Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. art. 147-A, § 1º, II, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PENAS DE 10 MESES E 15 DIAS DE RECLUSÃO. REGIME ABERTO. SURSIS. RÉU SOLTO. RECURSO DA DEFESA. PEDE A ABSOLVIÇÃO. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO RESTOU COMPRAVA A REITERAÇÃO DAS CONDUTAS. REQUER O RECONHECIMENTO DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE QUE SE REFERE AO EXERCÍCIOM REGULAR DO DIRIETO. SUBSIDIARIAMENTE PEDE O AFASTAMETNO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO § 1º, II DO CP, art. 147. RECURSO DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
A denúncia narra que razões da condição do sexo feminino, de forma livre, consciente e reiterada, o réu perseguiu sua ex-companheira, invadindo e perturbando sua esfera de liberdade e privacidade, ao fazer ligação telefônica de forma persistente para o telefone celular da vítima. Além disso, sempre que vítima faz alguma publicação em sua rede social, o denunciado faz comentários, cobrando uma suposta dívida. Em Juízo foram ouvidas a vítima e uma testemunha que corroboraram os termos da acusação. Interrogado, o réu exerceu seu direito constitucional de ficar em silêncio. Ainda integram o acervo probatório as declarações prestadas em sede policial, as cópias dos «printscreens do telefone celular da vítima, retratando as ligações e mensagens que o réu enviava para ela, documentos psiquiátrico e psicológico. E diante do cenário acima delineado, inexiste dúvida quanto à prática delitiva pela qual o acusado restou condenado, estando sobejamente evidenciadas a materialidade e a autoria do crime ora em análise. A vítima prestou declarações firmes, seguras e em harmonia com o que foi dito em sede policial. E a corroborar o que foi dito por ela estão os «printscreens juntados aos e-docs. 138 e 143 e as declarações da testemunha E. que asseverou que o réu ligou diversas vezes para A. tendo ressaltado que ficou preocupado com o fato de que A. voltaria para casa sozinha. E mesmo que se afaste os «printscreens da apreciação judicial, como quer a Defesa, o juízo restritivo subsiste. Considera-se importante destacar que nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume particular relevância, especialmente quando se apresenta lógica, coerente e corroborada por outros elementos de prova (precendentes). Assim, não há a mínima razão para que se coloque em dúvida a validade de sua palavra, ressaltando inexistir qualquer indício de que esta tenha interesse em distorcer os fatos ou prejudicar o acusado. A defesa, por sua vez, não logrou êxito em comprovar a fragilidade probatória, a teor do disposto no CPP, art. 156 e nem apresentou qualquer justificativa para que as palavras da vítima e da testemunha merecessem descrédito. Diante das provas colhidas em audiência, restou indene de dúvidas que a conduta do apelante foi reiterada, causou temor na ofendida e perturbou sua esfera de liberdade. No caso dos autos, restou evidente a prática do chamado «stalking, mormente pelo relato da vítima, coerente e seguro em ambas as sedes, quanto à perseguição sofrida, que se consolidou pela prática reiterada de ligações telefônicas, de idas ao local de trabalho da ofendida, de comentários em redes sociais de pessoas que se relacionam tanto com o réu quanto com a ofendida, revelando verdadeira violência psicológica. Considerando que a vítima é mulher, e ex-comapnheira do apelante, resta demonstrada, ainda, a causa especial de aumento da pena do art. 147, §1º, II, do CP. Fica evidente a questão de gênero e a fragilidade da vítima mulher, principalmente quando o réu a chama de vagabunda, no local onde a vítima trabalha, uma praia, um local público. Destaca-se que A. declarou que o recorrente a expõe ao ridículo, a coage, a intimida, a persegue e que se sente segura com as medidas protetivas que foram deferidas, pedindo, perante o Juízo, que estas sejam mantidas. No que diz respeito ao pedido de exclusão da ilicitude em razão do exercício regular do direito, a Defesa não tem melhor sorte. Vale dizer que o réu possui meios legais para cobrar a vítima a quitação da dívida que ela tem com ele. A cobrança da dívida é um exercício regular de um direito. Xingar, expor, perseguir e abalar a paz da vítima extrapolam a seara do exercício regular do direito e invadem o campo criminal. Sobre o recurso da vítima insta consignar que o pleito ali contido não merece abrigo. Vejamos. A denúncia não formulou o pedido de indenização para a reparação dos danos causados pela