Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 348.1090.6680.7455

1 - TST AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. HORAS EXTRAS. TEMPO À DISPOSIÇÃO. TEMPO DE PERMANÊNCIA DENTRO DA EMPRESA. MINUTOS RESIDUAIS. TRAJETO INTERNO. SÚMULAS 366 E 429/TST. REDUÇÃO DOS MINUTOS RESIDUAIS POR NORMA COLETIVA. IMPOSIBILIDADE. CONTRATO DE TRABALHO FINDADO ANTES DA EDIÇÃO DA RFORMA TRABALHISTA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126/TST. O TRT

reformou a sentença ao concluir que « à luz da decisão proferida pelo Excelso Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.121.633/GO (Tema de Repercussão Geral 1.046) e das convenções coletivas de trabalho aplicáveis ao contrato de trabalho, que as atividades realizadas pelo reclamante até o registro do ponto de trabalho acima mencionadas se afiguram como de conveniência do trabalhador e, portanto, não se incluem na jornada de trabalho para fins de pagamento dos minutos residuais como extraordinários . Todavia, consoante a moldura fática delineada na própria decisão regional, infere-se que o tempo de permanência do Obreiro na empresa, fora da efetiva jornada de trabalho, de fato correspondia a tempo à disposição da Empregadora. Isso porque decorria da necessidade de deslocamento do Empregado entre a portaria da empresa e o posto de trabalho (trajeto interno) e não para a realização de atividades particulares ou da conveniência daquele. Desta forma, estando a decisão regional em dissonância com o entendimento desta Corte Superior, o recurso de revista merece conhecimento por contrariedade às Súmula 366/TST e Súmula 429/TST. Além disso, o princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva traduz a noção de que os processos negociais coletivos e seus instrumentos têm real poder de criar norma jurídica (com qualidades, prerrogativas e efeitos próprios a estas), em harmonia com a normatividade heterônoma estatal. Tal poder excepcional conferido pela ordem jurídica aos sujeitos coletivos trabalhistas (CF/88, art. 7º, XXVI) desponta, certamente, como a mais notável característica do Direito Coletivo do Trabalho - circunstância que, além de tudo, influencia a estruturação mais democrática e inclusiva do conjunto da sociedade, tal como objetivado pela Constituição (art. 1º, II e III, 3º, I e IV, da CF/88). De outro lado, não obstante a Constituição da República confira à negociação coletiva amplos poderes, não se trata jamais de um superpoder da sociedade civil, apto a desconsiderar, objetivamente, os princípios humanísticos e sociais da própria CF/88, ou de, inusitadamente, rebaixar ou negligenciar o patamar de direitos individuais e sociais fundamentais dos direitos trabalhistas que sejam imperativamente fixados pela ordem jurídica do País. Desse modo, embora extensas as perspectivas de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas, tais possiblidades não são plenas e irrefreáveis. Há limites objetivos à criatividade jurídica na negociação coletiva trabalhista. Neste ponto, desponta como instrumento imprescindível para avaliação das possibilidades e limites jurídicos da negociação coletiva o princípio da adequação setorial negociada, por meio do qual as normas autônomas juscoletivas, construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional, não podem prevalecer se concretizada mediante ato estrito de renúncia (e não transação), bem como se concernentes a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III, e 170, caput, CF/88). No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado, essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo CF/88, art. 5º, § 2º, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.). Registre-se que, embora a Lei 13.467/2017 tenha alargado o elenco de parcelas de indisponibilidade apenas relativa - inclusive, em muitos casos, em arrepio e desprezo ao estuário normativo da Constituição de 1988 (vide o amplo rol de temas constantes no CLT, art. 611-A -, ela não buscou eliminar a fundamental distinção entre direitos de indisponibilidade absoluta e direitos de indisponibilidade relativa. Tanto é assim que o art. 611-B, em seus, I a XXX, projeta o princípio da adequação setorial negociada, ao estabelecer limites jurídicos objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista, proibindo a supressão ou a redução dos direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta ali elencados. Em verdade, a doutrina e a jurisprudência deverão cotejar os objetivos precarizadores dos novos preceitos, onde couber, com o conjunto dos princípios e regras do próprio Direito do Trabalho, a par do conjunto dos princípios e regras, da CF/88, no sentido de ajustar, pelo processo interpretativo e /ou pelo processo hierárquico, a natureza e o sentido do diploma legal novo à matriz civilizatória da Constituição de 1988, além do conjunto geral do Direito do Trabalho. A propósito, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE Acórdão/STF - leading case do Tema 1046 de Repercussão Geral cujo título é «Validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente « -, em decisão plenária concluída no dia 14/6/2022, fixou tese jurídica que reitera a compreensão de que existem limites objetivos à negociação coletiva, delineados a partir da aplicação dos critérios informados pelo princípio da adequação setorial negociada e pela percepção de que determinados direitos são revestidos de indisponibilidade absoluta. Eis a tese: « São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis «. Cumpre salientar que, passadas mais de três décadas de experiência jurídica e cultural intensa desde o advento da Constituição (de 1988 a 2023), a jurisprudência trabalhista já tem, contemporaneamente, aferido de modo bastante objetivo e transparente a adequação setorial negociada. Nessa linha, de maneira geral, tem considerado