Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Ação civil pública. Consumidor. Compra e venda. Tradição. Conferência de mercadorias na saída do estabelecimento comercial, após regular pagamento. Exercício do direito de vigilância e proteção do patrimônio. Mero desconforto. Abusividade da conduta não comprovada. Ausência de violação ao princípio da boa-fé. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre a conferência de mercadorias adquiridas pelos consumidores e a boa-fé nas relações de consumo. CDC, arts. 4º, I, 51, IV, 81, parágrafo único, III, 82, I e 91. CCB, art. 620. CCB/2002, arts. 113, 1.267. Lei 7.347/1985, art. 1º.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/02/2012
... II – Conferência de mercadorias adquiridas pelos consumidores e a boa-fé nas relações de consumo. Violação dos arts. 113 do CC/02 e dos arts. 4º, I, e 51, IV, do CDC

A segunda linha de argumentos contida no recurso especial volta-se contra a conclusão adotada pelo TJ/SP no sentido de que


a abordagem na saída do supermercado é conduzida de modo corriqueiro, não agindo o funcionário de forma reprovável e temerariamente, com respeito, não colocando os clientes sob suspeição ou constrangimento perante o público que se encontra no interior do estabelecimento. Ao contrário, a medida torna possível uma compra segura, evitando que o leitor ótico do caixa registre mais de uma vez, constando mais de um produto, em caso de um apenas (e-STJ fls. 744/745).

A recorrente defende, contudo, a tese de que o comportamento da empresa recorrida viola os arts. 113 do CC/02 e 51, IV, do CDC, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, além de ser incompatível com a boa-fé. (e-STJ fl. 833). Nesses termos, o consumidor é a princípio tratado como potencial autor de crime, para somente depois da conferência ser considerado inocente e poder sair livremente com as mercadorias de sua propriedade. (e-STJ fl. 834), razão pela qual o exercício da atividade econômica por parte da empresa não é realizado com o devido respeito à vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, CDC). (e-STJ fl. 835).

Dentro dessa perspectiva, é possível verificar que as violações alegadas neste tópico estão interligadas, uma vez que todas partem do pressuposto de que a conduta do recorrido atenta contra a boa-fé que deve nortear as relações de consumo, em especial face à vulnerabilidade do consumidor e à impossibilidade de infligir-lhe desvantagens exageradas.

Antes de passar à análise dos argumentos apresentados pelo recorrente, contudo, julgo necessária uma pequena digressão a respeito da teleologia do sistema representado pelo CDC, especialmente no que se refere às normas cuja violação é apontada neste recurso especial. De acordo com José Geraldo Brito Filomeno - um dos autores do anteprojeto do CDC -, o complexo normativo do CDC foi idealizado como instrumento para harmonizar as relações de consumo, de maneira a favorecer, na medida do possível, o tratamento igualitário entre as partes:


Embora se fale das necessidades dos consumidores e do respeito à sua dignidade, saúde e segurança, proteção de seus interesses econômicos, melhoria da sua qualidade de vida, já que sem dúvida são eles a parte vulnerável no mercado de consumo, justificando-se dessarte um tratamento desigual para partes manifestamente desiguais, por outro lado se cuida de compatibilizar a mencionada tutela com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, viabilizando-se os princípios da ordem econômica de que trata o art. 170 da Constituição Federal, e educação – informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e obrigações.


(GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 7ª Ed., 2001, p. 17 – destaques no original)

Assim, embora haja o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo – art. 4º, I, do CDC – os direitos a ele conferidos pela legislação consumeirista não são absolutos, razão pela qual sua aplicação deve ser analisada sempre com as vistas voltadas ao desejável equilíbrio da relação estabelecida entre o consumidor e o fornecedor. A proteção da boa-fé nas relações de consumo, portanto, não implica necessariamente favorecimento indiscriminado do consumidor, em detrimento de direitos igualmente outorgados ao fornecedor.

O acórdão recorrido não ignora as premissas acima mencionadas, pois reconhece que a necessidade de conciliar harmoniosamente o princípio da livre iniciativa, previsto no art. 1º, IV, da Constituição Federal, reiterado no art. 170, caput, e o princípio da livre empresa (...), com o da defesa do consumidor, disposto no inciso V, em conformidade com as regras da justiça social. (e-STJ fl. 744).

De fato, a solução do presente impasse passa pela verificação dos limites de ordem teleológica ou social impostos tanto ao fornecedor quanto ao consumidor. Assim, é inevitável constatar que as dificuldades da vida moderna e as próprias características das relações comerciais impõem aos grandes estabelecimentos comerciais a utilização de equipamentos ou de sistemas de segurança, que visam eliminar a prática de atos ilícitos e, por via indireta, atuam na proteção do próprio consumidor durante o período de compras ou utilização dos serviços.

