Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Compra e venda mercantil. Ouro a termo. Correção monetária. Cobrança de expurgos inflacionários. Planos Plano Bresser, Plano Verão e Plano Collor. Correção monetária. Quitação. Ausência de nulidade contratual. Recomposição de valor de moeda. Preclusão inexistente. Vedação do enriquecimento sem causa. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre os contratos de compra e venda derivativos, sobre as commodities na contratação de derivativos, sobre o ouro como commodity e ativo financeiro na contratação de derivativos, sobre as especificidades e os atores intermediários do contrato mercantil de compra e venda de ouro a termo. CCB/2002, art. 884. Lei 7.766/1989 (ouro como ativo financeiro)

Postado por Emilio Sabatovski em 08/05/2012
t«... II. 1. Mérito: os contratos de compra e venda derivativos

O contrato de compra e venda derivativo é um instrumento no qual o pagamento terá como baliza o valor de uma determinada variável econômica (e.g., inflação acumulada no período, taxa de câmbio, taxa básica de juros ou, como na lide em análise, de acordo com o preço de uma commodity). Daí sua denominação: o preço de compra ou venda deriva do preço de outro ativo financeiro, que é chamado de ativo-objeto.

Inicialmente a contratação de derivativos buscava apenas a proteção dos agentes econômicos – produtores e comerciantes – contra os riscos decorrentes de flutuações de preços durante os períodos de escassez ou superprodução, proteção similar à encontrada nas operações de hedging (BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 13a ed. SP: Atlas, 2000, p. 269/271).

II. 2. Mérito: as commodities na contratação de derivativos

As commodities (mercadorias) podem ser negociadas na forma de matérias-primas ou de produtos minimamente industrializados, cuja qualidade segue um padrão, e sua produção se dá em larga escala com distintos produtores. Igualmente denominados de produtos in natura, as commodities podem derivar do cultivo tradicional – assim denominadas soft commodities – ou da extração mineral – as hard commodities. Elas geralmente são atraentes para investidores em razão de possuírem períodos consideráveis de estocagem sem perda significativa de sua qualidade.

Conforme exemplifica Américo Luis Martins da Silva (Contratos comerciais. 1ª ed. RJ: Forense, 2004, p. 235, nota 199), podem ser encontradas commodities das seguintes origens: agrícola (e.g., café, trigo, soja), mineral (ouro, petróleo, ferro), pesqueira (peixes, lulas, crustáceos, ostras), ambiental (água, créditos de carbono), financeira (dólar, euro, real), energética (energia elétrica), tecnológica (hardwares e softwares) e química (ácido sulfúrico, sulfato de sódio).

II. 3. Mérito: o ouro como commodity e ativo financeiro na contratação de derivativos

O ouro está inserido no grupo dos mercados de risco, ou seja, sua cotação varia segundo a lei da oferta e da procura. No Brasil, a sua transformação em ativo financeiro se deu com o advento da Lei 7.766/89, sendo comercializado predominantemente na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo - BM&FBovespa S.A. (antiga Bovespa). Seu preço está normalmente atrelado às cotações nas Bolsas de Londres e Nova York, pois tradicionalmente a cotação brasileira mantém a paridade com o referencial no exterior.

Apesar de ter perdido parte de sua importância enquanto meio de pagamento, o ouro ainda permanece como reserva internacional, em razão da volatilidade dos mercados e da possibilidade de deteriorização das moedas em tempos de crise financeira ou alta inflação.

O ciclo de sua inserção na economia inicia com a extração nos garimpos, passando pela venda do minério às instituições autorizadas pelo Bacen, momento em que ocorre o fato gerador do imposto sobre operações de credito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores imobiliários – IOF – conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 225.272/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 15/10/98; RE 182.985/PR, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 29/5/98; RE 191.675/RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 29/5/98; RE 215.375/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 29/5/98; RE 190.363/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 13/5/98; AgR no RE 214.571/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 27/8/99).

