Jurisprudência em Destaque

STJ. 6ª T. Falsa identidade. Uso de documento falso. Meio de autodefesa. Impossibilidade. Tipicidade da conduta. Considerações da Minª. Maria Thereza de Assis Moura sobre o tema. CP, arts. 304 e 307.

Postado por Emilio Sabatovski em 06/12/2011
«... com efeito, a Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça modificou, recentemente, seu entendimento, no julgamento do habeas corpus 205.666/SP, de relatoria do Ministro Vasco Della Giustina (desembargador convocado do TJ/RS), firmando posição no sentido de que a atribuição de falsa identidade, por meio de apresentação de documento falso, não constitui mero exercício do direito de autodefesa, portanto, não há se falar em atipicidade. Ao ensejo:


HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO - ART. 304 DO CÓDIGO PENAL. NÃO-APRESENTAÇÃO AOS AGENTES POLICIAIS. INCURSÃO NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. AUTODEFESA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. QUESTÃO PREJUDICADA. ORDEM DENEGADA. 1. A apresentação, ou não, de documentos falsos aos agentes policiais é circunstância que não pode ser revista, pois demanda incursão no acervo fático-probatório dos autos, medida inviável em sede de habeas corpus. 2. A utilização de documento falso para escamotear a condição de foragido, não descaracteriza o delito de uso de documento falso - art. 304 do CP. Inaplicável nestas circunstâncias a tese de autodefesa cuja utilização restringe-se ao delito previsto no art. 307 do Código Penal. Precedentes do STF. 3. Incompetência da Justiça Federal. Questão prejudicada. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (HC 205.666/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 08/09/2011)

Do brilhante voto proferido pelo eminente Ministro Vasco Della Giustina, colho os seguintes trechos bastante elucidativos:


(...), no que pese o brilhantismo dos argumentos esposados pelos que entendem que a utilização de documento falso, com intuito de ocultar da autoridade policial a condição de foragido, de modo a se livrar dos efeitos da persecução penal, é medida que caracteriza o exercício da ampla defesa, considero que tal posicionamento não se coaduna com os princípios e as finalidades do Direito Penal. O delito previsto no art. 304 do Código Penal - Uso de documento falso - tem por finalidade a proteção de elemento essencial para existência de uma sociedade organizada - a fé pública. Esse sentimento de credibilidade depositados nos símbolos e instrumentos representativos merece ser tutelado com rigor pelo Estado, haja vista a impossibilidade de se manter qualquer estrutura social, política e econômica em um ambiente de completa desconfiança, em que os signos ou os instrumentos de vontade não gozam de qualquer crédito perante os cidadãos e as instituições. Nesse sentido, o Direito Penal, como instrumento de proteção aos bens jurídicos mais caros à sociedade, tem papel fundamental para manutenção da fé pública, tendo vista que sancionar com maior desvalor ético ações que minem a credibilidade dos documentos públicos ou particulares, inexoravelmente, contribui para diminuição de ações dessa jaez. Assim, a redução da abrangência da incidência do art. 304 do Código Penal, em razão da aplicação da tese da autodefesa, tolhe o Direito Penal em sua missão de proteção à fé pública, primeiro, por deixar descoberto situação que merece ser reprimida, segundo, por inspirar comportamentos que deveriam ser combatidos. Em outras palavras, entendo que o uso de documento falso para se evadir de ação policial não caracteriza exercício de ampla defesa. Aquele que tem ciência de que está sendo procurado pela Justiça, raciocinará que, se portar um documento falso e o utilizar quando abordado por agentes do Estado, poderá se livrar da prisão, uma vez que é possível que obtenha êxito em enganar os policiais e, caso não alcance o desiderato ludibrioso, a sua conduta não será punida, visto que será tida como autodefesa. Inegavelmente, se mostra vantajoso a utilização de documento falso para aqueles que fazem do crime o seu modus vivendi, pois ter em mãos um instrumento de identificação inverídico só lhe trará benefício, nunca um prejuízo. Cumpre destacar que não se está aqui a negar a existência da autodefesa, como desdobramento do direito à ampla defesa, pois é comum ou humano, e portanto compreensível, o falseamento de identidade em situação de iminente perigo à liberdade ou à vida. Contudo, o emprego de inverídica identificação, para fins de autodefesa, deve ficar adstrito a simples atribuição de falsa identidade, nos termos da jurisprudência deste Sodalício: (...).

