Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE ESTUPRO EM CONTINUIDADE DELITIVA COMETIDOS NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA. 1)
Tratando-se de crimes sexuais, praticados geralmente às escondidas, e muitas vezes sem deixar vestígios, a palavra da vítima possui inestimável valor probatório. E, como no caso, quando coerente e harmônica com os demais elementos de prova, tem-se como decisiva para a condenação (precedentes). 2) Na espécie, ao depor em juízo, sob o crivo do contraditório, e de forma congruente com o relatado em sede policial, a vítima narrou que, pouco depois do início do casamento, o réu começou apresentar comportamento violento, forçando-a à prática de sexo oral e vaginal e a obrigando à cópula anal, por vezes com agressões físicas e aproveitando-se de sua impossibilidade de oferecer resistência em virtude do uso de antidepressivos e medicamentos para fibromialgia; além disso, em atitude obsessiva, clonou seu aparelho de telefone celular e vigiava seus horários de entrada e saída do trabalho, ameaçando-a e a agredindo quando ela manifestava o desejo de separação. 3) A narrativa da vítima é confirmada pelo testemunho da madrinha de sua filha, para quem a vítima confidenciou os abusos. No mesmo sentido deram-se os depoimentos de dois policiais civis que colheram declarações da vítima nos autos do inquérito instaurado para investigar o homicídio de sua filha. Ambos os policiais relataram que a vítima ¿ que comparecera em delegacia inicialmente para registrar o desaparecimento da filha adolescente ¿ aproveitando momento em que o réu não estava presente, acabou relatando os abusos sexuais sofridos. 4) A ocorrência dos crimes sexuais é ainda corroborada por prontuários de atendimento médico acostados aos autos, os quais consignam relatos de abusos feitos à equipe de acolhimento de saúde mental que, entre os anos de 2021 e 2023, atendeu a vítima no CAPs. Os referidos prontuários desmentem, a um só tempo, a versão do réu em autodefesa de que o casal vivia em harmonia e de que a acusação seria fruto de vingança da vítima pelo homicídio da filha, pois são anteriores ao desaparecimento da jovem. Outrossim, refutam a alegação da defesa segundo a qual a vítima teria criado uma história fantasiosa por sofrer delírios, porquanto seus problemas psiquiátricos concerniam ¿ não a transtornos delirantes ¿ mas à quadros de ansiedade e depressão após a doença e a morte da mãe e de uma irmã. 5) A alegação da defesa técnica de inexistência de corpo de delito para a comprovação da materialidade delitiva não rende êxito, pois conforme bem ressaltado no douto parecer ministerial, verbis, ¿Não tendo as relações sexuais abusivas deixado vestígios ¿ a vítima era mulher casada e os abusos ocorreram no decurso de muito tempo ¿ nada há para comprovar com laudo de conjunção carnal, motivo pelo qual este foi dispensado, na forma do art. 158, primeira parte, do CPP¿. 6) Não impressiona a existência de testemunhos de caráter favoráveis ao réu, conforme aponta a defesa técnica. Os oito depoentes, todos ouvidos em juízo como informantes, ao que se verifica de suas próprias palavras, não gozavam da intimidade do casal, de sorte que pudessem atestar o que se passava no recôndito do lar conjugal. Além disso, ao afirmarem que desconheciam possuir o réu um comportamento violento, demonstraram, efetivamente, pouco o conhecer, pois, ao ser interrogado em juízo, conquanto tenha negado os abusos sexuais contra a mulher, o próprio réu confessou o homicídio da filha da vítima. Na verdade, muito ao contrário do que uma suposta vingança por parte da vítima, o que se dessume dos autos é que a adolescente se interpunha nas agressões e incentivava a mãe a separar-se do réu e, quiçá por tal razão, foi por ele assassinada. 7) As circunstâncias dos crimes foram valoradas negativamente pelo juízo a quo, porquanto, a despeito de não ser possível aferir o grau de debilidade da vítima em cada ato sexual forçado, para vencer sua resistência o réu se aproveitava dos efeitos adversos de sedação e sono excessivo provocados pelos medicamentos controlados de que a vítima fazia uso. Na segunda fase da dosimetria, despropositada a alegação da defesa de que a incidência da agravante do CP, art. 61, II, e não teria sido fundamentada, porquanto a sentença menciona tratar-se o réu de marido da vítima. Outrossim, incide a agravante do CP, art. 61, II, f, atinente à existência de relação doméstica ou de coabitação, o que justifica o percentual de aumento efetuado pelo juízo a quo. Cabe salientar que ambas as circunstâncias estão expressamente narradas na inicial acusatória e restaram incontroversas nos autos. De todo modo, nos termos do CPP, art. 385, pode o julgador reconhecer agravantes genéricas mesmo não descritas na denúncia ou alegadas pela acusação, uma vez evidenciadas pela prova dos autos. 8) As custas processuais são consectário legal da condenação, conforme previsão expressa do CPP, art. 804, não infirmando sua imposição o benefício da gratuidade de justiça. A análise de suposta impossibilidade de pagamento compete ao Juízo da Execução Penal, nos termos da Súmula 74 deste Tribunal. Desprovimento do recurso.... ()
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