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STJ. 2ª T. Tributário. IPI. Fato gerador. Momento temporal. Furto ou roubo. Tradição. Condição resolutória. Capacidade contributiva subjetiva. Exação indevida. Considerações do Min. Cesar Asfor Rocha sobre o tema. Precedente do STJ. CTN, arts. 46, II, 116, II e 117. Lei 4.502/1964, art. 2º, II e § 2º. Dec. 2.637/1998, art. 174, V (RIPI-98), art. 32, II. CF/88, art. 153, IV e § 3º, III. Dec. 4.544/2002, art. 163. Dec. 7.212/2010 (RIPI)

Postado por Emilio Sabatovski em 19/07/2013
«... No mérito, argumenta que "o mero deslocamento físico de produtos industrializados sem cunho operacional mercantil, como, por exemplo, o deslocamento de um produto de um estabelecimento a outro do mesmo contribuinte, não é suficiente para configurar a ocorrência do fato gerado do IPI. A operação passível de incidência é aquela que acarreta a transferência de propriedade ou posse do bem, já que esta é a única circulação indicativa de capacidade contributiva, ou seja, dotada de relevância econômica capaz de ser oferecida à tributação" (fl. 452).

Sustenta, então, que uma análise superficial e literal dos artigos 46, inciso II, e 51, inciso II e parágrafo único, do Código Tributário Nacional resultaria "a conclusão equivocada de que o fato gerador do IPI seria a simples saída de mercadoria do estabelecimento industrial, independentemente de realização de operação de cunho mercantil e jurídica" (fl. 453). Ressalta que, entretanto, "o artigo 46, inciso II do Código Tributário Nacional trata, sem dúvida nenhuma, do aspecto temporal da regra matriz de incidência do IPI. A saída da mercadoria do estabelecimento industrial não é indicação da materialidade da norma, mas sim, a indicação do momento em que deve ser reputado inicialmente consumado o fato jurídico tributário previsto na norma, ou seja, é a circunstância de tempo que desencadeia a incidência do IPI" (fl. 454). Seguindo esse entendimento, afirma "que a Constituição Federal contemplou de forma expressa a necessidade de realização de uma operação mercantil como pressupostos para a cobrança do IPI pela União Federal (art. 153, § 3º, inciso II), fato que, definitivamente, não se confunde com a simples saída ou, ainda, com o mero deslocamento físico da mercadoria do estabelecimento industrial" (fl. 454).

Ademais, segundo a recorrente, invoca "a necessidade de a lei eleger fato jurídico de cunho econômico para imposição tributária, conforme prescreve, inclusive, o artigo 145, parágrafo primeiro, da Constituição Federal, sendo irrelevante para o direito tributário qualquer outro aspecto da vida" (fl. 455). Acrescenta que "a própria análise da base de cálculo do IPI prevista no" art. 47, inciso II, "a", do Código Tributário Nacional faz "menção ao vocábulo operação" (fl. 457).

Alega, ainda que, "no ordenamento jurídico brasileiro (cf. artigos 620, 1.122 e 1.627 do Código Civil), o contrato de compra e venda, ainda que perfeito, não transfere automaticamente a propriedade das coisas móveis. Isto só ocorre com a tradição, ou seja, com a entrega definitiva da coisa vendida" (fl. 460). No caso em debate, então, "tem-se que a consumação do negócio jurídico celebrado entre a Recorrente e seus clientes não decorre automaticamente da mera celebração do contrato de compra e venda de cigarros. O referido negócio jurídico (operação) se consumará apenas e tão-somente no momento em que se operar a tradição, ou seja, a entrega do cigarro fabricado (industrializado e vendido pela Recorrente ao seu comprador (cliente). Até esse momento, o risco corre por conta exclusiva do vendedor, no caso, a Recorrente" (fl. 461). E "se ocorre furto ou roubo da mercadoria no percurso entre o estabelecimento do fabricante/vendedor e o estabelecimento do comprador, o negócio jurídico celebrado não se completa, visto que o comprador não recebe a mercadoria. Não há, pois, neste caso operação alguma a justificar a tributação" (fl. 462).

