Jurisprudência em Destaque
STJ. 4ª T. Responsabilidade civil. Dano moral. Consumidor. Propaganda. Publicidade. Ação de cobrança, cumulada com indenização por danos morais. Contratação de empréstimo junto a instituição financeira. Depósito de importância a título de primeira prestação. Crédito mutuado não concedido. Atribuição de responsabilidade civil ao prestador do serviço e à rede de televisão que, em programa seu, apresentara propaganda do produto e serviço. «publicidade de palco». Características. Finalidade. Ausência de garantia, pela emissora, da qualidade do bem ou serviço anunciado. Mera veiculação publicitária. Exclusão da lide. Considerações do Min. Aldir Passarinho Júnior sobre o tema. Precedente do STJ. CDC, arts. 3º, 12, 14, 18, 20, 36, parágrafo único, e 38. CPC, art. 267, VI. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927.
Com isso quer-se dizer que, hoje, dispondo o público alvo de inúmeros canais na programação, seja convencional, a cabo ou ambas, pelos quais pode navegar a um simples toque no teclado do comando eletrônico do aparelho, prender a sua atenção tornou-se um desafio.
Daí porque, dentre as novas espécies de propaganda veiculadas em televisão surgiu a chamada «publicidade de palco», espécie de comercial ao vivo, na qual a mensagem do anunciante, em lugar de ser gravada, é promovida pelo próprio apresentador do programa ou outra pessoa. Essa propaganda, usualmente, tem um tempo estipulado pela emissora e limite de texto, de acordo com a grade do programa, e é realizada na linguagem característica do apresentador e do respectivo «show».
Há outra variação, ainda dentro da «publicidade de palco», que é o «comercial chamado», pelo qual o apresentador, utilizando-se de um texto menor, às vezes jocoso, chama a atenção do telespectador para um comercial que é exibido a seguir, porém sempre dentro do bloco do programa, que também pode ser seguido de um comentário de finalização pelo mesmo apresentador.
Igualmente é considerada como «publicidade de palco» o «merchandising», que tem lugar dentro do programa para fins de memorização de marca, «slogans», etc, usualmente empregando estímulos visuais e textuais, ações conceituais, eventos especiais, sem rigorosa limitação de tempo e texto. Exemplo disso é uma distribuição de brindes de determinado produto à platéia, com um prêmio de viagem inserido em um deles.
Existe, mais, na mesma categoria de «publicidade de palco», o formato comercial de patrocínio de quadros específicos do programa, que é divulgado no bloco, antes e depois da apresentação do quadro.
Verifica-se, portanto, que a inserção de propaganda em programas de televisão, particularmente nas apresentações «ao vivo», é, presentemente, praxe comum, ditada pelas exigências de um mercado dinâmico e mutante.
Isso, todavia, não tem absolutamente o condão de modificar a natureza da coisa. Ela é o que é: uma propaganda. E, como tal, há de se distinguir o anunciante, do veículo de mídia que divulga o anúncio.
A responsabilidade pelo produto ou serviço anunciado é daquele que o confecciona ou presta, e não se estende à televisão, jornal ou rádio que o divulga. A participação do apresentador, ainda que este assegure a qualidade e confiabilidade do que é objeto da propaganda, não o torna garantidor do cumprimento das obrigações pelo anunciante.
A tese sufragada pelo acórdão a quo está em atribuir à emissora de televisão uma parceria, um coempreendedorismo que não existe nem em contrato, nem na lei. Os jornais, revistas, rádio e televisão têm despesas elevadas e auferem sua receita da propaganda que veiculam. Não são instituições bancárias e financeiras, operadoras de cartões de crédito, de telefonia, fábricas de automóveis, de produtos de beleza e vestuário, empresas de aviação, planos de saúde, etc. Esses anunciam, e as empresas de comunicação, por seus veículos, publicam ou transmitem os anúncios.
Destarte, a denominada «publicidade de palco» não implica a corresponsabilidade da empresa de televisão pelo anúncio divulgado. E o apresentador está, ali, como se dizia no passado, atuando como «garoto-propaganda», e não na qualidade de avalista formal, por si ou pela empresa de comunicação, do êxito do produto ou serviço para o telespectador que vier no futuro a adquiri-los.
No caso dos autos, a inicial refere que o autor buscou um empréstimo - e aí a petição é dúbia pois assere que a finalidade seria a compra de automóvel e depois fala em casa própria (cf. e-STJ fl. 4) - e apesar de depositar R$ 400,00 na conta da 1ª ré, Megainvest Emp. e Part. Ltda, e enviar a documentação correspondente, o valor do mútuo não foi creditado em sua conta corrente, inobstante a promessa contida no anúncio veiculado em programa do apresentador Gilberto Barros, de que o prazo para tanto era de quinze dias.
