Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Arbitragem. Transação. Acordo optando pela arbitragem homologado em juízo. Pretensão anulatória. Competência do juízo arbitral. Inadmissibilidade da judicialização prematura. Extinção do processo sem resolução do mérito. Considerações do Min. Sidnei Beneti sobre o tema, trazendo entre outros tópicos um breve histórico da arbitragem. Lei 9.307/1996, art. 8º, parágrafo único. CPC, art. 267, VII.

Postado por Emilio Sabatovski em 20/12/2012
«... 13.- No caso dos autos, a questão fundamental é saber se a convenção de arbitragem firmada pelas partes no processo cautelar de produção antecipada de provas prejudica o conhecimento da ação ordinária proposta.

14.- A arbitragem, como se sabe, é um dos mais antigos métodos de composição heteronômica de conflitos.

JACOB DOLINGER lembra que a instituição arbitral aparece em escritos antigos da história do povo judeu, especialmente no Pentateuco, indicando uma série de contendas clássicas resolvidas por métodos alternativos como o episódio da divisão das terras entre Abrahão e Lot, o confronto entre o Rei Abimelec e Abrahão sobre o poço dágua em suas terras e a disputa entre Jacob e Labão na ida do primeiro para a Terra de Canaã. (DOLINGER, Jacob. Conciliação e Arbitragem no Direito Judaico, Apud: AYOUB, Luiz Roberto. Arbitragem: o acesso à Justiça e a efetividade do processo uma nova proposta.: Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2005, p. 23).

No Direito Romano, a arbitragem facultativa sempre foi aceita e mesmo incentivada. A arbitragem obrigatória figurou como método de resolução de litígios durante o período compreendido entre as fases das ações da lei (legis actiones) e do processo formulário (per formulas). (MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Apud: ALVIM, José Eduardo Carreira. 3ª ed.: Forense. Rio de Janeiro, 2007, p. 2/3).

Apesar da ancestralidade do instituto, não alcançou ele em tempos mais recentes, ao menos no ordenamento nacional, o prestígio e a repercussão a ele asseguradas no de decorrer da história. Nesse sentido se revela apropriada a crítica atribuída a CARREIRA ALVIM, (Ob. loc. cit) no sentido de que a Arbitragem continuará a ser, infelizmente, uma ilustre desconhecida na prática jurídica brasileira.

15.- Em várias oportunidades analisei o instituto da arbitragem, ressaltando-lhe a importância histórica e apontando a coincidência do arrefecimento do seu uso com momentos de fascínio pelo centralismo e controle estatais em detrimento da liberdade individual, de que se nutem os instrumentos de «Alternative Dispute Resolution», entre os quais a arbitragem (cf. «Perspectivas da Arbitragem no Processo Civil Brasileiro» - RT 696/78; JUTACIV-SP 137/7; JUTACIV-SP 136/6; RJM 95/402; 39. «Arbitragem: Panorama da evolução» - JUTACIV-SP 138/6; «Resolução Alternativa de Conflitos e Constitucionalidade», em «Constituição de 1988 - 10 Anos», Coord. Antonio Carlos Mathias Coltro, Ed. Juares de Oliveira, 1999; Estudos em Homenagem ao Prof. KAZUO WATANABE).

O caso dos autos, de acordo judicial para remessa de discórdias à solução arbitral, encontra espelho em úteis modalidades de encaminhamento de controvérsias já judicializadas à arbitragem, como ressaltado em alguns dos escritos acima lembrados, entre as quais a modalidade mais marcante, a denominada «Court Annexed Arbitration», realiza-se, em muitos Estados e, mesmo na Justiça Federal dos Estados Unidos da América do Norte, mediante remessa compulsória, do caso, pelo Juízo, «ex-officio», à via arbitral, quando via mais adequada à solução da controvérsia, como detectado inicialmente pelo Juízo - e no caso de «court annexed arbitration», nem mesmo há prévia manifestação de vontade dos litigantes, no sentido da arbitragem, como ocorrido nestes autos, em que elas próprias, as partes, entre as quais o ora Recorrido, optaram pela arbitragem que, ulteriormente, veio o Recorrido a tentar recusar. Para a volta à via judicial.