No caso específico do IPI, entende que "a simples saída física da mercadoria do estabelecimento fabricante, amparada por uma operação jurídica (compra e venda, por exemplo), caracteriza-se como um fato gerador pendente, nos termos do artigo 105 do Código Tributário Nacional, ou seja, um fato gerador iniciado mas dependente de uma condição para se concretizar que, no caso, é a ocorrência da tradição" (fl. 462).

Sobre o Regulamento do Imposto sobre Produto Industrializado – RIPI, diz que o art. 174, inciso IV, que tem como fonte de validade o art. 12, § 3º, da Lei 7.798/1989, "determina o estorno da escrita fiscal de créditos de IPI relativos à aquisição de matérias-primas, produtos intermediários, material de embalagem e, ainda, quaisquer outros produtos que venham a ser objeto de furto ou roubo" (fl. 464). Conclui que "exigir-se o IPI na operação de saída de mercadorias roubadas ou furtadas e, ao mesmo tempo, determinar o estorno do crédito dos insumos na entrada (art. 193, IV, do RIPI), leva, sem dúvida, à violação ao princípio constitucional da não-cumulatividade" (fl. 466) e que "o próprio legislador reconheceu implicitamente, ao prever o estorno do crédito dos insumos, que a saída do estabelecimento industrial de produto roubado ou furtado, constitui hipótese de não tributação" (fl. 466).

No tocante à alínea "c" do permissivo constitucional, traz à colação o REsp 738.388/PR, desta Turma, e o AMS 92.03.072004-9, da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (fls. 467-476).

Por último, alega a recorrente que não "deverá arcar com a parcela correspondente à multa. Isto porque restou cabalmente demonstrado que a Recorrente não deu causa à interrupção do processo de exportação, ou seja, não concorreu com o evento que culminou no roubo das mercadorias durante o trânsito aduaneiro" (fl. 477). Para comprovar o dissídio jurisprudencial, indica precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (fls. 477-478).

O em. Ministro Herman Benjamin, relator, afastou a alegação de ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil por entender que o Tribunal Regional julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia como foi apresentada, não sendo necessário rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes.

No mérito, diz que o acórdão recorrido está alinhado à jurisprudência da Segunda Turma, firmada no sentido de que eventual furto ou roubo do produto após a saída do estabelecimento não afasta a incidência do IPI, porquanto já consumado seu fato gerador. Cita o REsp 734.403/RS, da relatoria do em. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 6.10.2010, e conclui que a lei tributária é indiferente se o contribuinte teve, ou não, proveito econômico com a mercadoria, sendo suficiente a saída da mercadoria do estabelecimento para se caracterizar o fato gerador.



Do mesmo modo, ocorrido o fato gerador, considera o em. relator ser irrelevante o fato de se tratar de mercadoria destinada à exportação, incidindo a norma do art. 39, § 3º, alínea "c", da Lei 9.532/1997.

Quanto ao dissídio jurisprudencial, aplicou o enunciado 83 da Súmula desta Corte.

Ao final, o em. relator negou provimento ao recurso especial.

Após profunda reflexão sobre o tema proposto, peço vênia para divergir do eminente Relator, não obstante S. Exa. tenha amparado seu voto em substanciosos julgados desta Segunda Turma.

De fato, a questão da incidência do IPI sobre o produto industrializado destinado à exportação, que goza de imunidade tributária (art. 153, inciso IV e § 3º, inciso III, da Constituição Federal) enseja reflexão aprofundada. Nesse exercício, permiti-me a incursão sobre vários julgados que trataram do mesmo tema e impressionou-me o voto-vencido proferido pelo eminente Ministro Castro Meira no julgamento do Recurso Especial 734.403-RS não só pela clareza e lucidez da explanação como também pela tese jurídica defendida por S. Exa. com grande maestria.

