-incriminação, que estes são princípios geralmente aceites a nível internacional que radicam no núcleo essencial do direito a um processo equitativo, tal como consagrado no artigo 6º, nº 1, da Convenção; com esta garantia pretende-se seja assegurada a defesa do arguido contra a coacção que seja ilegitimamente exercida pelas autoridades, contribuindo assim para que se evitem abusos e erros judiciários; o direito de não se auto-incriminar pressupõe que cabe à acusação o ónus da prova, sem o recurso – para tanto – à coacção ou pressão sobre o arguido ou sobre a sua vontade.


XVIII.O direito de não se auto-incriminar impõe que se respeite a vontade do arguido de não falar e manter o silêncio, no entanto, este direito não contempla a impossibilidade de utilização no processo de meios de prova que sejam obtidos através do arguido independentemente da sua vontade (ou mesmo, contra a sua vontade) por poderes de autoridade, tais como, documentos obtidos na sequência de buscas judicialmente ordenadas, ou de recolha de amostras e exames de sangue, urina, saliva, cabelo, voz, ou recolha de outros tecidos orgânicos para a realização de testes de DNA.


XIX. Analisados os factos do caso em presença à luz destes princípios, verifica-se que a prova recolhida na sequência da administração de eméticos ao arguido não foi obtida ilegalmente, ou em incumprimento à lei interna.


XX. O tratamento a que o requerente foi sujeito embora não tivesse atingido a gravidade de um acto de tortura, alcançou, no entanto, o nível de gravidade mínimo que permite qualificá-lo como tratamento desumano ou degradante, caindo assim no âmbito de aplicação do artigo 3º da Convenção; assim sendo não é de excluir que a utilização ou admissibilidade de meios de prova obtidos através da prática intencional de maus-tratos implique que o julgamento do arguido seja tido como injusto (ou não equitativo).


XXI. A discricionariedade dos tribunais nacionais que poderiam excluir a prova ora impugnada não deve ser positivamente considerada já que os mesmos tribunais consideraram que a administração de eméticos estava autorizada segundo a lei nacional; para além disso, o interesse público na condenação do requerente não era de molde a permitir validar a utilização daquela prova em julgamento; relembramos que o requerente era um traficante de rua, comum, que vendia drogas numa quantidade relativamente pequena, e que, a final, foi condenado numa pena suspensa de seis meses, donde a utilização como prova da droga recolhida na sequência da administração forçada de eméticos ao requerente determinou a iniquidade de todo o julgamento, pelo que houve violação do artigo 6º, nº 1, da Convenção.

Assim, não há dúvida de que a apreensão da droga, decorrente de procedimento investigatório totalmente despido de qualquer respeito às garantias constitucionais do apelante, é ilícita. ...» (Des. Geraldo Prado).»

Doc. LegJur (116.6611.8000.0400) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Tóxicos (Jurisprudência)
Prova ilícita (Jurisprudência)
Tráfico (v. Tóxicos ) (Jurisprudência)
Drogas (v. Tóxicos ) (Jurisprudência)
Autoincriminação (Jurisprudência)
Tratamento desumano (Jurisprudência)
Tratamento degradante (Jurisprudência)
Direito ao silêncio (Jurisprudência)
Silêncio (v. Direito ao silêncio ) (Jurisprudência)
Procedimento invasivo (v. Prova ilícita ) (Jurisprudência)
Consentimento válido (v. Prova ilícita ) (Jurisprudência)
Absolvição (Jurisprudência)
Direitos humanos (Jurisprudência)
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Jurisprudência)
Pacto de São José da Costa Rica (Jurisprudência)
Lei 11.343/2006, art. 33, «caput» (Legislação)
Lei 11.343/2006, art. 40, III (Legislação)
CF/88, art. 5º, LXIII e § 2º
Dec. 678/1992 (Legislação)
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