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STJ. 5ª T. Prova testemunhal. Prova oral colhida exclusivamente pelo Juiz. Sistema acusatório. Alteração na forma de inquirição das testemunhas. Perguntas formuladas diretamente pelas partes. Pontos não esclarecidos. Complementaridade da inquirição pelo juiz. Inversão da ordem. Nulidade relativa. Necessidade de manifestação no momento oportuno e demonstração de efetivo prejuízo. Peculiaridade do caso concreto. Sentença condenatória lastreada exclusivamente na prova oral colhida pelo Juiz na audiência de instrução, diante do não comparecimento do membro do Ministério Público. Ausência de separação entre o papel incumbido ao órgão acusador e ao julgador. Violação do sistema penal acusatório. Nulidade insanável. Considerações do Min. Marco Aurélio Bellizze sobre o tema. Precedentes do STJ. CPP, art. 212 (nova redação da Lei 11.690/2008). Pas de nullité sans grief. CPP, art. 563.

Postado por Emilio Sabatovski em 08/05/2012
«... Com a entrada em vigor da Lei 11.690, de 9 de junho de 2008, foi alterada a forma de inquirição das testemunhas, estabelecendo o art. 212 do Código de Processo Penal que «as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida».

Ao Juiz, a teor do contido no parágrafo único do referido dispositivo legal, caberia apenas complementar a inquirição direta das partes sobre os pontos não esclarecidos.

No caso concreto, o Tribunal de Justiça anulou o feito a partir da audiência de instrução, ao argumento de que o magistrado teria desrespeitado a ordem de inquirição das testemunhas, por ter sido o primeiro a formular as perguntas, quando sua atuação deveria ser apenas complementar, após as perguntas das partes.

De fato, a nova redação do art. 212 do CPP deu margem ao surgimento de discussões sobre questões como a ordem da inquirição das testemunhas e o caráter complementar da inquirição pelo magistrado, bem como sobre as consequências processuais pelo eventual descumprimento da nova sistemática legal.

Há posições extremadas sobre tais temas, que vão desde o inflexível e radical reconhecimento de nulidade absoluta, como opiniões no sentido de que a nova redação da referida norma processual em nada alterou a sistemática anterior. A propósito da última corrente de pensamento, veja-se a lição de Guilherme de Souza Nucci:


«Há entendimentos no sentido de que a nova redação do art. 212 do CPP alterou, inclusive, a ordem de inquirição, obrigando o juiz a dar a palavra, inicialmente, às partes, para que produzam suas perguntas diretamente às testemunhas (primeiro, o órgão acusatório às testemunhas por ele arroladas; depois, a defesa, às suas testemunhas). Ao final, se tiver interesse, o juiz poderá fazer perguntas para o seu esclarecimento pessoal.


Com isso não concordamos. A pretensão de transformar o processo penal brasileiro no sistema americano ou partir para o acusatório puro é frágil e inadequada. Não se terá um novo sistema processual penal pela modificação de um único artigo do Código de Processo Penal. Olvida-se, afinal, poder o magistrado produzir tantas provas quantas ele desejar, de ofício, sem que nenhuma das partes manifeste interesse. Olvida-se que, no cenário das testemunhas, o juiz do feito pode arrolar quem bem quiser, sem prestar contas às partes. Enfim, o julgador, mesmo após a reforma de 2008, continua o presidente da instrução, não sendo cabível que se diga ser o último a perguntar. As partes não passam a ter o domínio da instrução ou da audiência; apenas reperguntam, isto é, dirigem indagações às testemunhas, quando não houver pergunta formulada pelo magistrado.» (Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: RT, 2010, p. 474)

Tenho para mim que as duas posições extremadas não devem prevalecer, seja a que sustenta a nulidade absoluta, como também a que afirma que o sistema de oitiva de testemunhas não foi alterado.

Imperioso reconhecer, diante da nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal, que as perguntas agora são formuladas diretamente pelas partes, não mais requeridas ao juiz, que, todavia, continua a exercer o controle sobre a pertinência das indagações, como também das respostas da testemunha (CPP, art. 213).

É possível identificar que as controvérsias sobre o tema, referentes à ordem sequencial das indagações, bem como a limitação do campo de atuação do juiz na inquirição de testemunhas, têm como gênese o emprego do termo «complementar», previsto no parágrafo único do art. 212 do CPP.

