Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 964.0957.0192.7492

1 - TJRJ APELAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL POR DIVERSAS VEZES. RECURSO DEFENSIVO. PLEITO PRELIMINAR DE NULIDADE ABSOLUTA DA SENTENÇA, POR OMISSÃO QUANTO AO EVENTUAL CABIMENTO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS OU POR NÃO RENOVAÇÃO DA PROVA APÓS O DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA AO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. NO MÉRITO, REQUER A ABSOLVIÇÃO DO APELANTE POR FRAGILIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO.

As alegações de nulidade não prosperam. Ao revés do aduzido, a sentença contém todos os itens relacionados no CPP, art. 381, com expressa conclusão quanto ao juízo de censura do acusado pelos delitos de estupro de vulnerável descritos à inicial. Trata-se de condenação a pena de 18 anos de reclusão, por crime cuja violência é presumida, praticado em ambiente doméstico e com circunstâncias reconhecidamente negativas, sendo incabível a pretensão de substituição, nos termos do art. 44, I e III, do CP e do enunciado da Súmula 588/STJ. Tendo a sentença constatado a presença dos requisitos acima, por óbvio fica excluída qualquer diretriz incompatível ao viés decisório adotado. De outro lado, a competência foi declinada ao Juizado de Violência Doméstica por determinação deste Colegiado, de ofício, no julgamento do HC 0095821-60.2022.8.19.0000, que preservou os atos processuais até então praticados diante da possibilidade de sua convalidação. Consoante o pacífico posicionamento das Cortes Suprema e Superior de Justiça, o reconhecimento da incompetência do órgão não traz, por si só, a anulação dos atos praticados, cabendo ao juízo competente analisá-los e decidir se é o caso de ratificá-los por economia e celeridade processual - o que foi expressamente feito pelo magistrado a quo antes da sentença. Prejuízo não demonstrado, rejeitam-se as arguições preliminares. No mérito, a condenação do apelante encontra amplo esteio na prova produzida e minudenciada no corpo deste voto. Ouvida em juízo com o auxílio do Nudeca, a vítima expôs a dinâmica delitiva de forma contundente e descrevendo com riqueza de detalhes o atuar do acusado desde seus 6 anos de idade, que incluíam passar as mãos em suas partes íntimas, bumbum e seios, além de obrigá-la a tirar a roupa enquanto assistia a filmes pornográficos. Tudo em cenário de castigos e agressões físicas, inclusive para realização de atividades domésticas desde tenra idade (4 anos). Os relatos da infante foram coesos e firmes em todas as ocasiões em que ouvida nos autos - em depoimento especial perante o DECAV, durante o acompanhamento pela equipe do Conselho Tutelar e em Juízo, na modalidade de depoimento sem dano. Seus relatos encontram amplo esteio na prova oral colhida em juízo, mormente nos depoimentos do agente civil responsável por sua oitiva especial, do Conselheiro Tutelar, e da psicóloga que a acompanhou, os quais ressaltaram a narrativa detalhada da criança no sentido de que o réu mexia em sua «florzinha, por cima da roupa, nos seios, e pedia que tocasse em seu pênis ereto enquanto assistia filmes de conteúdo adulto. O contexto de violência e maus tratos foi também apresentado em juízo pelas demais testemunhas, parentes próximos, que sublinharam as agressões físicas e as punições por motivos fúteis, destacando que a criança não sabia ler nem escrever com 8 anos. Não é demais frisar que os crimes sexuais são praticados na clandestinidade e às escondidas, sem testemunha presencial, sendo imprescindível a descrição da vítima para apuração da verdade dos fatos. Sob esse prisma, a ata de depoimento especial da menor perante o DECAV (doc. 26), colhido em 18/11/2021, concluiu que «as declarações de S. L. P. não demonstraram contradições ou indícios de terem sido contaminadas (sugestionadas) por terceiros, tais narrativas parecem ter sido cercadas de realismo, demonstrando veracidade em relação aos fatos vivenciados pela criança e aqui abordados". O resultado negativo do laudo de exame de corpo de delito não destoa da prova oral como alega a defesa, ao contrário, considerando que em nenhum momento foi descrita a ocorrência de penetração. Não se olvide, ainda, que o delito em análise sequer exige a presença de vestígios para a sua consumação. A negativa dos fatos pelo réu resultou isolada nos autos, e a defesa não apresentou nenhum elemento capaz de ilidir a segura prova produzida ou demonstrar que a vítima seria capaz de inventar tais fatos, em tantos detalhes, caso não os tivesse vivenciado. Condenação pelo delito descrito no art. 217-A c/c o art. 226, II, por diversas vezes, n/f do art. 71, todos do CP, mantida. A dosimetria não foi objeto de insurgência defensiva, mas merece reparo com fundamento no princípio da ampla devolutividade recursal. Na primeira fase, andou bem o magistrado de piso quando recrudesceu a pena levando em conta as circunstâncias da prática criminosa, em cenário de agressões, castigos físicos constantes e humilhações, além de exposição à vítima a filmes totalmente impróprios a uma criança. O aumento em 1/8 é inclusive inferior ao normalmente aplicado em casos tais. De outro giro, a penalização na segunda fase pela agravante genérica prevista no CP, art. 61, II, «f configura bis in idem, por incidir sobre a mesma base ensejadora da causa especial de aumento de pena do art. 226, II do CP. Com efeito, a agravante visa punir com maior rigor os agentes que se utilizam de seus vínculos familiares ou de autoridade para perpetrarem os crimes, vínculo esse que, no caso, existiu justamente devido à condição de padrasto e enteada oriunda da relação de doméstica e coabitação entre ambos. A fração de 1/2 imposta na terceira etapa é a legalmente prevista no art. 226, II do CP e não enseja alterações. Por fim, embora evidenciada a prática reiterada do crime ao longo de um período de três anos, tratando-se de recurso exclusivo da defesa, permanece o aumento pela regra do CP, art. 71 em 1/5. A pena se estabiliza em 16 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão. Mantido o regime prisional fechado, nos termos do art. 33, § 2º, «a do CP, e a condenação ao pagamento de indenização à vítima, vez que houve pedido expresso na Denúncia, consoante disposto no CPP, art. 387, IV e que o delito pelo qual o condenado acusado dá ensejo a sua fixação, que se verifica in re ipsa. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.... ()

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