infração. Em alegações finais, a acusação se manteve silente sobre este aspecto. E sem pedido, o magistrado de piso não pode conceder a indenização. Formular o pedido indenizatório apenas em sede recursal, retira do Juiz natural da causa a possibilidade de se manifestar sobre o tema e revela verdadeira supressão de instância, além de dificultar o exercício do direito de defesa do réu. Este é entendimento do STJ: "Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória (Tema repetitivo 983). Mas tal posicionamento não impede que a vítima possa recorrer ao Juízo cível para ver os danos que tenha sofrido, integralmente indenizados. Passando ao processo dosimétrico, tem-se que a sentença merece pequeno ajuste na primeira fase. O Juiz de piso usa a condenação do réu no processo 0009878-69.2022.8.19.0002 para recrudescer a pena por entender que o apelante possui inclinação para o cometimento de delitos envolvendo violência doméstica. Todavia o entendimento firmado pelo STJ no Tema Repetitivo 1077 é no sentido de que «condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente". E compulsando os autos do processo 0009878-69.2022.8.19.0002, não se verifica nem mesmo certidão de trânsito em julgado, não se prestando a piorar a situação do recorrente, aqui. Assim, a pena-base deve ficar em seu patamar mínimo (06 meses de reclusão e 10 dias-multa). Sem modificações na segunda fase da dosimetria, uma vez que não se observam circunstâncias atenuantes ou agravantes. No derradeiro momento, a pena deve ser aumentada em razão da majorante disposta no art. 147-A, § 1º, II, do CP, na fração de 1/2 e se aquieta em 09 meses de reclusão e 15 dias-multa em sua fração mínima. Mantido o regime prisional aberto em razão do quantitativo de pena aplicada e por ser o mais adequado e justo ao caso concreto, nos termos o CP, art. 33. Em que pese não ter sido alvo objetivo do recurso de apelação, é importante assinalar que, em razão do amplo efeito devolutivo do apelo, as condições do sursis, trazidas pela sentença, que se referem à restrição de final de semana e ao comparecimento à grupo reflexivo, devem ser afastadas. Com relação à limitação de fim de semana se assevera que a condição se mostra demasiadamente gravosa à hipótese, além de não guardar qualquer relação com o caso concreto, uma vez que o crime foi praticado em uma terça-feira. Com relação à obrigação de participar de grupo reflexivo, a Lei . 11340/06 introduziu o parágrafo único no art. 152 da Lei de Execuções Penais, possibilitando o comparecimento do agressor em programas de recuperação e reeducação e o referido artigo está localizado no capítulo II referente às penas restritivas de direitos. Por outro lado, vale destacar que, ao aplicar a suspensão da pena (CP, art. 77), o magistrado pode, com fulcro no art. 79 do mesmo diploma legal, especificar condições outras diversas daquelas descritas no § 2º do CP, art. 78. Além disso, de acordo com a Lei 11.340/06, art. 40: «as obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados". Desta forma, a determinação de participação em grupo de reflexivo mostra-se adequada e pertinente, visando otimizar a recuperação do réu, sendo sua imposição autorizada não só pelo mencionado art. 40 da Lei Maria da Penha como também pelo disposto no CP, art. 79: A sentença poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado". Contudo, a determinação da frequência ao grupo reflexivo não ocorre de forma automática, portanto obrigatoriamente deve ser fundamentada. In casu, não foi observada pelo magistrado de piso a devida fundamentação, com motivação condizente ao caso concreto, razão pela qual deve ser excluída. A sentença exarada pelo juízo de piso limitou-se a justificar a frequência ao grupo reflexivo de forma ampla e genérica, ignorando as peculiaridades e circunstâncias do caso. E, de acordo com a jurisprudência sobre o tema, em casos como o dos autos, a imposição da frequência a grupos reflexivo deve ser concretamente fundamentada pelo juízo de piso (precedentes). Assim, restam mantidas as condições de comparecimento mensal em juízo, no primeiro ano do período de prova, e bimestral, no segundo ano, para informar e justificar as suas atividades e a proibição de manter contato com a vítima durante o prazo do sursis (dois anos). RECURSOS CONHECIDOS. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO E PROVIMENTO PARCIAL DO APELO DEFENSIVO.... ()
(Íntegra e dados do acórdão exclusivo para clientes)
Plano mensal por R$ 19,90 veja outros planos
Cadastre-se e adquira seu pacote