Jurisprudência em Destaque

STF. Pleno. Juizado especial criminal. Crime continuado. Infrações cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva. Suspensão condicional do processo. Suspensão condicional da pena (sursis). Considerações, no VOTO VENCIDO, do Min. Sepúlveda Pertence sobre o tema. Súmula 723/STF. Lei 9.099/1995, art. 89. Não aplicação. CP, arts. 69, 70, 71 e 77.

Postado por Emilio Sabatovski em 24/01/2012
«... VOTO VENCIDO. Senhor Presidente, embora o resumo de Vossa Excelência seja absolutamente fiel, passados três anos, permito-me recordar ao Plenário a íntegra de meu voto – fiquei vencido – no HC 77.242, e que adotei como razões de decidir neste caso, que submeto ao Plenário para eventual revisão do entendimento então prevalente:


Discute-se o cabimento ou não da suspensão condicional do processo, regida pelo art. 89 da Lei 9.099/1995, quando a imputação é de concurso de crimes – ainda que em continuação, como se dá no caso – e a soma das penas mínimas ultrapassa o limite legal de um ano.


Responde pela negativa o voto do Relator, o eminente Ministro Moreira Alves, que acolhe o parecer do Ministério Público Federal, da lavra do ilustre Subprocurador-Geral Edson de Almeida.


A questão tem dividido a doutrina e a jurisprudência.


Mirabete (Juizados Especiais Criminais, Atlas, 1997, p. 149) – cuja opinião serve de fundamento ao parecer da Procuradoria-Geral e ao voto do Relator – quando se cuide de concurso material, para admitir a suspensão, reclama a soma das penas mínimas inferior a um ano; tratando-se, porém, de concurso formal ou de crime continuado, basta-lhe que não ultrapasse o limite legal a pena mínima cominada à infração mais grave somada ao aumento mínimo de um sexto.


À mesma solução chega Weber Martins Batista, assimilando-a à que vem sendo dada para a suspensão condicional da pena (Batista e Fux, Juizados Especiais Civis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal, Forense, 1998, p. 365).


Do lado oposto, pela consideração isolada dos delitos em concurso, citam-se Damásio de Jesus (Leis dos Juizados Criminais Anotado, 4ª ed., Saraiva, 1997, p. 122), Doorgal de Andrade (Suspensão Condicional do Processo, Del Rey, p. 93)


Ronaldo Pedrosa (Juizado Criminal – Teoria e Prática, Lumen Juris, 1997, p. 143) e, em termos, L. Flávio Gomes (Grinover et alii, Juizados Especiais Criminais, ed. RT, 1996, p. 199 e Suspensão Condicional do Processo Penal, ed. RT, 1997, p. 222): o fundamento básico dessa corrente é a analogia da questão com a da prescrição, resolvida pela consideração de cada uma das penas isoladamente conforme art. 119 do Código Penal, solução que a Súmula 497 afirma aplicável ao crime continuado.


Admitindo em tese a suspensão, malgrado a soma das penas mínimas superar um ano, Luís Flávio Gomes desloca a relevância do concurso de delitos para o momento subsequente da valoração do mérito do acusado, onde cabe levar-se em conta o conjunto dos crimes (Suspensão, cit., p. 222).


As pesquisas dão conta de dissonância paralela na jurisprudência (v.g., L. Flávio Gomes, Suspensão, cit., p. 223 et seq.); RBr Ciências Criminais, 1998, 21/231).


No Supremo Tribunal, a Primeira Turma, por votação unânime, em 10-6-1997, deferiu habeas corpus contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que – conforme o critério da soma das cominações mínimas – não admitira a suspensão do processo; e a concedeu no tocante aos dois delitos de pena mínima inferior a um ano, negando-a quanto ao terceiro (CP, art. 299, parágrafo único), cuja pena mínima era superior ao limite, dada a incidência de causa especial de aumento (HC 75.193, Sanches, DJ de 29-8-1997): fundou-se o voto condutor nos autores já citados que propugnam pela consideração da pena mínima irrogada a cada uma dessas imputações em concurso.


Parece seguir a mesma linha, na Segunda Turma, o HC 76.717, 18-9-1998, do eminente Ministro Maurício Corrêa, cuja ementa consigna que «no concurso formal, as penas mínimas não devem ser somadas para impedir a aplicação de sursis processual» (DJ de 30-10-1998).


Em posição diversa, neste caso, o eminente Relator – na linha da opinião de Mirabete, já transcrita – repele a invocação analógica da solução dada à prescrição, na hipótese de imputação cumulativa de crimes em concurso: similaridade haveria entre a suspensão condicional do processo e o sursis, para a admissão do qual – como é incontroverso – não se consideram as penas atribuídas a cada infração, no concurso material, ou a pena de uma só delas, com abstração de aumento legal, nas hipóteses de concurso formal ou continuidade delitiva.