Assentou-se, portanto, que o exercício da autodefesa, por meio de uso de documento falso, para ocultar a verdadeira identidade do acusado, não tem o condão de mitigar a tipicidade da conduta descrita no artigo 304 do Código Penal, que tem por finalidade a proteção de elemento essencial para existência de uma sociedade organizada - a fé pública. Dessa forma, entender que a tese da autodefesa diminui a abrangência do tipo penal descrito no artigo 304 do Código Penal, contraria a própria missão da norma penal, pois acaba por estimular a prática do referido delito por parte daqueles que se furtam à justiça.

Tem-se, assim, que a tese de autodefesa não deve ser aplicada quando há utilização de documento falso, visto que esta conduta carrega em si denotada ofensividade ao bem jurídico protegido, seja pelo simples uso do falso, seja pelo próprio estímulo à falsificação. A utilização de documento falso, a fim de se livrar de prisão ou sanção administrativa, portanto, não pode ser considerada como mero exercício de autodefesa pois preenche efetivamente os contornos da infração penal prevista no artigo 304 do Código Penal.

Conforme já me manifestei no julgamento do habeas corpus nº 56.824/SP, tenho que a adoção da tese da atipicidade da conduta é voltada, a princípio, ao artigo 307 do Código Penal, cuja redação é «atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem». Já tive oportunidade, inclusive, de escrever a respeito do tema, posicionando-me nos seguintes termos:


«O direito ao silêncio não pode ser invocado pelo interrogado como motivo para deixar de responder às perguntas referentes à sua qualificação (art. 188 do CPP), ou, ainda, para mentir sobre elas, por três motivos: primeiro, porque tais respostas não trazem em si qualquer atividade defensiva; segundo, porque a exata qualificação do interrogado evita confusões acerca de sua identidade; e, terceiro, porque a mentira que se permite é aquela de que se vale o interrogado para defender-se quanto aos fatos que lhe são imputados.» (Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Maurício Zanoide de Moraes, «Direito ao silêncio no interrogatório», Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 2, nº 6, pp. 138/139).

Trata-se de visão sobre a matéria que encontra certo respaldo entre a doutrina, como é possível perceber:


«A limitação, todavia, procede, visto que não pode ser licitamente admitida conduta considerada típica pelo ordenamento jurídico, sistematicamente considerado considerado. É que o art. 68 do Decreto-Lei 3.688/41 - Lei das Contravenções Penais - entende típica a conduta do indivíduo de recusar à autoridade, quando por esta justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência, sob pena de multa. Além do art. 307 do Código Penal, que prevê como ilícita a conduta de atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem, impondo pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave. Assim, sendo o interrogatório constituído de duas partes - sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos - , segundo dispõe o art. 187, «caput», do CPP, com redação que lhe foi dada pela Lei 10.792/2003, tem-se que o acusado pode silenciar quanto ao fato perquirido (perguntas constantes do §2º do art. 187 do CPP), mas não quanto à sua identidade (art. 187, §1º, do CPP), sob pena de prática de infração penal.» (Marta Saad, «Direito ao silêncio na prisão em flagrante», Processo Penal e Democracia: Estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 429).

Ressalte que Supremo Tribunal Federal também tem entendido que a tese da autodefesa não se aplica ao delito previsto no artigo 304 do Código Penal. Ao ensejo:


HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. AGENTE QUE SE UTILIZA DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR SUA CONDIÇÃO DE FORAGIDO. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO DELITO DESCRITO NO ART. 304 DO CP. ORDEM DENEGADA. 1. A utilização de documento falso para ocultar a condição de foragido do agente não descaracteriza o delito de uso de documento falso (art. 304 do CP). 2. Não se confunde o uso de documento falso com o crime de falsa identidade (art. 307 do CP), posto que neste não há apresentação de qualquer documento, mas tão-só a alegação falsa quanto à identidade. 3. O princípio da autodefesa tem sido aplicado nos casos de crime de falsa identidade, em que o indiciado identifica-se como outra pessoa perante a autoridade policial para ocultar sua condição de condenado ou foragido. 4. Writ denegado. (HC 103314, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/05/2011, DJe-109 DIVULG 07-06-2011 PUBLIC 08-06-2011 EMENT VOL-02539-01 PP-00091)


HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. ATIPICIDADE. INOCORRÊNCIA. O fato de o paciente ter apresentado à polícia identidade com sua foto e assinatura, porém com impressão digital de outrem, configura o crime do art. 304 do Código Penal. Havendo adequação entre a conduta e a figura típica concernente ao uso de documento falso, não cabe cogitar de que a atribuição de identidade falsa para esconder antecedentes criminais consubstancia autodefesa. Ordem denegada. (HC 92763, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 12/02/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-06 PP-01186)

Dessarte, devem os autos retornar à Corte de origem, para que sejam analisados os demais temas da apelação dos recorridos, relativo ao delito em exame, assentando-se que o uso de documento falso para fins de autodefesa também tipifica o delito descrito no artigo 304 do Código Penal.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para restabelecer a condenação pelo delito de uso de documento falso, nos termos do que fixado na sentença. ...» (Minª. Maria Thereza de Assis Moura).»

Doc. LegJur (118.1251.6000.6000) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Falsa identidade (Jurisprudência)
Uso de documento falso (Jurisprudência)
Autodefesa (v. Falsa identidade ) (Jurisprudência)
Tipicidade (v. Falsa identidade ) (Jurisprudência)
CP, art. 304
CP, art. 307
LegJur: A Ferramenta Essencial para Advogados Modernos
Transforme seu escritório de advocacia com informações legais atualizadas e relevantes!

Olá Advogado(a),

Você já pensou sobre o tempo e os recursos que gasta pesquisando leis, jurisprudências e doutrinas para os seus casos? Já se imaginou otimizando esse processo de forma eficiente e segura?

Então, temos algo em comum. O LegJur foi criado pensando em você, no advogado moderno que não pode se dar ao luxo de perder tempo em um mercado tão competitivo.

Por que o LegJur é a solução que você precisa?

1. Conteúdo Atualizado: Nosso banco de dados é atualizado constantemente, oferecendo as informações mais recentes sobre legislações, súmulas e jurisprudências.

2. Fácil Acesso: Uma plataforma simples e intuitiva que você pode acessar de qualquer dispositivo, a qualquer momento. Seu escritório fica tão flexível quanto você.

3. Busca Inteligente: Nosso algoritmo avançado torna sua pesquisa rápida e eficaz, sugerindo temas correlatos e opções para refinar sua busca.

4. Confiabilidade: Nosso time de especialistas trabalha incansavelmente para garantir a qualidade e a confiabilidade das informações disponíveis.

5. Economia de Tempo: Deixe de lado as horas de pesquisa em múltiplas fontes. Aqui, você encontra tudo o que precisa em um só lugar.

Invista no seu maior capital: o tempo

Você já deve saber que o tempo é um dos ativos mais preciosos na advocacia. Utilize o LegJur para maximizar sua eficiência, oferecendo ao seu cliente uma consultoria de alto nível fundamentada em informações confiáveis e atualizadas.

Depoimentos

"O LegJur transformou a forma como faço minha pesquisa jurídica. Agora, posso concentrar-me mais no desenvolvimento de estratégias para meus casos e menos na busca de informações."
— Maria L., Advogada

Não perca mais tempo! Torne-se membro do LegJur e eleve sua prática jurídica a um novo patamar.

Faça parte da evolução na advocacia. Faça parte do LegJur.

Assinatura Mensal

Acesso Total ao Site com Débito Automático no Cartão de Crédito

R$ 19,90

À vista

1 mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 29,90

Parcele em até 3x sem juros

3 meses

Equilave a R$ 26,63 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 79,90

Parcele em até 6x sem juros

6 meses

Equilave a R$ 21,65 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 129,90

Parcele em até 6x sem juros

12 meses + 2 meses de Brinde

Equilave a R$ 15,70 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 219,90

Parcele em até 6x sem juros