O refinamento, isto é, a passagem da forma bruta para a fina, ocorre em fundidora credenciada – como a Vale – que, após seu processamento e apuração do grau de pureza do metal, remete os lingotes-padrão para depósito (custódia) em uma instituição financeira habilitada pela Bolsa de Valores – no caso dos autos, a Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários do Banco do Brasil, conforme se verifica nas Notas de Negociação juntadas às fls. 354 e seguintes.

Esta emite um certificado de custódia para a instituição proprietária do metal, a qual pode negociar o papel tanto no pregão da Bolsa como no mercado de balcão. Fora da custódia não há como negociar o ouro, pois a certificação de sua pureza é feita com o depósito. Justamente por ser uma operação de alto custo, raramente o ouro é transportado para outro local de custódia – pois implica nova pesagem e aferição de pureza –, razão por que dificilmente o comprador tem o contato direto com as barras do metal, visto que arcará com este custo adicional.

Assim, a venda do ouro – refinado e na conhecida forma de lingote – é feita para os investidores em moeda nacional. Houve época, contudo, em que o próprio Bacen comprava ouro no mercado de balcão, com finalidade de lastro, e pagava (liquidava) em dólar, operação essa tecnicamente denominada arbitragem (vide o sítio Cosif – Portal de contabilidade. Ano XII. SP: 2011. In: www.cosif.com.br. Acesso em 2/3/2011).

De um modo geral, pode-se negociar o ouro em quatro modalidades de contrato:


a) à vista (spot): vende-se o metal fisicamente para entrega imediata;


b) futuro: vende-se o ouro físico para entrega futura, sendo o preço ajustado o mesmo que foi apregoado;


c) opções: vende-se o direito de compra ou de venda para termo futuro, sendo o preço previamente ajustado mediante pagamento de um prêmio; e


d) a termo: celebra-se contrato de compra e venda de ouro, com preço ajustado nesse ato e entrega do produto em data futura. Segundo Fran Martins, as vendas a termo são muito usuais no comércio com grandes somas de valores e produtos, pois nem sempre o comprador tem a quantia total para pagar o preço, ou o vendedor tem todas as mercadorias disponíveis para entrega (Contratos e obrigações comerciais. 15a ed. RJ: Forense, 2000, p. 147). É exatamente nessa modalidade que se encaixa a presente lide.

II. 4. Mérito: as especificidades do contrato mercantil de compra e venda de ouro a termo

Os instrumentos trazidos à análise são inequivocamente contratos mercantis de compra e venda de ouro a termo, não pela razão simples e óbvia de sua nomenclatura (cf. fls. 61/65), mas sim por tratarem de uma transação comercial cujas avenças contêm as seguintes características:


a) a vendedora compromete-se a vender uma determinada quantia de ouro com certo grau de pureza mediante o pagamento de um preço expressamente ajustado na celebração do instrumento (cláusula I);


b) a partir da assinatura do contrato, o comprador pode dispor livremente da propriedade do ouro mediante cessão do contrato a terceiros (cláusula III);


c) pode o comprador antes do vencimento exercer seu direito de arrependimento por meio do distrato comercial, sendo a quantia paga devolvida com juros e correção monetária segundo a OTN, ou o índice utilizado para atualizar as cadernetas de poupança, ou, na falta daqueles, o índice que atualiza os débitos tributários federais (cláusulas V, VI e VII).

Além dessas características, há precedente desta Corte no qual o Bacen expressamente confirma a natureza jurídica dos contratos em debate, consoante se pode atestar:


Trata-se de mandado de injunção, com pedido de liminar, impetrado por «METALBRAZ – Comércio de Ouro, Importação e Exportação Ltda.» contra a União Federal. Diz a impetrante que pretende atuar no mercado de ouro em barras, «atividade ainda não contemplada com a respectiva regulamentação». Pede, então, que esta Corte supra a lacuna existente, autorizando-a, «enquanto não for disciplinada tal modalidade, a operar na comercialização do ouro puro, 24 quilateres, teor 999, em barras ou linguotes, com previsão de pagamento à vista ou de forma programada, protegendo, dessa maneira, o direito constitucionalmente assegurado à impetrante, mas não exercido por falta de regulamentação.»


