Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Execução. Penhora. Hipoteca. Bem de família. Renúncia. Oferecimento em garantia hipotecária. Benefício da entidade familiar. Renúncia à impenhorabilidade. Boa-fé do devedor. Fiança em favor do filho em contrato de compra e venda. Família. Conceito. Entidade familiar. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. Lei 8.009/1990, art. 3º, V. CF/88, art. 226, § 4º.

Postado por Emilio Sabatovski em 15/01/2012
... I. Da impenhorabilidade do imóvel hipotecado. Violação do art. 3º, V, da Lei 8.009/90.

De acordo com o art. 3º, V, da Lei 8.009/91, a impenhorabilidade é oponível em processos de execução civil, salvo se movido para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

Os recorrentes alegam que a dicção do mencionado inciso V limita-se ao crédito que favorece a família e não abrange situações de favor, quando o proprietário figura como fiador de terceiros. (fl. 132, e-STJ).

O TJ/SP refutou a tese dos recorrentes, afirmando que o imóvel foi dado espontaneamente em garantia, não se podendo alegar a impenhorabilidade, sob pena de violação ao princípio da boa-fé, que norteia os contratos. (fl. 126, e-STJ).

(i) Da delimitação da controvérsia.

Tendo em vista o óbice contido na Súmula 07/STJ, que veda o reexame de provas nesta instância extraordinária, o panorama fático deve ser recomposto unicamente a partir das circunstâncias admitidas como incontroversas pelas partes e do delineamento realizado pelo acórdão recorrido.

Nesse sentido, conforme admitem os próprios recorrentes, eles figuram como fiadores em contrato de compra e venda de uma papelaria adquirida por seu filho, Eder Franco, tendo garantido a dívida com a hipoteca do único imóvel que possuem e que lhes serve de residência (fl. 132, e-STJ).

Quanto a essa última assertiva, de que o imóvel hipotecado seria o único bem dos recorrentes, tomo-a por incontroversa, visto não haver impugnação da recorrida, tampouco notícia quanto à produção de prova em sentido contrário.

Por outro lado, considero igualmente incontroversa a afirmação da recorrida, no sentido de que o filho dos embargantes, adquirente da micro empresa (...), reside no imóvel dado em hipoteca, em companhia de seus pais. (fl. 36, e-STJ), pois também não foi refutada pela parte adversa.

Finalmente, o TJ/SP consigna ter o imóvel sido dado espontaneamente em garantia. (fl. 126, e-STJ), afastando a tese de início defendida pelos recorrentes, de que teria havido erro ou dolo na celebração do negócio.

Em suma, portanto, tem-se que: (i) os recorrentes voluntariamente ofereceram em garantia hipotecária seu único imóvel, onde residem com seu filho; e (ii) o bem foi dado em garantia de dívida assumida por seu filho, oriunda da aquisição de um estabelecimento comercial.

(ii) Da renúncia da impenhorabilidade pelos beneficiários.

No escólio de Álvaro Villaça de Azevedo (2010), o bem de família consiste em um patrimônio especial, amparado por um benefício de natureza econômica, com o escopo de garantir a sobrevivência da família, em seu mínimo existencial, como célula indispensável à realização da justiça social. (Bem de família, 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 93).

Arnaldo Marmitt (1995) complementa esse raciocínio, anotando que o instituto objetiva o amparo da entidade familiar, com os interesses da prole e do lar acima dos valores creditícios. Ao imunizar determinados bens da penhora, quer o legislador integrá-los no conceito de dignidade familiar, preservando a família, que tem em conta de bem jurídico superior. (Bem de família. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 19).

A despeito disso, a impenhorabilidade do bem de família é acidental e pode ser afastada pelos beneficiários, de modo tácito ou explícito, fazendo prevalecer a regra geral, que é a penhorabilidade dos bens.

Nesse contexto, o art. 3º, V, da Lei 8.009/91 traduz hipótese clara de ato tendente ao afastamento da impenhorabilidade: ao manifestarem a vontade de oferecer o bem de família em garantia hipotecária, os beneficiários evidenciam, ainda que de forma implícita, sua intenção de liberar o bem da prerrogativa legal, desde que, em sintonia com o entendimento do STJ, a dívida tenha sido constituída em favor da entidade familiar.

