Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Ação civil pública. Consumidor. Legitimidade ativa. Ação ajuizada por associação. Direito individual homogêneo não demonstrado. Inépcia da petição inicial e carência de ação. Impossibilidade jurídica do pedido. Inadequação da via eleita. Considerações do Min. Raul Araújo sobre o tema. Lei 7.347/1985, arts. 1º, 5º e 21. CDC, art. 81. CPC, arts. 267, I e V e 295, III e V.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/03/2012
«... Como se sabe, para a configuração da legitimidade ativa de associação para a propositura de ação civil pública, faz-se necessário que o objeto da lide seja a defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Não é cabível o ajuizamento de ação coletiva para a defesa de interesses meramente individuais.

Tratando-se de legitimação de natureza extraordinária, em que a associação estará atuando não por mera representação de seus associados, mas por substituição processual dos consumidores lesados, somente é viável a ação civil pública em que fique configurada a defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Nesse contexto, a não caracterização desses direitos, além de viciar a legitimidade ativa ad causam, torna a ação coletiva instrumento inadequado por voltar-se para a tutela jurisdicional de direitos individuais, o que também afasta o interesse processual do autor da demanda.

A abrangência dos direitos defendidos na ação civil pública deve ser suficiente para atender à condição de interesses coletivos.

Dispõe o art. 81 do CDC, in verbis:


«Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.


Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:


I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;


II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;


III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.» (grifou-se)

Assim, nas ações em que se discutem direitos individuais homogêneos, não obstante os sujeitos possam ser determináveis na fase de conhecimento (exigindo-se estejam determinados apenas na liquidação de sentença ou na execução), não se pode admitir seu ajuizamento sem que haja, ao menos, indícios de que a situação tutelada é pertencente a um número razoável de consumidores. Embora não haja necessidade, na fase de conhecimento, de se individualizar cada um dos titulares dos direitos individuais de origem comum, o autor da ação civil pública deve demonstrar que diversos sujeitos, e não apenas um ou dois, estão sendo possivelmente lesados pelo fato de «origem comum», sob pena de não ficar caracterizada a homogeneidade do interesse individual tutelado.

Com efeito, «os direitos individuais homogêneos referem-se a um número de pessoas ainda não identificadas, mas passível de ser determinado em um momento posterior, e derivam de uma origem comum, do que decorre a sua homogeneidade» (REsp 987.382/SP, Terceira Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe de 9/12/2009).

Nas palavras de FREDIE DIDIER JUNIOR e HERMES ZANETI JUNIOR,


«o CDC conceitua laconicamente os direitos individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em conseqüência da própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo). Não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar ou momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais (...). Ou seja, o que têm em comum esses direitos é a procedência, a gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária, questões de direito ou de fato que lhes conferem características de homogeneidade, revelando, nesse sentir, prevalência de questões comuns e superioridade na tutela coletiva (...). Como vimos, as ações coletivas não são meros litisconsórcios multitudinários; revelam-se, antes, como espécie de tutela molecular dos ilícitos que afetam bens jurídicos coletivos ou coletivizados para fins de tutela (DIH). Segundo Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, uma ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos não significa a simples soma das ações individuais. Às avessas, caracteriza-se a ação coletiva por interesses individuais homogêneos exatamente porque a pretensão do legitimado concentra-se no acolhimento de uma tese jurídica geral, referente a determinados fatos, que pode aproveitar a muitas pessoas. O que é completamente diferente de apresentam-se inúmeras pretensões singularizadas, especificamente verificadas em relação a cada um dos respectivos titulares do direito. Como corolário desse entendimento, e ainda da precisa lição de que os direitos coletivos lato sensu têm dupla função material e processual e foram positivados em razão da necessidade de sua tutela jurisdicional, os direitos individuais homogêneos são indivisíveis e indisponíveis até o momento da liquidação e execução, voltando a ser indivisíveis se não ocorrer a tutela integral do ilícito.» (in Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. Vol. 4, 5ª ed., Salvador: JusPodivm, 2010, pp. 76-78).

No caso em exame, a associação, por meio de um único contrato celebrado entre dois consumidores e a imobiliária - não reconhecido pelas instâncias a quo como contrato de adesão -, pretende obter tutela jurisdicional individual em favor de direitos de outros consumidores que nem sequer sabe ao certo se existem. Não há indícios nos autos que revelem a existência de diversos consumidores que estejam sendo lesados pelo mesmo tipo de contrato. Tudo vem apenas presumido na inicial da ação.

A ação civil pública, tal como foi proposta pela associação, ressente-se de maiores evidências, deixa larga margem à dúvida quanto à existência de direito individual homogêneo, afirmada pela promovente com base em mera presunção, tendo em vista a vinculação da possível lesão a apenas um contrato, envolvendo dois consumidores. Assemelha-se à pretensão de instauração de inquérito civil perante o Judiciário.

De fato, a adequação da ação coletiva à tutela de direitos individuais homogêneos também depende da demonstração da predominância de questões comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso concreto.

A respeito do tema, Ada Pellegrini Grinover, ao fazer um estudo, no âmbito do direito comparado, ponderando a «class action for damages», do direito norte-americano, e a «ação brasileira em defesa de interesses individuais homogêneos», leciona in verbis:


«De acordo com essa regra, as class action for damages (observados os pré-requisitos da alínea a) devem obedecer a dois requisitos adicionais:


1 - a prevalência das questões de direito e de fato comuns sobre as questões de direito ou de fato individuais;


2 - a superioridade da tutela coletiva sobre a individual, em termos de justiça e eficácia da sentença.


