Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ Habeas corpus. Decreto autônomo de prisão preventiva. Imputação de tentativa de feminicídio qualificado por motivo fútil, mediante asfixia e recurso que dificultou a defesa da vítima (Sueli), lesão corporal (vítima Sueli) e furto (vítima Ana Flavia). Writ que tece considerações sobre a imputação acusatória, questiona a fundamentação do decreto prisional e o binômio necessidade-conveniência da cautela, repercutindo os atributos favoráveis do Paciente. Destaca a ausência de contemporaneidade da custódia com os fatos narrados na denúncia e a afirmação da vítima Sueli, em AIJ realizada no dia 27.05.2024, no sentido de que não teme novas agressões por parte do Paciente, ressaltando, ainda, que a fase instrutória se encontra encerrada. Hipótese que se resolve em desfavor da impetração. Paciente que, em tese, de forma livre e consciente, com animus necandi, teria tentado asfixiar a vítima Sueli (sua sogra), utilizando-se de um cinto, fazendo ela perder a consciência por alguns minutos e desmaiar. O crime não teria se consumado por circunstâncias alheias à vontade do Paciente, já que a vítima, teria conseguido colocar as mãos entre o cinto e seu pescoço, além de proteger-se com os braços, conseguindo impedir não só o enforcamento, mas também que fosse atingida na cabeça com os golpes desferidos contra ela com uma barra de ferro. Além disso, o delito teria sido praticado por motivo fútil, pois o Paciente não aceitava que a vítima parasse de ajudar financeiramente ele e sua companheira Ingrid, situação que piorou após registro de ocorrência envolvendo agressões e injúrias entre esta e a irmã Ana Flavia (R.O. 996-01442/2022), fazendo com que ele desejasse vingança contra a família de Ingrid. Consta, ainda, o crime teria sido praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, já que esta se encontrava no quintal de sua residência, quando se deparou com o Paciente, que havia pulado o muro, o qual, de inopino, desferiu um soco contra ela e disse «hoje eu te peguei, vou te matar". Crime que também teria sido praticado contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, já que praticado no contexto de violência doméstica, contra a sogra. No mesmo contexto fático, o Paciente também teria, em tese, ofendido a integridade física da vítima Sueli, ao desferir contra ela diversos golpes com um vergalhão de aço corrugado, de 73cm de comprimento, e, depois, com uma correia, atingindo-a em várias partes do corpo, causando-lhe lesões corporais. Ainda nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o Paciente teria, em tese, subtraído, para si ou para outrem, uma carteira contendo documentos e cartões pertencentes à vítima Ana Flavia (sua cunhada), utilizando, posteriormente, um dos cartões para realizar diversas compras. Narra a denúncia que a vítima Sueli estava estendendo roupa no quintal de sua casa, quando se deparou com o Paciente no interior do imóvel, o qual desferiu um soco em seu rosto, fazendo-a desequilibrar e cair no chão, momento em que ele disse «hoje eu te peguei, vou te matar". Ato seguinte, o Paciente pegou uma barra de ferro com a qual desferiu golpes nas pernas, braços e costas da vítima, tentando atingi-la, também, na cabeça, mas esta conseguiu defender-se colocando os braços na frente do rosto. Logo após, o Paciente soltou a barra de ferro e passou a enforcar a vítima com um cinto, ocasião em que esta perdeu os sentidos e desmaiou por alguns minutos. Enquanto a vítima estava inconsciente, o Paciente subtraiu a carteira que estava dentro da bolsa da vítima Ana Flavia (sua cunhada). Quando a vítima Sueli recuperou os sentidos, o Paciente voltou a agredi-la com a barra de ferro, gritando «eu vou matar você, seu marido e sua filha, momento em que aquela começou a gritar por socorro e este fugiu pelo telhado. Posteriormente, a vítima Ana Flavia começou a receber notificações de compras realizadas com seu cartão. Impossibilidade manifesta de valoração aprofundada de provas e discussão