Jurisprudência em Destaque

STJ. 2ª Seção. Competência. Conflito positivo. Câmaras de arbitragem. Compromisso arbitral. Interpretação de cláusula de contrato de compra e venda. Incidente a ser dirimido no juízo de primeiro grau. Incompetência do STJ. Conflito não conhecido. Juridição. Conceito. Considerações, no VOTO VENCIDO, da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema e sobre a natureza jurídica da atividade arbitral. CF/88, arts. 5º, XXXV e 105, III, «d». CPC, art. 475-N, IV. Lei 9.307/1996, arts. 30 e 31.

Postado por Emilio Sabatovski em 23/04/2012
«... VOTO VENCIDO. Na petição mediante a qual o presente conflito foi suscitado, a suscitante tenta contornar esse óbice argumentando que «a doutrina é praticamente uníssona no sentido de que a atividade arbitral se reveste de natureza jurisdicional», consoante ensinamentos de ARNOLDO WALD, CARLOS ALBERTO CARMONA, PEDRO A. BATISTA MARTINS, SÉRGIO BERMUDES, NELSON NERY e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY. O motivo seria o de que a sentença arbitral, nos termos do art. 31 da LArb, «produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título judicial». No mesmo sentido é a norma do art. 475-N do CPC, IV, (com a redação dada pela Lei 11.232/2005), que atribui à sentença arbitral a eficácia de título executivo judicial.

Além disso, menciona que há precedente desta Corte no mesmo sentido, citando, para demonstrá-lo, a decisão unipessoal do i. Min. Aldir Passarinho Júnior, proferida no CC 111.230/DF.

O conceito de jurisdição foi amplamente debatido pelos estudiosos que se dedicaram, notadamente na Itália na primeira metade do último século, a estabelecer as bases do processo civil moderno. De todas as opiniões defendidas nesse primeiro período de debates, ganharam mais destaque as de Chiovenda, Carnelutti e Allorio, formuladas sempre para traçar os limites entre as atividades jurisdicional e administrativa. Em síntese, segundo Chiovenda, a atividade jurisdicional se caracterizaria pela atuação da vontade concreta da lei, emanada de um órgão estatal em substituição à atuação das partes. A teoria criada por Carnelutti, após algumas adaptações motivadas pelas críticas que recebeu, estabelece que na atividade jurisdicional se realizaria na justa composição de uma lide, caracterizada por uma pretensão resistida (processo de conhecimento) ou insatisfeita (processo de execução). Por fim, Allorio vê na aptidão para a formação da coisa julgada o elemento caracterizador da jurisdição (v., por todos, SILVA, Ovídio A. Batista da Silva e GOMES, Fábio, Teoria Geral do Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 60 a 74). Cada uma dessas três escolas se ramificou e a maioria dos estudiosos que se dedicam ao tema hoje desenvolve teses que representam, em maior ou menor medida, variações dessas idéias iniciais.

Vale mencionar, contudo, que há ainda uma quarta linha de pensamento para definir a jurisdição e essa linha encontra, no Brasil, um defensor de escol. José Ignácio Botelho de Mesquita sustenta, em sua obra mais célebre (Da Ação Civil, São Paulo: RT, 1975), que a nota característica da atividade jurisdicional não está na solução das controvérsias, pelo juiz, mas na atuação concreta do direito. Assim, o Estado só exerceria a jurisdição quando toma medidas que, no plano dos fatos, provoquem alguma alteração, a exemplo do que ocorre no processo de execução de sentença.

De todo modo, os defensores da ideia de que é jurisdicional a atividade desenvolvida na arbitragem procuram compatibilizá-la com os elementos de cada uma das três teorias principais sobre o assunto. O art. 31 da LArb, que equipara a sentença arbitral à sentença judicial, e o art. 23, I, que fixa o prazo decadencial de 90 dias para que se formule pedido de declaração de nulidade dessa sentença em juízo, estariam a demonstrar que a decisão proferida em arbitragem tem, potencialmente, aptidão para produzir efeitos análogos aos da coisa julgada. Por outro lado, a sentença arbitral tenderia à justa composição de uma lide, à medida que o procedimento se desenvolve com base numa pretensão resistida, a ser decidida por terceiro imparcial. E, por fim, na arbitragem também haveria a atuação da vontade concreta da lei, em substituição à vontade das partes (a vontade só atua na fixação da convenção de arbitragem).

