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STJ. 2ª T. Ação civil pública. Ordem econômica. Concorrência. Antitruste. Portos. Tarifa de armazenagem. Carga pátio. Cobrança abusiva. Princípio da boa-fé objetiva. Considerações do Min. Hermann Benjamin sobre a cobrança da «tarifa de armazenamento de 15 dias» na perspectiva da proteção da ordem econômica. Lei 8.884/1994, art. 7º, II. Lei 8.630/1993, art. 12. Lei 7.347/1985, art. 1º, V. CCB/2002, art. 422.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/02/2012
... 2. A cobrança da tarifa de armazenamento de 15 dias na perspectiva da proteção da ordem econômica

O setor de Portos passa a ostentar sua conformação atual com a promulgação da Lei 8.630/1993, também chamada Lei da Modernização dos Portos, que estabeleceu o regime de Direito Público da operação portuária por meio de terminais públicos e privativos, estes de uso exclusivo e misto. Trata-se de atividade estratégica essencial ao desenvolvimento econômico do País, a qual recebe profundos influxos da Administração.

Regulação, em essência, engloba toda forma de organização da atividade econômica através do Estado, seja a intervenção através da concessão de serviço ou o exercício de poder de polícia (Calixto Salomão Filho, Regulação da Atividade Econômica [Princípios e Fundamentos Jurídicos]. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 15), ou ainda significa a atividade estatal mediante a qual o Estado, por meio de intervenção direta ou indireta, condiciona, restringe, normatiza ou incentiva a atividade econômica de modo a preservar a sua existência, assegurar o seu equilíbrio internou ou atingir determinados objetivos públicos como a proteção de hipossuficiências ou a consagração de políticas públicas (Floriano de Azevedo Marques Neto, A Nova Regulação dos Serviços Públicos. In.: Revista de Direito Administrativo. 228. abr./jun. 2002, p. 13-30).

Entre as políticas de prevenção e repressão dos ilícitos anticompetitivos e a organização da atividade econômica pelo Estado, verifica-se a existência de espaços abertos não regulados e também a possibilidade de produção de efeitos disciplinares e organizacionais mediante medidas antitruste.

A intervenção da disciplina concorrencial sobre mercados regulados se legitima quando destinada a eliminar regulação desnecessária, a minimizar distorções competitivas nos espaços onde a regulação se faz necessária e a garantir o cumprimento de objetivos regulatórios legítimos. De fato, em nenhum momento a legislação infraconstitucional afasta a incidência da norma concorrencial na atividade portuária. Ao contrário e em consonância com o que foi dito acima, v.g., o inciso VI do §1º do art. 30 da Lei 8.630/93 estabelece que um dos objetivos do Conselho da Autoridade Portuária é zelar pelo cumprimento das normas de defesa da concorrência.

Amparando-se nessas premissas, é legítima a intervenção consciente do Poder Judiciário sobre mercados regulados, com base em normas concorrenciais.

No caso dos autos, afirma-se que a cobrança da tarifa em questão constituiria infração da ordem econômica pelo emprego do exercício abusivo de posição dominante, tendente a prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa.

Para que se constate violação, portanto, é necessário apurar se existe efetiva posição de dominância da recorrente, mediante análise do mercado relevante, tanto em sua vertente de produto, quanto no aspecto territorial. Devem ser consideradas a) as diferentes modalidades de terminais e os distintos regimes de remuneração de atividade; b) a competição entre os portos e entre portos, TRAs e EADIs e c) finalmente toda a moldura regulatória e a legitimidade da política normativa adotada, à luz dos escopos da regulação.

A decisão recorrida assentou que exerce o requerido posição dominante naquele mercado geográfico, de tal sorte que prejudica a livre concorrência no mercado de armazenagem de cargas (fl. 733-STJ), identificando um problema relevante baseado em perspectiva coordenada regulatória e concorrencial.