A esse argumento, como visto, acrescentou o Ministro Moreira Alves: «em caso de crime continuado em que os delitos da mesma espécie tivessem penas diversas, sendo a mais grave superior a um ano, o mesmo não ocorrendo com as demais, o processo ficaria suspenso para os crimes de pena mínima inferior ou igual a um ano, o mesmo não ocorrendo com relação ao de pena mínima superior a esse limite, o que evidentemente não se coaduna com a finalidade da suspensão condicional do processo que diz respeito ao processo como um todo para evitar a estigmatização derivada dele próprio, e, em consequência, a consequente sentença condenatória».


A controvérsia, além de intelectualmente sedutora, é praticamente relevante, pois diz com problema recorrente no cotidiano do Fórum.


Parece útil, assim, que sobre ela se firmasse a orientação do Tribunal, permitindo tratamento unitário.


Daí, depois de pedir vista dos autos, o alvitre acolhido pela Primeira Turma de afetar ao Pleno o conhecimento do caso.


A sintética disciplina do instituto novo no art. 89 da Lei 9.099 induziu ambas as tendências resenhadas a buscar na analogia a solução do problema posto.


Atraiu-me, a princípio, a relação analógica entre a suspensão condicional do processo e a da execução da pena, aventada por Mirabete e Weber Batista e acolhida aqui pela Procuradoria-Geral e o Relator.


Uma reflexão mais detida levou-me, contudo, data venia, a recusar a extremada similaridade entre os dois institutos.


O sursis pressupõe o curso total do processo e a condenação: é, por isso, um substitutivo da execução da pena privativa de liberdade, mas não de sua decretação judicial, com todos os efeitos estigmatizantes decorrentes do curso do processo e da condenação criminal: inspira-o apenas a preocupação de obviar as consequências perversas da prisão de duração curta, reconhecidas até pelos que ainda acreditem em algum efeito positivo do encarceramento.


Por isso mesmo que voltado o instituto exclusivamente a evitar a execução da pena breve de prisão, à concessão do sursis o que importa é o total da pena a cumprir e não a maior ou menor gravidade de cada um dos crimes que resultaram na soma da conta penal a pagar.


Diversamente a suspensão condicional do processo – solução muito mais radical que a fórmula intermediária da probation do direito americano, cujo deferimento ocorre entre a condenação e a definição da pena – visa evitar os inconvenientes do processo – o estigma, a distância no tempo entre o fato delituoso e a resposta penal e a economia do sistema judicial congestionado – e, consequentemente, a condenação e suas consequências igualmente deletérias para a vida futura do acusado e sua oportunidade de integração social.


Por isso, ao contrário do que sucede na equação lógica do sursis, o que ganha relevo na suspensão do processo é a menor gravidade dos crimes, revelada no mínimo da pena a eles cominada.


De tudo, ainda que não seja perfeita a analogia entre a suspensão do processo e a prescrição, é patente, a meu ver, que são figuras mais próximas entre si do que em relação ao sursis.


Adite-se que, ao contrário do sursis, tanto a prescrição, quanto a suspensão condicional do processo redundam – se cumpridas as condições impostas – na extinção da punibilidade.


Por outro lado – este, o prisma que mais me impressiona – a interdição da suspensão condicional do processo, nas hipóteses consideradas, parte de uma circunstância – a cumulação objetiva de imputações diversas em simultaneus processus – que, embora seja a regra na hipótese de concurso de infrações – não é essencial, tanto que o Código provê o instituto da unificação de penas, para que se apliquem as regras de fundo do concurso, se não observadas, a tempo, por qualquer motivo, as regras processuais da conexão, das quais decorreria o processo conjunto (J. Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Penal, 1965, I/299).


Ora, se as imputações diferentes forem objeto de processos distintos e a pena mínima cominada a cada uma delas o permitir, é induvidoso o cabimento da suspensão condicional de todos eles, independentemente da apuração do vínculo de conexão entre os fatos.


Se assim é, não parece correto que se faça depender a admissibilidade, em tese, de suspensão condicional do processo – que é instituto de inequívoco significado material, como já assentado na jurisprudência – da circunstância puramente processual de constituírem ou não as diferentes acusações objeto de processo cumulativo.


Certo, cresce o caráter contingente da instauração ou não do processo coletivo na razão inversa do liame substancial entre os diversos fatos, estreitíssimo, na hipótese do concurso formal, médio, na do crime continuado, mas distante e frouxo, no concurso material, onde só a conexão probatória explica a reunião processual.


Como, entretanto – a exemplo do ocorrido, em matéria de prescrição, na formação da jurisprudência subjacente à Súmula 497 – é iníquo tratar mais severamente o concurso formal e o crime continuado que o concurso material de infrações, toda a força que ganha, com relação ao último, a sustentação de consideração isolada das penas para admitir-se a suspensão condicional do processo há de estender-se a fortiori às figuras menos graves de pluralidade delitiva.