Mas, em que pese a afirmação da suscitante de que a doutrina que reputa jurisdicional a arbitragem é majoritária, não se pode deixar de notar que há autorizadas vozes que defendem o contrário.

A título exemplificativo, Cândido Rangel Dinamarco defende que a arbitragem não tem, entre os seus objetivos, o de dar efetividade ao ordenamento jurídico substancial, nem é dotada do requisito da inevitabilidade que caracteriza a jurisdição. Por isso, poderia ser qualificada como uma atividade parajurisdicional. Contudo, «o que há de substancialmente relevante no exercício da jurisdição, pelo aspecto social do proveito útil que é capaz de trazer aos membros da sociedade, está presente também nessas outras atividades: é a busca da pacificação das pessoas e grupos mediante a eliminação de conflitos que os envolvam.» (Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, Malheiros, 5ª ed., 2005, p. 141 e 141).

A crítica mais pungente, no entanto, é a de Luiz Guilherme Marinoni (Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p. 147 e seguintes), para quem arbitragem e jurisdição não se confundem pelos seguintes motivos, em linhas gerais: (i) a escolha, pelas partes, da solução do conflito por arbitragem implica renúncia à jurisdição; (ii) o exercício da jurisdição pressupõe investidura por concurso público; (iii) a arbitragem não observa o princípio do juiz natural; (iv) o árbitro não tem aptidão para executar suas decisões.

Todas essas críticas, contudo, foram adequadamente respondidas por Fredie Didier (Curso de Direito Processual Civil, Salvador: Ed. Jus Podivm, 11ª edição, 2009, p. 82 a 85). Em resumo, argumenta o professor baiano: (i) ao escolher a arbitragem o jurisdicionado não renuncia à jurisdição, mas à jurisdição prestada pelo Estado; (ii) a jurisdição, mesmo Estatal, não é exercida apenas por pessoas aprovadas em concurso público, do que seriam exemplos as vagas destinadas aos advogados pelos arts. 94, 104, 107, I, 111-A, I, 115, 118, II, 119, II, 120, §1º, III, e 123, parágrafo único, I, da CF; (iii) o princípio do juiz natural tem como principal elemento a garantia de julgamento por um órgão cuja competência tenha sido pré-estabelecida, de modo a assegurar a imparcialidade do julgador. Os dois aspectos estão contemplados na arbitragem. A imparcialidade é prevista de maneira expressa pelo art. 21, § 2º da LArb. A prévia competência é fixada no momento em que firmada a convenção de arbitragem.

Assim, os argumentos da doutrina favoráveis à jurisdicionalidade do procedimento arbitral revestem-se de coerência e racionalidade. Não há motivos para que se afaste o caráter jurisdicional dessa atividade.

Resta, contudo, saber: ainda que seja jurisdicional a arbitragem, o presente conflito de competência, dirigido ao STJ, é cabível?

Na hipótese dos autos, o conflito se estabelece entre duas Câmaras Arbitrais situadas na comarca de São Paulo. Em princípio, poder-se-ia pensar que é do Tribunal de Justiça local a competência para conhecer do conflito, já que, por um paralelismo entre as regras processuais e as de arbitragem, seria razoável promover uma equiparação entre as Câmaras Arbitrais e os órgãos do Poder Judiciário.