Verifica-se, portanto, que a alegada falha diz respeito ao produto caracterizado pelo empréstimo e à prestação do serviço de concessão do mútuo, de responsabilidade da 2ª ré, Megainvest, que é a instituição financeira contratada, e só ela, para a operação creditícia, atividade, inclusive, inteiramente alheia ao objeto social da 1ª ré. A 1ª ré, Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda, atuou, via «publicidade de palco», exclusivamente como veiculadora da propaganda, nada além.
E esse é o sentido do Código de Defesa do Consumidor, quando qualifica o fornecedor no art. 3º. Em seu art. 12, ao dispor sobre a «responsabilidade pelo fato do produto e do serviço» (Seção II), aponta «o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador», «por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos». Da mesma forma, em relação ao «fornecedor de serviços», atribui-lhe a responsabilidade, no art. 14, quanto a «informações insuficientes ou inadequadas». E, mais adiante, na Seção III, ao tratar da «responsabilidade por vício do produto e do serviço» a mesma Lei 8.078/1990, no art. 18, também indica, textualmente, que «Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem» por disparidades ocorrentes entre os bens e a «mensagem publicitária», por igual o fazendo o art. 20, referente ao «fornecedor de serviços» e discrepância destes com a «mensagem publicitária».
Em suma, em nenhuma dessas normas é responsabilizado aquele que veicula a propaganda. Ele não é fornecedor, nem tem relação de consumo com o telespectador adquirente do produto ou serviço. Esta é a situação da 1ª ré, Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda.
Por fim, em harmonia com o que se disse, rezam os arts. 36, parágrafo único, e 38 da Lei 8.078/1990, que:
«Art. 36. Omissis
Parágrafo único - O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem».
(...).
Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina» (destaquei).
A interpretação dada, pois, pelo Tribunal de Justiça a quo, não encontra respaldo na legislação pertinente e, com a máxima vênia, não se mostra razoável, ainda acarretando como consequência o próprio desaparecimento da chamada «propaganda de palco», posto que é fácil imaginar o alto risco na posição de uma empresa de comunicações que passaria a arcar com a corresponsabilidade por todos os produtos e serviços anunciados, sem que pudesse intervir em seu controle de qualidade e auferir lucros pela venda respectiva.
Apreciando hipótese assemelhada, concernente a ação civil pública movida pelo Ministério Público paulista contra o jornal «O Estado de São Paulo», com o fim de impor-lhe proibição de veicular, sob pena de multa, anúncios de terceiros que oferecessem crédito com taxa de juros superior a 12% ao ano, a Egrégia 3ª Turma, assim se pronunciou:
«RECURSO ESPECIAL - PREQUESTIONAMENTO - INOCORRÊNCIA - SÚMULA 282/STF - FALTA DE COMBATE AOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO - APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 182 - PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSUMIDOR - VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO - EVENTUAL PROPAGANDA OU ANÚNCIO ENGANOSO OU ABUSIVO - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE - CDC, ART. 38 - FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS.
I - Falta prequestionamento quando o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão recorrido.
II - É inviável o recurso especial que não ataca os fundamentos do acórdão recorrido. Inteligência da Súmula 182.
III - As empresas de comunicação não respondem por publicidade de propostas abusivas ou enganosas. Tal responsabilidade toca aos fornecedores-anunciantes, que a patrocinaram (CDC, Arts. 3º e 38).
IV - O CDC, quando trata de publicidade, impõe deveres ao anunciante - não às empresas de comunicação (Art. 3º, CDC).
V - Fundamentação apoiada em dispositivo ou princípio constitucional é imune a recurso especial.»
(3ª Turma, REsp 604.172/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, unânime, DJ 21.05.2007)
Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, para excluir da lide a Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda, por ilegitimidade de parte, nos termos do art. 267, VI, do CPC, condenando o autor ao pagamento da metade das custas e a honorários advocatícios, que fixo em 5% (cinco por cento) do valor atualizado da causa, verba suspensa em face da assistência judiciária de que frui. Afasto, também, a multa imposta à recorrente, nos termos da Súmula 98 do STJ. ...» (Min. Aldir Passarinho Júnior).»
Doc. LegJur (12.2601.5001.6300) - Íntegra: Click aqui
Referências:
Responsabilidade civil (Jurisprudência)
Dano moral (Jurisprudência)
Consumidor (Jurisprudência)
Publicidade (Jurisprudência)
Propaganda (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Ação de cobrança (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Empréstimo (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Instituição financeira (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Rede de televisão (v. Propaganda ) (Jurisprudência)
Propaganda (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Publicidade de palco (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
CDC, art. 3º
CDC, art. 12
CDC, art. 14
CDC, art. 18
CDC, art. 20
CDC, art. 36, parágrafo único
CDC, art. 38
CPC, art. 267, VI
CF/88, art. 5º, V e X
CCB/2002, art. 186
CCB/2002, art. 927
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