Redargúi Mirabete – na passagem em que se alicerça o parecer da Procuradoria-Geral – que a consideração isolada das penas mínimas das infrações em concurso «levaria à possibilidade de suspender o processo, quando ao réu poderiam ser aplicadas penas bastante elevadas».


À objeção responde plenamente a proposta de Luiz Flávio Gomes (ob. cit., p.227): independentemente de que cada crime deva ser considerado separadamente, de modo a admitir, num primeiro momento, a suspensão do processo, se, em relação a todos eles, a pena mínima não ultrapassar um ano, adverte o autor, «uma coisa é o preenchimento do requisito objetivo da pena, outra bem diferente é o requisito do mérito, isto é, saber se o agente merece ou não a suspensão do processo. Para isso, na segunda fase de valoração, urge o exame dos chamados requisitos subjetivos (culpabilidade, grau de censura, grau de culpa, intensidade do dolo, antecedentes, personalidade, motivação, consequências, reparação, intensidade das lesões, atitudes de arrependimento, preocupação com a diminuição das consequências do delito, consideração com a vítima, etc). No que concerne a esses requisitos subjetivos, de mérito, o critério de valoração é global, isto é, devemos considerar o conjunto dos crimes (quais consequências produziram, houve reparação, as vítimas tiveram consideração, houve arrependimento, etc). Na primeira fase (pena abstrata) o critério é individual; na segunda fase o critério é global».


Praticamente não se põe, assim, a hipótese terrorista de vir a ser concedida a suspensão condicional do processo ao criminoso habitual, a quem se imputem, em um só processo, múltiplas infrações penais.


Trouxe, porém, o Ministro Moreira Alves à discussão uma hipótese que efetivamente merece solução específica.


É o caso da reunião no mesmo processo de acusações de crimes diversos – pouco importa a modalidade de concurso a explicar a cumulação processual – dos quais um, pelo menos, sujeito a pena mínima superior a um ano.


Aí, distancio-me de Luiz Flávio Gomes (ob. cit., p. 227) e, como o eminente Relator, entendo impossível, sequer em tese, a suspensão.


E não só pelo argumento teleológico aventado pelo Ministro Moreira Alves, de não ser admissível a suspensão parcial do processo, porque inconciliável com a finalidade do instituto, «que diz respeito ao processo como um todo, para evitar a estigmatização derivada dele próprio, e, em consequência, a decorrente da sentença condenatória».


Acresce – aparentemente pela mesma razão – que o art. 89 da Lei erigiu também em condição sine qua non da suspensão condicional do processo – não apenas que o réu não tenha sido condenado – mas também que «não esteja sendo processado (...) por outro crime».


Ora, se um dos crimes objeto da denúncia, dada a pena mínima cominada, não comportar a suspensão condicional do processo, devendo de logo receber-se a denúncia quanto ao mesmo, a pendência ou a iminência fatal da consequente instauração do processo devem impedir a suspensão também quanto aos demais.


Note-se, por fim, que, assim entendidas as coisas, o impedimento à suspensão condicional se imporá independentemente de ser ou não a acusação pelo crime mais grave objeto do mesmo processo, não valendo, pois, na hipótese, o argumento antes desenvolvido de não dever a circunstância, de índole processual, ditar tratamento diferenciado a casos idênticos.


No caso, entretanto, todos os crimes objeto do processo têm pena mínima idêntica, de um ano de reclusão.


Esse o quadro, defiro parcialmente o habeas corpus para cassar o acórdão questionado, para que o Tribunal a quo – abstraído o fundamento derivado da soma das penas mínimas correspondentes ao número de crimes imputados ao paciente – decida da concorrência dos outros requisitos objetivos da suspensão condicional do processo, submeta o caso ao Procurador-Geral de Justiça (cf. HC 73.343, Pleno, Pertence, Informativo 92): data venia, é o meu voto.

Por essas razões, Senhor Presidente, com todas as vênias, mantenho o meu voto para deferir a ordem. ...» (Min. Sepúlveda Pertence).»

Doc. LegJur (12.5645.3000.5500) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Juizado especial criminal (Jurisprudência)
Crime continuado (v. Juizado especial criminal ) (Jurisprudência)
Concurso material (v. Juizado especial criminal ) (Jurisprudência)
Concurso formal (v. Juizado especial criminal ) (Jurisprudência)
Continuidade delitiva (v. Juizado especial criminal ) (Jurisprudência)
Suspensão condicional do processo (v. Juizado especial criminal ) (Jurisprudência)
Suspensão condicional da pena (v. Juizado especial criminal ) (Jurisprudência)
Sursis (v. Juizado especial criminal ) (Jurisprudência)
Súmula 723/STF
(Legislação)
CP, art. 69
CP, art. 70
CP, art. 71
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