Contudo, deve-se observar que há clara relação de coordenação entre o Tribunal Arbitral e os órgãos do Justiça Estatal, mas esse paralelismo não se reflete, necessariamente, na competência de julgamento. Assim, o art. 22 da LArb dispõe, em seu § 2º, que, em caso de ausência de testemunha a audiência fixada pelo juízo arbitral, «poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente». Do mesmo modo, o § 4º desse mesmo artigo diz que «havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originalmente, competente para julgar a causa». O art. 475-P, III, do CPC estabelece que a sentença arbitral deve ser executada perante a autoridade judicial que seria competente para julgar o litígio. E o 33 da LArb dispõe que «a parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei». Nenhuma dessas competências da jurisdição estatal determina, necessariamente, que o juízo que tomará as providências requeridas pela Corte Arbitral será o do local em que se realiza a arbitragem.

Tanto que, na hipótese dos autos, as ações propostas perante o Poder Judiciário, em coordenação com o procedimento arbitral, foram ajuizadas perante os mais diversos órgãos diversos. Assim, há notícia do ajuizamento de ação cautelar de sustação de protesto nº 2009.002.022754-8, pela suscitante, na 8ª Vara Cível da Comarca de Niterói. Por outro lado, há medida cautelar preparatória de sequestro de posse de imóvel rural ajuizada perante a 2ª Vara da Comarca de Água Boa – MT (Processo nº 27935-2009/61). E há também duas ações de execução propostas pelos VENDEDORES em face da suscitante, perante a 8ª Vara Cível da Comarca de Niterói, RJ (Processos nº s 2009.002.048457-0 e 2009.002.042492-5).

Assim, o paralelismo que leva à ideia de que a competência é de um Tribunal de Justiça apenas é aparente. Na hipótese dos autos tem-se um compromisso de compra e venda de imóveis localizados no Estado do Mato Grosso, figurando como VENDEDORES empresas e pessoas naturais com domicílio nos Estados de São Paulo e Mato Grosso e, como compradora, empresa com sede em Niterói, RJ. Para um procedimento arbitral tendente ao cumprimento desse compromisso com a adjudicação do imóvel, a competência que foi atribuída à Câmara Arbitral seria, originalmente, a do local do imóvel (forum rei sitae – AgRg no REsp 773.942/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, DJe de 5/9/2008). Para um procedimento tendente a requerer o pagamento das parcelas do compromisso ou sua anulação, a competência, ausente eleição de foro, seria a do domicílio dos réus (REsp 967.826/RN, minha relatoria, 3ª Turma, DJ de 22/11/2007).

A sede de ambas as Câmaras Arbitrais na cidade de São Paulo, portanto, não indica que a jurisdição estatal que a elas foi atribuída pelas partes decorra, necessariamente, do respectivo Tribunal. Portanto, na hipótese específica dos autos, é regular a suscitação do conflito perante este C. STJ, ao menos pelo que se depreende desta análise inicial do processo.

Forte nessas razões, admito o processamento deste conflito de competência, determinando a suspensão de ambos os procedimentos arbitrais até o julgamento definitivo desta medida. Atribuo à Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo (CIESP) a competência para requerer ao Poder Judiciário eventuais medidas urgentes.

Solicito informações de ambas as câmaras envolvidas no conflito. Após, determino a remessa dos autos ao MP para parecer, em regime de urgência. ...» (Min. Nancy Andrighi).»

Doc. LegJur (122.7971.0000.3000) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Competência (Jurisprudência)
Conflito positivo (v. Competência ) (Jurisprudência)
Arbitragem (Jurisprudência)
Câmaras de arbitragem (v. Arbitragem ) (Jurisprudência)
Compromisso arbitral (v. Arbitragem ) (Jurisprudência)
Interpretação de cláusula de contrato de compra e venda (v. Arbitragem ) (Jurisprudência)
Compra e venda (v. Arbitragem ) (Jurisprudência)
Jurisdição (Jurisprudência)
Conceito (v. Jurisdição ) (Jurisprudência)
Natureza jurídica (v. Arbitragem ) (Jurisprudência)
CF/88, art. 5º, XXXV
CF/88, art. 105, III, «d»
CPC, art. 475-N, IV
(Legislação)
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