Cabem, mais uma vez, os ensinamentos de Álvaro Villaça de Azevedo, para quem se a situação do bem de família não retira de seu titular a possibilidade de aliená-lo, porque esse imóvel é, somente, impenhorável, nada impede que seja o mesmo oferecido em garantia hipotecária. Conclui, então, que não seria justo que, favorecendo esse mesmo titular, devedor hipotecário, não pudesse o credor satisfazer-se de seu crédito, sobre o objeto da garantia ofertada. (op. cit., p. 211).

(iii) Dos precedentes do STJ.

Esta Corte já teve a oportunidade de analisar situações análogas à dos autos, tendo consolidado o entendimento de que a exceção do art. 3º, inciso V, da Lei 8.009/90, que permite a penhora de bem dado em hipoteca, limita-se à hipótese de dívida constituída em favor da família, não se aplicando ao caso de fiança concedida em favor de terceiros. (REsp 268.690/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 12.03.2001. No mesmo sentido: REsp 1.022.735/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 18.02.2010; e AgRg no Ag 1.126.623/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010).

Constata-se, pois, que no entendimento do STJ, nas hipóteses em que houver o oferecimento de imóvel em garantia hipotecária, a impenhorabilidade do bem de família somente estará comprometida se a dívida objeto dessa garantia tiver sido assumida em benefício da própria entidade familiar.

(iv) Da hipótese dos autos.

Na hipótese específica dos autos, a dívida objeto da garantia hipotecária foi tomada por Eder Franco, filho dos recorrentes, que reside junto com esses no imóvel que se alega ser bem de família.

A CF/88 ampliou o conceito de família, inserindo em seu art. 226 a figura jurídica da entidade familiar. Nos termos do § 4º do referido dispositivo legal, a entidade familiar compreende, entre outras, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Assim, se a CF/88 reconhece como entidade familiar a família monoparental – reunião de apenas um dos genitores e de seus descendentes – com muito mais razão deve se incluir nesse conceito legal também a família tradicional, composta por ambos os pais e sua prole.

É certo, portanto, que a dívida em questão foi assumida em prol da entidade familiar, composta pelo casal de recorrentes e por seu filho.

Vale acrescentar, por oportuno, que a proteção conferida ao bem de família deve sempre levar em consideração a conduta dos respectivos beneficiários. A boa-fé do devedor é determinante para que se possa socorrer do favor legal, reprimindo-se quaisquer atos praticados no intuito de fraudar credores ou retardar o trâmite dos processos de cobrança.

Conforme leciona Ana Marta Zilveti (2006), nos tempos atuais, marcados por dificuldades de crédito e grande endividamento, é necessário pensar em mecanismos atenuadores, mas que possam também garantir o recebimento do crédito pelo credor, para que não haja a institucionalização do famoso ganha mas não leva. (Bem de família. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 237).

Com efeito, a tendência moderna de propagação de normas propensas ao equilíbrio das relações sociais e negociais deve obrigatoriamente vir acompanhada, como contrapartida, da coibição de abusos que impliquem reversão da situação de desequilíbrio, colocando o credor à mercê do devedor.

No caso dos recorrentes, é incontroverso que o oferecimento do imóvel – repise-se, em garantia de dívida assumida em benefício da entidade familiar – se deu de forma voluntária, ciente dos riscos do negócio.

Ademais, o fato de o imóvel dado em garantia ser o único bem da família – circunstância que os próprios recorrentes fizeram questão de ressaltar – foi certamente sopesado ao oferecê-lo em hipoteca, sabedores de que o ato implicaria renúncia à impenhorabilidade. Assim, não se mostra razoável que agora, ante à sua inadimplência, os recorrentes usem esse fato como subterfúgio para livrar o imóvel da penhora. A atitude contraria a boa-fé ínsita às relações negociais, pois equivale à entrega de uma garantia que o devedor, desde o início, sabia ser inexequível, esvaziando-a por completo.

Por fim, saliento que o acórdão alçado a paradigma pelos recorrentes, REsp 302.281/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. p/ acórdão Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 22.03.2004, não se amolda à situação existente nos autos, pois cuida de hipótese em que a hipoteca foi dada para garantia de empréstimo contraído pela empresa, da qual é sócio o titular do bem, onde reside a sua família.