(...) No caso em tela, a argumentação desenvolvida evidencia que o objetivo do impetrante não é a edição de norma regulamentadora para efetivar-se o direito à comercialização de ouro na modalidade descrita na inicial; o que pretende o impetrante, é na verdade, obter a autorização para que possa operar no mercado de metais/minerais. Todavia, tal intento não se coaduna com a finalidade do mandado de injunção.


(...) De resto, como bem demonstrou o Banco Central: «com efeito, a negociação, entre particulares, de ouro refinado, à vista ou a prazo ou para entrega futura, desde que os contratos se atenham às cláusulas típicas do instituto de compra e venda, regulado pelos artigos 191 e seguintes do Código Comercial e 1.122 e seguintes do Código Civil, amolda-se à definição de operação comercial sem as características de operações privativas de instituições financeiras, não sujeitas à autorização e fiscalização desta Autarquia, porquanto situada fora de sua esfera de competência.» (...).


(MI 98/DF, Rel. Min. Barros Monteiro, Dje de 16/8/2001, sem destaques no original)

Em outras palavras: não há dúvida de que os contratos em análise se encaixam perfeitamente na descrição e regime jurídico de um contrato de compra e venda mercantil a termo, in casu com expressa previsão de correção monetária em caso de distrato.

II. 5. Mérito: os atores intermediários nos negócios de compra e venda mercantil de ouro a termo

A questão federal trazida pela vendedora expõe a seguinte pergunta: se esses contratos foram negociados pelo antigo Sistema Nacional do Ouro - Sino, cujas regras determinam para a operacionalização da compra e venda do ouro a cessão fiduciária da propriedade do contrato à Cetip, seria esta a responsável pela exatidão no cumprimento de avença relativa à atualização monetária?

Para responder a essa questão devemos identificar os atores desse segmento específico de mercado de investimento.

O Sistema Nacional do Ouro - Sino é desempenhado desde 1986 pela Cetip – Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos –, a qual adotava a estrutura de associação civil sem fins lucrativos. A partir de 2008, ela passou a atuar na forma de sociedade anônima de capital aberto, denominando-se Balcão Organizado de Ativos e Derivativos - Cetip S.A.

Sua atividade de custódia e liquidação financeira no mercado de títulos privados possui regulamentação específica – o Regulamento de Operações do Sino –, sendo suplantada por normas do Bacen e do Conselho Monetário Nacional.

Na prática, a Cetip funciona como um mercado de balcão que registra a negociação de títulos e valores mobiliários privados, principalmente os de renda fixa (e.g., certificados e recibos de depósito bancário, depósitos interfinanceiros, letras de câmbio, letras hipotecárias, debêntures, entre outros). Assim, a Cetip enquanto depositária, processa a emissão, o resgate e a custódia dos títulos.

Os participantes típicos da Cetip são: bancos (comerciais, múltiplos, de investimento ou de desenvolvimento), sociedades (corretoras ou distribuidoras de valores ou de mercadorias e futuros), investidores, pessoas jurídicas não financeiras (fundos de investimento e sociedades de previdência privada), bolsas (de valores ou de mercadorias e futuros), caixas econômicas, empresas de leasing, companhias de seguro e outras instituições também autorizadas a operar nos mercados financeiro e de capitais. Atualmente o sistema da Cetip possui mais de 9.650 entidades participantes.

Diante desse quadro, importa saber se, para operacionalizar o negócio de compra e venda de ouro, a cessão fiduciária da propriedade do contrato à Cetip importa em transferir a responsabilidade para responder por questões decorrentes do adequado adimplemento contratual.