16.- A Lei 9.307/96 desponta nesse cenário como um divisor de águas. Ela supera com vantagem o modelo anterior, do juízo arbitral, que submetia necessariamente a sentença arbitral ao crivo do Poder Judiciário para conferir-lhe eficácia. Segundo destaca CARLOS ALBERTO CARMONA (A arbitragem no processo civil brasileiro: Malheiros, São Paulo, 1993) a Lei 9.307/96 fortaleceu a claúsula compromissória, eliminou a necessidade de homologação do laudo arbitral e, por último, disciplinou a homologação pelo Supremo Tribunal Federal (competência hoje atribuída a este Superior Tribunal de Justiça) da sentença arbitral estrangeira, afastando a necessidade da dupla homologação.

17.- O artigo 8º, da Lei 9.307/96, determina que:


Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.


Parágrafo único - Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Como se vê, o dispositivo em comento estabelece não apenas a autonomia da cláusula de arbitragem em relação ao negócio jurídico no bojo da qual ela é estabelecida (caput), mas também estabelece que a competência para decidir acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem, aí compreendida a cláusula e o compromisso arbitral, é do árbitro designado pelas partes.

Na parte final do dispositivo consta ainda a indicação de que a competência do árbitro para sindicar os vícios da convenção de arbitragem se estende ao exame da higidez do próprio contrato em sede do qual foi estabelecida a cláusula compromissória.

18.- Essa mesma orientação, de confiar diretamente ao próprio árbitro a investigação sobre alegados vícios de invalidade (processual ou material) pode ser verificada, ainda a partir do artigo 15 da Lei, que estabelece:


Art. 15. A parte interessada em argüir a recusa do árbitro apresentará, nos termos do art. 20, a respectiva exceção, diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes.

Consulte-se, também, o artigo 20 da mesma Lei que estabelece:


Art. 20. A parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem.

Referido dispositivo está inserido no Capítulo IV, que trata do procedimento arbitral a indicar, que a arguição das questões ali referidas e, bem assim, o processamento dessas arguições, deve ocorrer no curso do procedimento arbitral, perante o próprio árbitro.

19.- Mais do que uma simples coincidência, essa orientação reflete, de forma cristalina, a opção do legislador em estabelecer, a partir da Lei 9.307/96, um arcabouço normativo que permita à Arbitragem afirmar-se e desenvolver-se como modelo viável e eficaz de resolução de conflitos, tanto quanto possível autônomo em relação ao Poder Judiciário.

Não por outro motivo se alçou a sentença arbitral, independentemente de trânsito em julgado ou de homologação judicial, à condição título executivo judicial (artigo 475-N, IV, do Código de Processo Civil c/c 18 da Lei 9.307/96) . Não por outro motivo, também, o Poder Judiciário está impedido de revisar o mérito da sentença arbitral.

20.- É bem verdade que a Lei pôs à disposição da parte a ação anulatória de sentença arbitral (artigo 33, § 1º da Lei 9.307/96) , facultando-lhe, igualmente, arguir judicialmente referida nulidade em sede de embargos do devedor, por ocasião da execução da referida sentença (artigo 33, § 3º, da Lei 9.307/96) .

Essa possibilidade, contudo, não subverte a orientação antes assinalada, segundo a qual os vícios verificados em momento anterior ao da prolação da sentença devem ser arguídos primeiramente perante o árbitro.

21.- No caso dos autos, a ação proposta pelo Autor ora Recorrido visa, essencialmente, a desconstituir: a) a sentença judicial que homologou o contrato em sede do qual contemplada a cláusula arbitral, b) a própria cláusula compromissória. A propósito, vale lembrar que todos os argumentos relativos ao instituto da Lesão e à nulidade a perícia realizada constituem, em última análise, causas de pedir afetas a esses dois pedidos.

22.- Os pedidos enquadram-se na hipótese do já citado artigo 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/96, nos termos do qual os vícios relativos à cláusula arbitral e ao contrato que a estipulou devem ser suscitados primeiramente perante o próprio árbitro.

23.- Não há como acolher o argumento trazido no acórdão recorrido, no sentido de que seria contrário ao princípio da economia processual impedir a parte interessada de arguir judicialmente, desde logo, referidas nulidades, permitindo-lhe fazê-lo somente após a sentença arbitral.

É que ao contrário, as alegações de nulidade invocadas podem vir a ser já de início acolhidas pelo árbitro, hipótese em que não se justificaria a ação judicial, de modo que não se justifica «saltar» a arbitragem em prol da judicialização prematura, nulificando-se por via obliqua, a opção arbitral e abalando-se, o próprio prestígio do instituto da Arbitragem, que se formaria verdadeiro expletivo no sistema processual que a quis forma judicial consensual de solução de controvérsias, ao lado da jurisdição estatal.