antecipada do mérito da ação principal em sede de habeas corpus, o qual não pode ser substitutivo do processo de conhecimento e seus recursos inerentes. Decreto de cautela preventiva que há de explicitar fundamentação idônea e objetiva (CPP, § 2º do art. 312), fundada em elementos dispostos nos autos, devendo o julgador operar segundo os juízos concretos de pertinência e correlação, evitando evasividade de fundamentos à sombra de decisões genéricas, reprodução seca de trechos de atos normativos, conceitos jurídicos indeterminados ou precedentes invocáveis, num ou noutro sentidos (CPP, art. 315, §§ 1º e 2º). Decisão impugnada com fundamentação mínima aceitável, ao menos no que é estritamente essencial. Presença efetiva dos requisitos para a decretação da cautela, nos termos dos CPP, art. 312 e CPP art. 313. Gravidade concreta do fato, depurada segundo o modus operandi da conduta, que confere idoneidade à segregação cautelar para garantia da ordem pública (STF). Situação jurídico-processual que exibe peculiaridade fática de aguda reprovabilidade, capaz de neutralizar, em linha de princípio, benefícios penais futuros, afastando eventual cogitação favorável do princípio da proporcionalidade, até porque «só a conclusão da instrução criminal será capaz de revelar qual será a pena adequada e o regime ideal para o seu cumprimento, sendo inviável essa discussão nesta ação de habeas corpus (STJ). Viabilidade de decretação da custódia também por conveniência de instrução criminal, ciente de que, atendo às regras comuns de experiência cotidiana, hoje não mais se questiona que os crimes de tal natureza só são completamente elucidados quando os agentes investigados se acham presos, considerando os conhecidos entraves para se formalizar definitivamente os elementos de prova inerentes à espécie. Necessidade de se resguardar a segurança e a tranquilidade da Vítima, de sorte a viabilizar seu comparecimento em juízo e de dar sua livre e oportuna colaboração com o sistema de justiça, providência que guarda ressonância visceral na «Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder (Resolução ONU 40/34), prestigiada pela Resolução CNJ 253/18. Ressaltando-se que o procedimento do Júri é complexo e escalonado, de modo que, mesmo encerrada a fase instrutória na etapa inicial do processo de conhecimento, idêntica cautela há de persistir e ser estendida para a fase derradeira, a fim de resguardar o princípio da conveniência instrutória também em face do desdobramento instrutório posterior à pronúncia, em sede plenária (CPP, arts. 473 e segs.), cautela esta que não se afasta pelo simples relato da vítima no sentido de não mais temer o Paciente. Alegação de ausência de contemporaneidade que não merece prosperar. Fatos imputados que teriam ocorrido em 23.11.2022, sendo, após a conclusão das investigações, reunidos indícios suficientes de autoria e materialidade para o oferecimento da denúncia e a imposição da segregação corporal, decretada no dia 11.01.2024, e cumprida na data de 26.02.2024. Orientação do STJ no sentido de que «a contemporaneidade da prisão preventiva não está necessariamente ligada à data da prática do crime, mas sim à subsistência da situação de risco que justifica a medida cautelar (STF). Decisão impugnada que exibiu fundamentação concreta e idônea acerca da atualidade do periculum libertatis, não havendo falar-se em extemporaneidade do decreto constritivo. Daí a conclusão do STJ no sentido de que, «embora não seja irrelevante o lapso temporal entre a data dos fatos e o decreto preventivo, a gravidade concreta do delito obstaculiza o esgotamento do periculum libertatis apenas pelo decurso do tempo". Atributos pessoais supostamente favoráveis ao Paciente que não inibem a segregação cautelar, uma vez presentes seus requisitos. Custódia prisional que, afirmada como necessária e oportuna, afasta, por incompatibilidade lógico-jurídica, a cogitação de cautelares alternativas (STJ). Denegação da ordem.
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