Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Execução. Penhora. Bem de família. Cláusulas restritivas. Existência de outros imóveis residenciais gravados com cláusula de impenhorabilidade. Inaplicabilidade da Lei 8.009/1990. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. Precedentes do STJ. Lei 8.009/1990, arts. 1º e 5º. CCB, art. 70. CCB/2002, art. 1.711, e ss.

Postado por Emilio Sabatovski em 17/11/2011
«... II. Dos limites da proteção conferida pela Lei 8.009/90

O homem, em vivência social, depende, antes de mais nada, da célula familiar, onde ele encontra segurança e conforto e onde forma seu espírito com preceitos morais e éticos.

Mas, para que possa se estruturar, esse organismo familiar necessita de um lar, um patrimônio mínimo capaz de garantir sua existência.

Nesse contexto se insere a Lei 8.009/90, que visa a resguardar o denominado bem de família, um conjunto mínimo de elementos materiais tidos como indispensáveis à manutenção e sobrevivência da célula familiar.

Nos termos do art. 1º, § único, da Lei 8.009/90, o bem de família


«compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados».

Conforme anota Álvaro Villaça Azevedo, o instituidor é o próprio Estado,


«que impõe o bem de família, por norma de ordem pública, em defesa da célula familial. Nessa lei emergencial, não fica a família à mercê de proteção, por seus integrantes, mas é defendida pelo próprio Estado, de que é fundamento». (Bem de Família. São Paulo: RT, 2002, 5ª ed., p. 167).

Com efeito, uma das prioridades do Estado deve ser a preservação do organismo familiar. Cada família que se desconjunta, cada família que se vê esbulhada a ponto de temer sua própria conservação, causa, ou pelo menos deveria causar, um sentimento de responsabilidade ao Estado, cujo dever é de proteção geral aos indivíduos, intervindo, sempre, para coibir os excessos, para impedir a colisão de interesses, acentuando a salvaguarda dos coletivos mais do que dos particulares.

Assim, deve ficar claro que a finalidade da Lei 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas sim abrigar a família, evitando a sua desarticulação.

O alerta é de suma importância porque, não raro, deparamo-nos com devedores que manipulam as garantias da lei em proveito próprio e não da família, utilizando o instituto com o propósito único e premeditado de não pagarem suas dívidas.

Essa preocupação, aliás, foi manifestada já na própria exposição de motivos da Lei 8.009/90, tendo o então Min. da Justiça, Saulo Ramos, ressalvado que «a proteção assim estabelecida é ampla e reclama cuidados especiais da norma que a institui».

Como se vê, a interpretação da Lei 8.009/90 deve sempre ser feita com foco na preservação da célula familiar, coibindo toda sorte de artifícios empregados na tentativa de alargar a proteção almejada pelo legislador, em especial quando evidenciado o intento de blindar o patrimônio do devedor, impedindo ou dificultando a satisfação dos credores.

III. Da interpretação do art. 5º, § único, da Lei 8.009/90

Dispõe o art. 5º, § único, da Lei 8.009/90, que


«na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do artigo 70 do Código Civil».

a. Dos precedentes do STJ

Esta Corte já teve a oportunidade de apreciar a questão, tendo afirmado que «a regra do parágrafo único do art. 5. da Lei 8.009/90 incide apenas quando houver prova da existência de outros imóveis destinados à moradia, de menor valor». (REsp 151.186/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 29.06.1998. Em igual sentido: REsp 184.450/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 17.12.1999; e REsp 37.452/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ de 09.05.1994).

Ainda em relação a esta norma, há precedentes, inclusive de minha lavra, consignando que «é possível considerar impenhorável o imóvel que não é o único de propriedade da família, mas que serve de efetiva residência». (REsp 650.831/RS, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 06.12.2004. No mesmo sentido: REsp 121.727/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 15.12.1997; e REsp 435.357/SP, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 03.02.2003).

Entretanto, nenhum desses julgados, tampouco aqueles trazidos pelo recorrente, aborda a hipótese específica dos autos, qual seja, o fato dos demais imóveis, não indicados como bem de família, não servirem de moradia para a família do devedor (apesar de parte deles ser residencial), tampouco para a satisfação da dívida executada, inclusive por estarem gravados com cláusulas restritivas.

b. Da hipótese dos autos

Conforme bem esclarece o acórdão recorrido,


«os devedores têm garantia de abrigo, pois são proprietários de diversos imóveis (...). Analisando-se a documentação acostada na inicial deste instrumento, anota-se que os imóveis, exceto por aquele que se procura penhorar, não asseguram ou não podem assegurar a execução. Alguns são pequenos apartamentos ou vagas de garagem que, visivelmente, não satisfarão o crédito exeqüendo, cujo principal, sem falar dos consectários processuais, é da ordem de R$ 901.116,05 (...). Outros estão em condomínio e, assim, não constituem reserva patrimonial exclusiva dos devedores. Outros, finalmente, foram recebidos por sucessão e estão gravados com cláusulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Dos imóveis recebidos por sucessão, intangíveis por disposição vitalícia de última vontade, dois de natureza residencial estão reservados exclusivamente para os devedores». (fls. 296) (grifei).