que, estando a parcela assegurada por regra estatal imperativa (note-se que a imperatividade da ordem jurídica heterônoma estatal trabalhista constitui a regra geral prevalecente no Direito Brasileiro), ela prevalece soberanamente, sem possibilidade jurídica de supressão ou restrição pela negociação coletiva trabalhista, salvo se a própria regra heterônoma estatal abrir espaço à interveniência da regra coletiva negociada. Nesse sentido, não cabe à negociação coletiva diminuir ou suprimir direito trabalhista estabelecido por regra estatal imperativa sem ressalvas. Saliente-se, ademais, que a circunstância de o direito trabalhista ter caráter patrimonial é irrelevante para considerá-lo disponível, pois tal concepção alarga em demasia a tese inserida no tema 1046 do STF e praticamente faz letra morta dos direitos inseridos no art. 7º, I ao XXXIV, da CF/88- muitos deles de natureza eminentemente /financeira/patrimonial. Ampliar dessa maneira a desregulamentação e/ou a flexibilização trabalhista, mesmo que por negociação coletiva, é esvair o conteúdo humanista e social imperativo, da CF/88 de 1988. Para avaliar a questão, primeiramente é preciso destacar que o ordenamento jurídico brasileiro adota, como regra geral, o critério do tempo à disposição para o computo da jornada de trabalho no País (CLT, art. 4º, caput). Assim, considera-se como componente da jornada de trabalho o tempo à disposição do empregador no centro de trabalho, independentemente de ocorrer ou não efetiva prestação de serviços. Isto é, a partir do momento em que o empregado ingressa no estabelecimento da empresa, encontra-se à disposição do empregador, passando desde já a se submeter ao poder hierárquico e ao regulamento da empresa.Atente-se que, no bloco do tempo à disposição, o Direito brasileiro engloba ainda dois lapsos temporais específicos: o período necessário de deslocamento interno, entre a portaria da empresa e o local de trabalho (Súmula 429/TST), ao lado do tempo residual constante de cartão de ponto (Súmula 366/TST). O tempo residual à disposição do empregador consiste nos momentos anteriores e posteriores à efetiva prestação de serviços, nos quais o trabalhador aguarda a marcação de ponto, mas já ingressou na planta empresarial - submetendo-se, portanto, ao poder diretivo empresarial. A regulação desse lapso temporal, originalmente, foi realizada pela prática jurisprudencial, OJ 23 da SDI-1/TST, de 1996 (hoje Súmula 366). Anos depois, tornou-se expressa no CLT, art. 58, § 1º, após a inserção feita pela Lei 10.243/2001: «§ 1º Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Observe-se que desde a vigência da Lei 10.243/2001 (Diário Oficial de 20.6.2001), a regra do tempo residual à disposição tornou-se imperativa, deixando de ser mera construção extensiva da interpretação jurisprudencial. Em consequência, tornaram-se inválidos dispositivos de convenções ou acordos coletivos de trabalho que eliminem o direito trabalhista ou estabeleçam regra menos favorável (como o elastecimento do limite de cinco minutos no início e no fim da jornada fixados na lei, ou dez minutos no total). Nesta linha, a OJ 372, SDI-I/TST, editada em dezembro de 2008 (que, em 2014, foi convertida na Súmula 449/TST). É certo que a Lei 13.467/2017 abriu seara flexibilizadora, via negociação coletiva trabalhista, nesse aspecto, por meio do novo art. 611-A, caput e, I, CLT. Na mesma direção, a Lei da Reforma Trabalhista também procurou excluir lapsos temporais anteriormente tidos como integrantes do conceito de tempo à disposição do empregador, conforme o disposto no novo § 2º do CLT, art. 4º. Adverte-se que, em qualquer caso, será imprescindível que o aplicador do Direito lance mão do princípio do contrato realidade para averiguar eventual situação de efetiva disponibilidade do trabalhador perante o seu empregador, ainda que em hipótese teoricamente passível de subsunção à regra do § 2º do CLT, art. 4º. A despeito disso, é inegável que, antes do expresso permissivo jurídico heterônomo a respeito da matéria, decorrente da Lei 13.467/2017, prevalece a natureza indisponível do direito, consagrada no art. 58, § 1º da CLT e pela pacífica jurisprudência desta Corte (Súmula 366/TST e Súmula 449/TST). Convém destacar, aliás, que a Suprema Corte, no julgamento do ARE 1.121.633 (tema 1046), asseverou a necessidade de se observar a jurisprudência consolidada do TST e do próprio STF no exame judicial dos limites da negociação coletiva e na definição dos direitos trabalhistas considerados indisponíveis, por pertencerem ao grupo de normas que estabelecem um patamar mínimo civilizatório dos trabalhadores. Na «tabela que sintetiza os principais julgados do TST e do STF, mencionada pelo Ministro Gilmar Mendes em seu voto, a Suprema Corte menciona e ratifica a jurisprudência pacífica desta Corte de que as regras que estabelecem o limite legal de 5 (cinco) minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho, não podem ser suprimidas ou alteradas por convenções coletivas. Nesse contexto, considerada a imperatividade da legislação trabalhista a respeito do tempo residual à disposição (CLT, art. 58, § 1º), bem como a jurisprudência consolidada desta Corte sobre a matéria (Súmula 366/TST e Súmula 449/TST), deve ser considerada inválida a norma coletiva que aumenta o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras (salientando-se que, no caso concreto, a situação fático jurídica é anterior à Lei 13.467/2017, quando, de fato, sequer existia qualquer expresso permissivo jurídico heterônomo a autorizar a incidência da criatividade normativa negocial). Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais ( CPC/1973, art. 557, caput; arts. 14 e 932, III e IV, «a «, do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido.... ()

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