Destes dois requisitos, enunciados no inciso (b3), decorrem as especificações seguintes (b3 A usque D), que representam indicadores a serem tomados em conta para a aferição da prevalência e da superioridade.


O espírito geral da regra está informado pelo princípio do acesso à justiça, que no sistema norte-americano se desdobra em duas vertentes: a de facilitar o tratamento processual de causas pulverizadas, que seriam individualmente muito pequenas, e a de obter a maior eficácia possível das decisões judiciárias. E, ainda, mantém-se aderente aos objetivos de resguardar a economia de tempo, esforços e despesas e de assegurar a uniformidade das decisões.


O requisito da prevalência dos aspectos comuns sobre os individuais indica que, sem isso, haveria desintegração dos elementos individuais; e o da superioridade leva em conta a necessidade de se evitar o tratamento de ação de classe nos casos em que ela possa acarretar dificuldades insuperáveis, aferindo-se a vantagem, no caso concreto, de não se fragmentarem as decisões.


(...)


São bem conhecidos os requisitos da lei brasileira para a tutela jurisdicional dos interesses individuais homogêneos. O inciso III do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (aplicável à ação civil pública por força do art. 21 da Lei 7.347, de 24.07.1985, introduzido pelo art. 117 do CDC) conceitua os interesses ou direitos individuais homogêneos como os decorrentes de origem comum, permitindo sua tutela a título coletivo.


A homogeneidade e a origem comum são, portanto, os requisitos para o tratamento coletivo dos direitos individuais.


(...)


Inexistindo a prevalência dos aspectos coletivos, no meu sentir, os direitos serão heterogêneos, ainda que tenham origem comum. Em tese, pode-se afirmar, até, que essa origem comum (ou causa) será remota e não próxima.


Nesse caso, não se tratando de direitos homogêneos, a tutela coletiva não deverá ser admitida, por falta de possibilidade jurídica do pedido.


Como é sabido, a possibilidade jurídica caracteriza-se pela previsão, no ordenamento, da tutela jurisdicional para o pedido que se formula. Se a tutela jurisdicional dos direitos individuais, a título coletivo, está circunscrita, no sistema brasileiro, aos direitos homogêneos, a falta dessa característica deve levar à inadmissibilidade da ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos. Sendo os direitos heterogêneos, haverá impossibilidade jurídica do pedido de tutela coletiva.


Chega-se, por esse caminho, à conclusão de que a prevalência das questões comuns sobre as individuais, que é condição de admissibilidade no sistema das class actions for damages norte-americanas, também o é no ordenamento brasileiro, que só possibilita a tutela coletiva dos direitos individuais quando estes forem homogêneos. Prevalecendo as questões individuais sobre as comuns, os direitos individuais serão heterogêneos e o pedido de tutela coletiva se tornará juridicamente impossível.


(...)


Não é difícil, assim, estabelecer a correlação entre a exigência de superioridade da ação de classe, em relação a outros meios de solução dos litígios (própria da common law), com o interesse-utilidade e o interesse-adequação da civil law. Se o provimento jurisdicional resultante da ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos não é tão eficaz quanto aquele que derivaria de ações individuais, a ação coletiva não se demonstra útil à tutela dos referidos interesses. E, ademais, não se caracteriza como a via adequada à sua proteção.


(...)


Parece possível estabelecer uma correlação entre o requisito da prevalência dos aspectos comuns e o da superioridade (ou eficácia) da tutela por ações de classe. Quanto mais os aspectos individuais prevalecerem sobre os comuns, tanto mais a tutela coletiva será inferior à individual, em termos de eficácia da decisão. Na linguagem do Código de Defesa do Consumidor, quanto mais heterogêneos os direitos individuais, tanto menos útil a sentença genérica do art. 95 e inadequada a via da ação civil pública reparatória de danos individuais. Assim, no nosso sistema jurídico, à impossibilidade jurídica do pedido (supra, 6) acrescentar-se-á freqüentemente a falta de interesse de agir (interesse-utilidade e interesse-adequação).» (Da Class Action for Damages à Ação de Classe Brasileira: os Requisitos de Admissibilidade. In: Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 - 15 anos, coord. Édis Milaré; Ada Pelligrini Grinover [et al.], 2ª ed., rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pp. 19-39, grifo nosso)

Ocorre que, na hipótese em apreço, conforme acentuado, não há elementos nos autos para que se possa concluir pela utilidade da demanda coletiva e pela existência de direitos de vários consumidores derivados de origem comum.

Com base nessas considerações, infere-se que a ação civil pública está fulminada pelos vícios da ilegitimidade ativa ad causam e da inadequação da via eleita, traduzindo ausência de interesse processual e impossibilidade jurídica do pedido. Devem, portanto, ser confirmadas as r. decisões que concluíram pela inépcia da petição inicial, com fundamento nos arts. 267, I e VI, e 295, II, III e V, do Código de Processo Civil. ...» (Min. Raul Araújo).»

Doc. LegJur (121.8342.3000.4500) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Ação civil pública (Jurisprudência)
Consumidor (Jurisprudência)
Legitimidade ativa (v. Ação civil pública ) (Jurisprudência)
Associação (v. Ação civil pública ) (Jurisprudência)
Direito individual homogêneo (v. Ação civil pública ) (Jurisprudência)
Petição inicial (Jurisprudência)
Carência de ação (Jurisprudência)
Inépcia (v. Petição inicial ) (Jurisprudência)
Impossibilidade jurídica do pedido (v. Pedido ) (Jurisprudência)
Pedido (Jurisprudência)
(Legislação)
(Legislação)
(Legislação)
CDC, art. 81
CPC, art. 267, I e V
CPC, art. 295, III e V.
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