Rememoro aqui alguns trechos do referido voto:


"A solução da controvérsia posta neste recurso especial consiste em definir se há, ou não, incidência do IPI sobre produtos que, saídos do estabelecimento industrial, são furtados no caminho para a entrega, antes de serem colocados à disposição do comprador.


[...]


Se o furto ou roubo como casos fortuitos ou de força maior não geram maiores dúvidas no plano do Direito Privado, já o mesmo não ocorre na esfera do Direito Tributário.


Segundo o art. 46, II, do CTN, materializa-se o fato gerador do IPI com a saída do produto do estabelecimento industrial, o que inegavelmente ocorre no caso do furto ou roubo externo.


Na esteira desse regramento, questiona-se: a saída do estabelecimento industrial cria a obrigação tributária de pagar o IPI em termos definitivos e irreversíveis, independentemente das ocorrências externas que podem afetar a operação mercantil ensejadora da saída?


Na situação dos autos, houve uma saída lícita, em tese, geradora da obrigação de pagar o IPI, diferentemente do que ocorreria se as mercadorias tivessem sido furtadas, ou roubadas, de dentro do estabelecimento fabricante. Não se trata, pois, de saída física criminosa, que não tipifica a hipótese de incidência tributária, mas de saída jurídica embasada em contrato de compra e venda mercantil, cuja entrega tornou-se impossível por fato alheio à vontade das partes.


Com base nesse raciocínio – tecnicamente bem estruturado –, o acórdão recorrido concluiu que é devido o IPI incidente sobre as mercadorias saídas do estabelecimentos e posteriormente furtadas, antes da entrega ao comerciante comprador.


Essa orientação funda-se na constatação de que o fato gerador do IPI é a saída do estabelecimento industrial, de tal modo que eventos ocorridos posteriormente a esse momento não são suscetíveis de impedir, modificar ou extinguir a obrigação tributaria, que já estaria constituída de modo definitivo e irreversível.


Com a devida vênia e as escusas de praxe, não me parece correta a conclusão por quatro razões:


(a) o fato gerador do IPI não é a saída do produto do estabelecimento industrial ou a ele equiparado. Esse é apenas o momento temporal da hipótese de incidência, cujo aspecto material consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados;


(b) a obrigação tributária nascida com a saída do produto do estabelecimento industrial para entrega futura ao comprador, portanto, com tradição diferida no tempo, está sujeita a condição resolutória, não sendo, portanto, definitiva nos termos dos arts. 116, II e 117 do CTN;


(c) o furto ou roubo de mercadoria, segundo o art. 174, V, do Regulamento do IPI, impõe o estorno do crédito de entrada relativo aos insumos, o que leva à conclusão de que não existe o débito de saída em respeito ao princípio constitucional da não-cumulatividade. Do contrário, além da perda da mercadoria - e do preço ajustado para a operação mercantil -, estará o vendedor obrigado a pagar o imposto e a anular o crédito pelas entradas já lançado na escrita fiscal; e


(d) o furto de mercadorias antes da entrega ao comprador faz desaparecer a gradeza econômica sobre a qual deve incidir o tributo. Em outras palavras, não se concretizando o negócio jurídico, por furto ou roubo da mercadoria negociada, desaparece o elemento signo de capacidade contributiva, de modo que o ônus tributário será absorvido não pela riqueza advinda da própria operação tributada, mas pelo patrimônio e por rendas outras do contribuinte que não se relacionam especificamente com o negócio jurídico que deu causa à tributação, em clara ofensa ao princípio do não-confisco."

O voto prossegue esmiuçando cada um dos fundamentos acima citados, trazendo abalizada doutrina para amparar as teses defendidas e rechaçar os argumentos da Fazenda Pública.

Alinho-me inteiramente ao entendimento do eminente Ministro Castro Meira. Parece-me a solução mais razoável e a que melhor atende aos princípios informadores do direito tributário.

Ademais, em tratando de hipótese constitucional de não incidência do IPI "sobre produtos destinados ao exterior" (art. 153, § 3º, inciso III) e não de isenção, peço vênia para trazer mais uma consideração ao crivo de Vossas Excelências.