Conforme esclarece Melhim Namen Chalhub, a cessão fiduciária de direito creditórios implica a transferência da titularidade creditícia do devedor ao credor, que depende de instrumento específico – o contrato de cessão – e o registro cartorário no domicílio do devedor. Pode o credor promover a cobrança dos créditos contra os devedores do devedor-cedente até o limite de seu crédito, devendo restituir eventual saldo. Desse modo, a cessão fiduciária possui um caráter de direito real, com finalidade de assegurar os financiamentos de bens imóveis (Negócio fiduciário. 4a ed. RJ: Renovar, 2009, p. 351/361).

Por outro lado, os instrumentos celebrados para compra e venda de ouro a termo não perdem sua natureza obrigacional pelo simples fato de estarem sujeitos ao registro e liquidação por um terceiro, no caso, a Cetip. Essa sistemática peculiar é necessária dada a complexidade e os altos custos envolvidos nesse tipo de negociação. Não se trata de uma simples alienação, mas de uma transação cujo objeto possui sensíveis características, seja pela dificuldade de se realizar a tradição do bem, seja pela função de lastro para operações de crédito.

Foi com base nesse raciocínio que o Tribunal de origem abordou a questão, cujo trecho se transcreve:


Como se vê, portanto, a CETIP age apenas como mandatária das partes, não podendo ser considerada titular do direito negociado. Nesse sentido, aliás, bastante esclarecedoras as considerações do Perito às fls. 643/644, verbis:


Tanto que quem decidiu acerca da forma de liquidação do contrato (pagamento em ouro ou em dinheiro) foi o tomador (Petros) e não o intermediário financeiro, muito menos a CETIP.


(...) O papel da BB DTVM ou da CETIP neste contexto, não é titular de direito, é de mero intermediário, agente de compensação.».

Assim, houve apenas a transferência dos certificados de custódia e, consequentemente, de propriedade do ouro. Como exposto no Regulamento de Operações do Sino, quem responde pela qualidade do metal certificado é a própria fundidora e vendedora (art. 47). A instituição financeira autorizada a custodiar o ouro exerce apenas o encargo de simples depositária do metal.

A transferência da propriedade do contrato para a Cetip serve de mera formalidade para a operacionalização dos negócios, cabendo à proprietária fiduciária manter os registros internos de movimentação dos contratos e garantir suas transferências aos proprietários fiduciantes nos casos em que desejarem sair do Sino (art. 35 do regulamento).

Ou seja: transfere-se a propriedade do contrato apenas. Os direitos nele expressos continuam na titularidade de quem faz a compra e a venda. Tanto é assim que a Cetip não se responsabiliza por falta de pagamento dos direitos atribuídos aos contratos (art. 13 do Regulamento).

Há, portanto, nítida relação jurídica contínua entre as partes – Petros e Vale – sem qualquer solução de legitimidade ad causam. ...» (Minª. Nancy Andrighi).»

Doc. LegJur (123.0700.2000.7700) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Compra e venda (Jurisprudência)
Compra e venda mercantil (Jurisprudência)
Ouro (Jurisprudência)
Ouro a termo (v. Compra e venda ) (Jurisprudência)
Correção monetária (Jurisprudência)
Cobrança de expurgos inflacionários (v. Correção monetária ) (Jurisprudência)
Planos Bresser (v. Correção monetária ) (Jurisprudência)
Plano Verão (v. Correção monetária ) (Jurisprudência)
Plano Collor (v. Correção monetária ) (Jurisprudência)
Quitação (Jurisprudência)
Recomposição de valor de moeda (v. Correção monetária ) (Jurisprudência)
Preclusão (Jurisprudência)
Enriquecimento sem causa (Jurisprudência)
Derivativos (Jurisprudência)
Compra e venda derivativos (Jurisprudência)
CCB/2002, art. 884
(Legislação)
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