É que ao estabelecer que «sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição», a intervenção judicial na oitiva da testemunha somente seria possível, segundo alguns, depois de encerradas as perguntas das partes e, ainda, caso restasse algum ponto ainda não esclarecido.

Nessa linha de raciocínio, o juiz perguntaria por último e em limitada extensão.

É verdade que a complementaridade constante do texto legal examinado induz à conclusão de existência de ordem na inquirição, ou seja, sugere um roteiro, em que a parte que arrolou a testemunha formula as perguntas antes da outra parte, perguntando o juiz por último.

Contudo, não visualizo nulidade absoluta na hipótese em que o juiz – apenas o juiz, não a outra parte -, formule pergunta à testemunha antes da parte que a arrolou, pois as perguntas que o juiz, destinatário final da prova, formulou de forma antecipada, poderiam, e certamente seriam, apresentadas ao final da inquirição.

Portanto, a inversão da ordem de inquirição, nessa hipótese, somente poderia ensejar nulidade relativa, a depender do protesto da parte prejudicada no momento oportuno, sob pena de preclusão, bem como da comprovação inequívoca do efetivo prejuízo com a indagação formulada fora da ordem sugerida na norma processual.

Não podemos olvidar que, no moderno sistema processual penal, não se admite o reconhecimento de nulidade sem a demonstração do efetivo prejuízo à defesa, vigorando a máxima pas de nullité sans grief, a teor do que dispõe o artigo 563 do Código de Processo Penal.

Esse é o entendimento das duas Turmas competentes para o julgamento de matéria penal nesta Corte:


A - «HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. CORRUPÇÃO DE MENORES. NULIDADE. RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SISTEMA ACUSATÓRIO. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/2008. EIVA RELATIVA. ARGUIÇÃO INOPORTUNA. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.


1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessário quaisquer esclarecimentos.


2. É cediço que no terreno das nulidades no âmbito no processo penal vige o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas no caso concreto.


3. Na hipótese em apreço, o ato impugnado atingiu a sua finalidade, ou seja, houve a produção das provas requeridas, sendo oportunizada às partes, ainda que em momento posterior, a formulação de questões às testemunhas ouvidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa constitucionalmente garantidos, motivo pelo qual não houve qualquer prejuízo efetivo ao paciente.


4. Eventual inobservância à ordem estabelecida no artigo 212 do Código de Processo Penal cuida-se de vício relativo, devendo ser arguido no momento processual oportuno juntamente da demonstração da ocorrência do prejuízo sofrido pela parte, sob pena de preclusão, porquanto vige no cenário das nulidades o brocado pas de nullité sans grief positivado na letra do art. 563 do Código de Processo Penal, ou seja, em matéria penal, nenhuma nulidade será declarada se não demonstrado prejuízo (Precedentes STJ e STF).


5. Constatando-se que a defesa do paciente permaneceu silente durante a realização do ato, vindo a arguir a irregularidade somente nas alegações finais, a pretensão do impetrante de invalidação da instrução criminal encontra-se fulminada pelo fenômeno da preclusão, já que eventuais nulidades verificadas em audiência deverão ser arguidas logo depois de ocorrerem, nos termos do artigo 571, inciso VIII, do Código de Processo Penal.


(...)


3. Ordem denegada.» (HC nº 188.349/DF, Relator o Ministro JORGE MUSSI, DJe de 1/8/2011.)


B - «HABEAS CORPUS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 212 DO CPP, ALTERADO PELA Lei 11.690/08. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.


1. A inversão da ordem de inquirição direta das testemunhas previsto no art. 212 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 11.690/08, não altera o sistema acusatório.


2. Sem a oportuna alegação e a devida demonstração de efetivo prejuízo, como na espécie, não há falar em nulidade, muito menos absoluta.


3. Precedentes da 6ª Turma e do STF.


4. Ordem denegada.» (HC nº 133.654/DF, Relator o Ministro CELSO LIMONGI (Desembargador convocado do TJSP), DJe de 20/9/2010.)

É também o entendimento do Supremo Tribunal Federal:


«HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. INVERSÃO NA ORDEM DE PERGUNTAS ÀS TESTEMUNHAS. PERGUNTAS FEITAS PRIMEIRAMENTE PELA MAGISTRADA, QUE, SOMENTE DEPOIS, PERMITIU QUE AS PARTES INQUIRISSEM AS TESTEMUNHAS. NULIDADE RELATIVA. NÃO ARGUIÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA.