No particular, a dívida não foi assumida por pessoa jurídica, mas por pessoa física que compõe a própria entidade familiar.

Em suma, constata-se que o imóvel em questão foi espontaneamente oferecido em garantia hipotecária pelos recorrentes, que estavam cientes dos riscos inerentes a esse ato, sobretudo que implicaria renúncia à sua impenhorabilidade, tendo o praticado assim mesmo, em benefício da entidade familiar, de sorte que inexiste ofensa ao art. 3º, V, da Lei 8.009/90 e, por via de consequência, justificativa para anular a constrição imposta ao bem. ... (Min. Nancy Andrighi).

Doc. LegJur (12.2601.5001.5600) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Execução (Jurisprudência)
Penhora (Jurisprudência)
Hipoteca (v. Bem de família ) (Jurisprudência)
Bem de família (v. Hipoteca ) (Jurisprudência)
Garantia hipotecária (v. Bem de família ) (Jurisprudência)
Entidade familiar (v. Bem de família ) (Jurisprudência)
Renúncia (v. Impenhorabilidade ) (Jurisprudência)
Impenhorabilidade (v. Bem de família ) (Jurisprudência)
Boa-fé do devedor (v. Impenhorabilidade ) (Jurisprudência)
Fiança (v. Impenhorabilidade ) (Jurisprudência)
Renúncia (v. Bem de família ) (Jurisprudência)
Família (v. Bem de família ) (Jurisprudência)
Entidade familiar (v. Bem de família ) (Jurisprudência)
Conceito (Jurisprudência)
    Lei 8.009/1990, art. 3º, V (Legislação)
CF/88, art. 226, § 4º
LegJur: A Ferramenta Essencial para Advogados Modernos
Transforme seu escritório de advocacia com informações legais atualizadas e relevantes!

Olá Advogado(a),

Você já pensou sobre o tempo e os recursos que gasta pesquisando leis, jurisprudências e doutrinas para os seus casos? Já se imaginou otimizando esse processo de forma eficiente e segura?

Então, temos algo em comum. O LegJur foi criado pensando em você, no advogado moderno que não pode se dar ao luxo de perder tempo em um mercado tão competitivo.

Por que o LegJur é a solução que você precisa?

1. Conteúdo Atualizado: Nosso banco de dados é atualizado constantemente, oferecendo as informações mais recentes sobre legislações, súmulas e jurisprudências.

2. Fácil Acesso: Uma plataforma simples e intuitiva que você pode acessar de qualquer dispositivo, a qualquer momento. Seu escritório fica tão flexível quanto você.

3. Busca Inteligente: Nosso algoritmo avançado torna sua pesquisa rápida e eficaz, sugerindo temas correlatos e opções para refinar sua busca.

4. Confiabilidade: Nosso time de especialistas trabalha incansavelmente para garantir a qualidade e a confiabilidade das informações disponíveis.

5. Economia de Tempo: Deixe de lado as horas de pesquisa em múltiplas fontes. Aqui, você encontra tudo o que precisa em um só lugar.

Invista no seu maior capital: o tempo

Você já deve saber que o tempo é um dos ativos mais preciosos na advocacia. Utilize o LegJur para maximizar sua eficiência, oferecendo ao seu cliente uma consultoria de alto nível fundamentada em informações confiáveis e atualizadas.

Depoimentos

"O LegJur transformou a forma como faço minha pesquisa jurídica. Agora, posso concentrar-me mais no desenvolvimento de estratégias para meus casos e menos na busca de informações."
— Maria L., Advogada

Não perca mais tempo! Torne-se membro do LegJur e eleve sua prática jurídica a um novo patamar.

Faça parte da evolução na advocacia. Faça parte do LegJur.

Assinatura Mensal

Acesso Total ao Site com Débito Automático no Cartão de Crédito

R$ 19,90

À vista

1 mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 29,90

Parcele em até 3x sem juros

3 meses

Equilave a R$ 26,63 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 79,90

Parcele em até 6x sem juros

6 meses

Equilave a R$ 21,65 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 129,90

Parcele em até 6x sem juros

12 meses + 2 meses de Brinde

Equilave a R$ 15,70 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 219,90

Parcele em até 6x sem juros