Muito embora o recorrente tente, em suas razões, desmentir tais alegações, sua pretensão não encontra trânsito nesta via especial, por depender do revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, circunstância que esbarra no óbice na Súmula 07 do STJ.

Dessa forma, as considerações até aqui tecidas nesse item podem ser resumidas em duas premissas: (i) a apreciação deste especial está jungida à realidade fática tal qual delineada pelas instâncias ordinárias; e (ii) tanto os precedentes alçados a paradigma quanto os transcritos linhas acima não se amoldam à situação específica dos autos, de modo que não servem de dissídio.

Diante disso cumpre confrontar as particularidades da espécie com o espírito da norma, a fim de encontrar a interpretação mais adequada a ser dada ao parágrafo único do art. 5º da Lei 8.009/90, na sua aplicação à hipótese dos autos.

Como visto, o propósito da Lei 8.009/90 é a defesa da célula familiar. O escopo da norma não é proteger o devedor, mas sim o bem estar da família, cuja estrutura, por coincidência, pode estar organizada em torno de bens pertencentes ao devedor. Nessa hipótese, sopesadas a satisfação do credor e a preservação da família, o fiel da balança pende para o bem estar desta última.

Nesse contexto, ao se definir qual imóvel será encampado pela impenhorabilidade da Lei 8.009/90, deve-se sempre priorizar a opção feita pela família. Não é à toa que a norma determina que a impenhorabilidade recaia sobre «o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar», bem como, havendo mais de um imóvel residencial, faculta a escolha, pela família, de qual será preservado, mediante registro.

Contudo, os excessos devem ser coibidos, justamente para não levar o instituto ao descrédito.

Assim, a legitimidade da escolha do bem destinado à proteção da Lei 8.009/90, feita com preferência pela família, deve ser confrontada com o restante do patrimônio existente, sobretudo quando este, de um lado se mostra incapaz de satisfazer eventual dívida do devedor, mas de outro atende perfeitamente às necessidades de manutenção e sobrevivência do organismo familiar.

No particular, o devedor é proprietário, entre outros bens e afora a casa onde reside, da integralidade de outros dois imóveis residenciais, recebidos por sucessão e gravados com cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Ora, a finalidade da cláusula restritiva da propriedade se assemelha, até certo ponto, à da própria Lei 8.009/90, visando a preservar o patrimônio a que se dirige, para assegurar à entidade familiar, sobretudo aos pósteros, uma base econômica e financeira segura e duradoura.

Portanto, a despeito de já possuir 02 (dois) imóveis protegidos por cláusula de impenhorabilidade, o recorrente optou por não morar em nenhum deles, adquirindo um outro bem, sem sequer registrá-lo em seu nome, onde reside com sua família e que também pretende ver alcançado pela impenhorabilidade.

Em outras palavras, o recorrente deseja ver resguardado, por cláusula de impenhorabilidade, 03 (três) bens imóveis, todos de natureza residencial, enquanto seu credor amargura um crédito que, atualmente, ultrapassa R$1.000.000,00 (um milhão de reais) e que não tem outros meios de ser satisfeito.

Evidentemente, tal pretensão fere de morte qualquer senso de justiça e equidade, além de distorcer por completo os benefícios vislumbrados pelo legislador ao editar a Lei 8.009/90.

De fato, possuindo imóveis residenciais já gravados com cláusula de impenhorabilidade, não pode o devedor estender essa proteção a um terceiro imóvel, em detrimento do credor.

Nem se diga que tal solução estaria a privar o recorrente de escolher sua moradia, uma vez que, demonstrada a conveniência, poderá alienar os bens clausulados e adquirir outros, os quais, de acordo com o art. 1.911, § único, do CC/02 (que, nesse ponto, manteve a essência do art. 1.677 do CC/16), «o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições impostas aos primeiros».

Dessa forma, a decisão do Tribunal a quo afigura-se acertada e não ofende a nenhum dos dispositivos legais invocados pelo recorrente, razão pela qual não merece qualquer ajuste. ...» (Minª. Nancy Andrighi).»

Doc. LegJur (117.7174.0000.4600) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Execução (Jurisprudência)
Penhora (Jurisprudência)
Bem de família (v. Penhora ) (Jurisprudência)
Cláusulas restritivas (Jurisprudência)
Impenhorabilidade (Jurisprudência)
Cláusula de impenhorabilidade (Jurisprudência)
Lei 8.009/1990, art. 1º (Legislação)
Lei 8.009/1990, art. 5º (Legislação)
CCB, art. 70
CCB/2002, art. 1.711, e ss.
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