1. A magistrada que não observa o procedimento legal referente à oitiva das testemunhas durante a audiência de instrução e julgamento, fazendo suas perguntas em primeiro lugar para, somente depois, permitir que as partes inquiram as testemunhas, incorre em vício sujeito à sanção de nulidade relativa, que deve ser arguido oportunamente, ou seja, na fase das alegações finais, o que não ocorreu.


2. O princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a demonstração de prejuízo concreto pela parte que suscita o vício. Precedentes. Prejuízo não demonstrado pela defesa.


3. Ordem denegada.» (HC nº 103.525/PE, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJe de 27/8/2010.)

Entretanto, em que pese a argumentação acima explanada, verifico que o caso ora examinado apresenta peculiaridade que merece especial atenção.

É que, conforme ressaltado no lúcido e fundamentado acórdão impugnado (fl. 356), o representante do Ministério Público não estava presente à audiência de instrução, o que significa dizer que não houve qualquer intervenção do órgão de acusação na inquirição das testemunhas que arrolara para provar os fatos imputados ao acusado.

No caso concreto, o juiz iniciou os questionamentos em relação às testemunhas e depois passou a palavra à defesa.

Verifico nos autos que a sentença condenatória está lastreada em elementos de convicção obtidos exclusivamente na oitiva de testemunhas, arroladas pelo Ministério Público, na audiência de instrução, a qual não estava presente seu órgão de acusação, tendo o juiz formulado todas as perguntas que envolviam os fatos da imputação penal.

Com efeito, em tais situações não se mostra relevante sequer a questão da inversão da ordem de inquirição, pois mesmo que o magistrado tivesse formulado perguntas às testemunhas arroladas pelo órgão de acusação em momento posterior à defesa, mas de tais depoimentos tenha extraído os elementos de convicção exclusivos que sustentaram a decisão condenatória, irrecusável reconhecer que a inquirição, pelo juiz, não se deu em caráter complementar, mas sim principal, em verdadeira substituição ao órgão incumbido da acusação, situação que configura indisfarçável afronta ao sistema acusatório e evidencia o prejuízo efetivo do recorrido.

A nulidade decorre, no caso, da violação do caráter complementar da inquirição, não da ordem de inquirição.

Portanto, somente o exame de cada caso concreto ensejará eventual constatação de nulidade, desde que provado efetivo prejuízo, ou seja, que os elementos de convencimento que levaram o destinatário da prova a emitir juízo de censura penal derivaram, direta e exclusivamente, da inversão da ordem de inquirição, ou da violação do critério da complementaridade da atuação do juiz na inquisição da testemunha.

Nessa linha de raciocínio, nos processos em que, por exemplo, a instrução probatória foi fracionada, se a sentença condenatória apresentar elementos de convicção extraídos da prova oral produzida em outro momento processual, sem afronta ao novo sistema estabelecido no art. 212 do Código de Processo Penal, ou se o convencimento judicial estiver lastreado em outros meios de prova, não se cogitaria de qualquer nulidade.

Não se verificou, no caso concreto, a indispensável separação entre o papel incumbido ao órgão acusador e ao julgador, principal característica do sistema penal acusatório, pois a fundamentação exposta na sentença permite concluir que os elementos do convencimento judicial decorreram, exclusivamente, de provas colhidas pelo julgador em frontal violação ao sistema acusatório.

Sendo evidente e insanável a nulidade reconhecida, o irretocável acórdão recorrido não merece qualquer reparo. ...» (Min. Marco Aurélio Bellizze).»

Doc. LegJur (122.8763.7000.4100) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Prova testemunhal (Jurisprudência)
Prova oral (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Juiz (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Inquirição das testemunhas (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Perguntas formuladas diretamente pelas partes (v. Sistema acusatório ) (Jurisprudência)
Sistema acusatório (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Pontos não esclarecidos (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Complementaridade da inquirição pelo juiz (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Inversão da ordem (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Nulidade (Jurisprudência)
Nulidade relativa (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Efetivo prejuízo (v. Nulidade ) (Jurisprudência)
Sentença condenatória (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Audiência de instrução (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Ministério Público (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Sistema penal acusatório (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Prejuízo (v. Pas de nullité sans grief ) (Jurisprudência)
Pas de nullité sans grief (v. Prejuízo ) (Jurisprudência)
(Legislação)
CPP, art. 212
CPP, art. 563
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