Qualquer consumidor habituado a frequentar esses grandes estabelecimentos comerciais tem consciência dos equipamentos e procedimentos utilizados pelos fornecedores no exercício de seu direito de vigilância e proteção do patrimônio, sem que se possa cogitar de má-fé do fornecedor por conta do recurso a esses mecanismos, atualmente bastante difundidos, compreendidos e aceitos pela grande maioria dos consumidores.

Ante a realidade dos fatos, é necessário conciliar os direitos fundamentais dos consumidores, entre eles o direito à intimidade e à privacidade, com o direito do fornecedor de utilizar meios idôneos para a defesa de seu patrimônio, que também é garantido constitucionalmente. É dentro dessa perspectiva que a espécie dos autos deve ser analisada.

Na hipótese em exame, a prática considerada abusiva pelo recorrente é incontroversa. Conforme relata o acórdão recorrido, trata-se de conferência das compras dos clientes que adquiram mercadorias em suas lojas, após a aquisição nas caixas registradoras e antes da saída do estabelecimento. (e-STJ fl. 743), a que se sujeitam todos os consumidores, indistintamente.

O implemento de medidas que tragam segurança aos estabelecimentos comerciais, contudo, é lícito e, como visto, insere-se no exercício regular do direito de vigilância e proteção do patrimônio. A mera vistoria das mercadorias, na saída do estabelecimento, não configura ofensa automática à boa-fé do consumidor. Tampouco é capaz de impor-lhe desvantagem desmedida ou representa desrespeito à sua vulnerabilidade – desde que, evidentemente, essa conferência não atinja bens de uso pessoal, como por exemplo bolsas e casacos, ou envolva contato físico. A revista deve ser restrita às mercadorias adquiridas no estabelecimento e não pode ultrapassar os limites da urbanidade e civilidade. Não há nos autos, no entanto, qualquer informação no sentido de que o recorrido tenha deixado de observar essas condições.

Cuida-se, portanto, de um mero desconforto, a que os consumidores hodiernamente se submetem. Como bem apontou a decisão proferida pelo TJ/SP, não se nega que para alguns, com sensibilidade mais acentuada, a revista feita nas mercadorias, após o pagamento, poderia se constituir em eventual motivo a desagrado, o que, entretanto, não implica em ter-se o fato como caracterizador de invasão da privacidade ou da intimidade de quem quer que seja. (e-STJ fl. 750).

De fato, sem que haja compreensão mútua e tolerância às pequenas vicissitudes cotidianas, a vida em sociedade será cada vez mais difícil. No julgamento do REsp 604.620/PR, já tive a oportunidade de afirmar que


pequenos dissabores e contrariedades, normais na vida em sociedade, não são indenizáveis. Imprescindível asseverar que na vida em sociedade as pessoas tem que se submeter a certas situações inevitáveis, sob pena de se tornar impossível tal convivência, ainda mais nos dias de hoje. Nessa linha de raciocínio, existem situações que se consubstanciam em aborrecimentos comuns do cotidiano moderno, não suscetíveis de indenização. São situações, certamente, desagradáveis, que geram aborrecimentos, mas que, no entanto, são inevitáveis e não passíveis de qualquer reparação (REsp 604.620/PR, 3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 13/3/2006).

Como resultado de todas essas considerações, verifica-se que o recorrente almeja ver a violação de normas infraconstitucionais em situações nas quais há, apenas, a prevalência de uma interpretação razoável a respeito da prática comercial adotada pelo recorrido. Vale ressaltar que o reconhecimento de ofensa a literal disposição de lei somente se dá quando dela se extrai conclusão desarrazoada, o que, como visto, não é o caso dos autos. ... (Minª. Nancy Andrighi).

Doc. LegJur (121.1135.4000.7700) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Ação civil pública (Jurisprudência)
Consumidor (Jurisprudência)
Compra e venda (Jurisprudência)
Tradição (v. Compra e venda ) (Jurisprudência)
Conferência de mercadorias (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Exercício do direito de vigilância (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Proteção do patrimônio (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Mero desconforto (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Abusividade da conduta (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Princípio da boa-fé (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Boa-fé (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
CDC, art. 4º, I
CDC, art. 51, IV
CDC, art. 81, parágrafo único, III
CDC, art. 82, I
CDC, art. 91
CCB, art. 620
CCB/2002, art. 113
CCB/2002, art. 1.267
(Legislação)
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