É que há autores que entendem que, nas hipóteses de imunidade tributária, não há fato gerador, o que, ao meu sentir, é de extrema relevância e prejudica toda a discussão que se trava acerca do tema.

Por exemplo de Fábio Fanucchi, in Curso de Direito Tributário Brasileiro, ao fazer as distinções entre incidência, não incidência, imunidade e isenção, preleciona:


"Na não incidência, por sua vez, não há sequer fato gerador que possa ser assinalado. Diz-se que não há incidência porque o acontecimento material não possui elementos que conjuguem com qualquer dos fatos geradores estipulados na legislação tributária, logo, a sua exteriorização é absolutamente irrelevante para o direito tributário. Portanto, não há como confundir a isenção com a não incidência. Na primeira, todos os elementos da ocorrência material são encontrados na lei como definidores de acontecimentos capazes de fazer nascer uma obrigação tributária. Na segunda, todavia, nenhuma conjugação existe entre o fator de tributação escolhido pelo legislador e inserto na lei e o acontecimento exteriorizado por aquele que se pretendia fosse um sujeito passivo de obrigação tributária.


Finalmente, na imunidade, também não há fato gerador e nem sempre porque a lei não descreva o acontecimento como tal, mas porque, isto sim, a Constituição não permite que se encontre no acontecimento características de fato gerador de obrigação principal. Diz-se, até, que a imunidade representa um caso constitucional de não incidência."

O ilustre doutrinador acrescenta que a imunidade "só poderá transformar-se em caso de incidência quando a decisão parta, de início, de legislador maior: o constituinte. Enquanto não removida a barreira constitucional, nenhuma escolha cabe ao legislador ordinário, senão a de se conformar com o fato de a coisa, a pessoa ou o negócio estarem absolutamente apartados do campo da incidência".

A lição parece-me clara e perfeitamente aplicável ao caso concreto.

De fato, o produto que goza de imunidade tributária e sai do estabelecimento industrial sob tal condição não pode transmudar-se para sofrer a incidência do IPI pela ocorrência de furto, ou seja, o referido evento danoso não tem o condão de retirar a imunidade que nem por lei poderia ser retirada.

Com tais considerações, pedindo escusas ao eminente Relator voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso especial. ...» (Min. Cesar Asfor Rocha).»

Doc. LegJur (134.0510.2000.0500) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Tributário (Jurisprudência)
▪ IPI (v. ▪ Tributário) (Jurisprudência)
▪ Fato gerador (v. ▪ IPI) (Jurisprudência)
▪ Momento temporal (v. ▪ Fato gerador) (Jurisprudência)
▪ Furto (v. ▪ IPI) (Jurisprudência)
▪ Roubo (v. ▪ IPI) (Jurisprudência)
▪ Tradição (v. ▪ Tributário) (Jurisprudência)
▪ Condição resolutória (v. ▪ IPI) (Jurisprudência)
▪ Capacidade contributiva subjetiva (v. ▪ Tributário) (Jurisprudência)
▪ CTN, art. 46, II
▪ CTN, art. 116, II
▪ CTN, art. 117
Lei 4.502/1964, art. 2º, II e § 2º (Legislação)
Dec. 2.637/1998, art. 32, II (Legislação)
Dec. 2.637/1998, art. 174, V (Legislação)
▪ CF/88, art. 153, IV e § 3º, III
Dec. 4.544/2002, art. 163 (Legislação)
Dec. 7.212/2010 (Legislação)
▪  734.403/STJ (Tributário. IPI. Fato gerador. Momento da ocorrência. Saída do produto do estabelecimento industrial ou equiparado. CTN, art. 46, II. Lei 4.502/1964, art. 2º, II e § 2º. Dec. 2.637/1998 (RIPI-98), art. 32, II. CF/88, art. 153, IV. Dec. 4.544/2002, art. 163. Dec. 7.212/2010 (RIPI)).
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