De qualquer forma, independentemente da orientação principiológica que se adote, não há como superar o comando expresso da norma.

LUIZ ANTONIO SCAVONE JÚNIOR, comentando o artigo 8º da Lei 9.307/96, afirma o seguinte (Manual de Arbitragem, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 87):


O significado do dispositivo, portanto, indica que qualquer alegação de nulidade do contrato ou da cláusula arbitral, diante de sua existência e seguindo o espírito da lei, deve ser dirimida pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário.


A lei pretendeu, neste sentido, «fechar uma brecha» que permitiria às partes, sempre que alegassem a nulidade da cláusula arbitral ou do contrato, ignorar o pacto de arbitragem e acessar o Poder Judiciário para dirimir o conflito.


Em resumo, ainda que o conflito verse sobre a nulidade do próprio contrato ou da cláusula arbitral, a controvérsia deverá ser decidida inicialmente pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário, ainda que as partes tenham resilido bilateralmente o contrato e a controvérsia verse sobre o distrato.


Este foi o espírito da lei (mens legis).


(SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio, Manual de Arbitragem, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 87).

24.- O Acórdão recorrido também argumentou que a questão poderia ser decidida pelo Poder Judiciário porque, nos termos do artigo 20 da Lei 9.307/96, a competência do árbitro somente se iniciaria após instaurada a arbitragem, de maneira que, não tendo ela sido instaurada no caso concreto, não haveria embaraço ao que o próprio judiciário apreciasse a questão.

25.- Tem-se, contudo, indubitavelmente que o artigo 20 da Lei 9.0307/96 não autoriza essa conclusão proclamada pelo acórdão recorrido. O dispositivo em questão, já transcrito, assinala que «a parte que pretender argüir (...) nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem».

Não é lícito extrair, a partir de uma interpretação a contrario sensu do texto legal, aniquiladora do próprio sistema da arbitragem, que a parte esteja já autorizada a arguir a nulidade da convenção de arbitragem perante o Poder Judiciário ... antes da instituição da arbitragem! Essa conclusão, conforme reiteradamente afirmado, contraria não apenas o espírito da Lei 9.307/96, como a determinação expressa contida no artigo 8º, parágrafo único, da mesma norma.

26.- Também não é possível admitir que compete ao Poder Judiciário, com exclusividade decidir a respeito da pretensão anulatória de sentença homologatória de acordo judicial pelo qual as partes tenham optado pela jurisdição arbitral.

Em primeiro lugar porque a homologação judicial de acordo firmado entre as partes é elemento acidental do ato e não interfere na eficácia que esse acordo, de qualquer forma, teria entre as partes signatárias.

Em segundo lugar, porque a nulidade da sentença não é pleiteada no caso sob alegação de vício de afeto à atividade jurisdicional do Juízo homologador, mas fincadas em alegações contrárias ao próprio acordo que foi levado à homologação. O vício arguído diz respeito, portanto, ao contrato entabulado pelas próprias partes que, como é evidente, antecede logicamente à chancela que veio a ser conferida pela atuação judicial homologatória.

27.- De rigor, portanto, reconhecer o acerto da sentença em extinguir o processo sem julgamento de mérito com fundamento no artigo 267, VII, do Código de Processo Civil, tendo em vista a presença do destacado pressuposto negativo de desenvolvimento válido e regular do processo. ...» (Min. Sidnei Beneti).»

Doc. LegJur (128.4474.3000.8700) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Arbitragem (Jurisprudência)
▪ Transação (Jurisprudência)
▪ Acordo optando pela arbitragem homologado em juízo (v. ▪ Arbitragem) (Jurisprudência)
▪ Pretensão anulatória (v. ▪ Arbitragem) (Jurisprudência)
▪ Juízo arbitral (v. ▪ Arbitragem) (Jurisprudência)
▪ Judicialização prematura (v. ▪ Arbitragem) (Jurisprudência)
▪ Extinção do processo (Jurisprudência)
▪ Resolução do mérito (v. ▪ Extinção do processo) (Jurisprudência)
▪ Lei 9.307/1996, art. 8º, parágrafo único (Legislação)
▪ CPC, art. 267, VII
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