Mas abro um parêntese. É preciso deixar claro que a posição dominante não gera, por si só, um ilícito. Empresas que alcançaram elevados percentuais de participação de mercado a partir de atividades de P&D e da geração de eficiências jamais podem ser penalizadas sob a ótica antitruste. O que se veda é o exercício abusivo dessa posição por meio de condutas anticompetitivas, destinadas, v.g., a limitar ou a impedir o acesso de novas empresas no mercado e a criar dificuldades à constituição, funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente (Lei 8.884/1994, arts. 20, I e IV, e 21, IV e V). A decisão do Tribunal a quo deve ser compreendida com essas ressalvas.

No mais, o acórdão atacado se coaduna com a constatação de que a fixação da tarifa retira dos usuários o interesse em que produtos sejam desembaraçados em locais distintos dos portos, em decorrência da possível duplicação da cobrança de tarifas de armazenagem (fl. 904-STJ).

Frise-se também que a recorrente não se desincumbiu do ônus de explicar eventual política setorial que legitimasse a cobrança da tarifa e justificasse a imunidade antitruste. O art. 12 da Lei 8.630/93 não parece trazer essa justificativa e autorizar a cobrança de tarifas que possam desvirtuar a concorrência no setor. O dispositivo determina a cobrança por armazenagem de mercadorias como contraprestação por serviço efetivamente prestado no período em que essas lhe estejam confiadas ou quando tenha controle ou uso exclusivo de área do porto onde se acham depositadas ou devam transitar. Caso a cobrança exceda os limites legais com prejuízo à concorrência, fica caracterizada violação (inclusive ao princípio da boa-fé objetiva) passível de repressão pelo Poder Judiciário.

Por essa razão, é legítimo afirmar ser abusiva a cobrança, contratual ou não, por produtos ou serviços total ou parcialmente não prestados, exceto quando patente inequívoca razão de ordem social.

Ratifico, portanto, os termos do acórdão da Quarta Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, amparado no conciso e tecnicamente preciso voto da Eminente Relatora Marga Inge Barth Tessler – uma das mais respeitadas magistradas do Brasil – e respectiva ementa, merecedores de encômios:


1. A cobrança de tarifa de armazenagem pela apelada sobre carga pátio constitui-se em cobrança sobre carga ainda não recebida, posto que não armazenada, que se encontra na área demarcada pela Receita Federal, de sua jurisdição.


2. Assim, afigura-se irrelevante a maior ou menor modicidade da cobrança da tarifa de armazenagem após a privatização do serviço, em relação aos valores praticados anteriormente, até porque não está em julgamento a privatização do serviço portuário. Mas antes o momento de incidência da tarifa de armazenagem.


3. É abusiva a cobrança de tarifa de armazenagem de carga de 15 dias por parte da empresa que explora serviço portuário em regime de concessão ou permissão, pois não se pode cobrar por um serviço que não foi prestado.


4. Uma tarifa cobrada indevidamente e de forma sistemática, sob o argumento da sua anterioridade e habitualidade, ainda em franca contrariedade com Instrução Normativa da Receita Federal, e que encarece toda a cadeia produtiva, incontestavelmente ofende os princípios reitores da Ordem Econômica (...) (fl. 734-STJ).

Nessa perspectiva, a distinção entre carga pátio e carga armazenada tem razão de ser, especialmente se observada pela perspectiva concorrencial: o regime de trânsito aduaneiro e a limitação da tarifação de permanência, nesses casos, se justificam especialmente para viabilizar a competição no setor de armazenamento (e ulterior desembaraço) entre zonas primárias e secundárias nos portos.

Tampouco me parece adequado examinar a questão pela ótica da excessividade ou não do valor da tarifa. Não bastasse a dificuldade de estabelecer critérios objetivos para a caracterização do preço abusivo pela perspectiva antitruste (cfr. sobre o tema o julgamento das averiguações preliminares 08012.000295/1998-92 e 08012.003648/1998-05, no Cade, disponível em www.cade.gov.br), o ponto aqui seria o efeito do repasse da tarifa em debate para o custo do serviço de armazenagem do produto e sua possível duplicação quando o importador prefere se valer da armazenagem em portos secundários.

Compete então ao órgão regulador atribuir regime tarifário para o armazenamento de carga pátio, que, por se tratar de serviço efetivamente prestado pelos Portos, deve ser remunerado; porém, não nos mesmos termos e patamares da tarifa de armazenagem de carga de 15 dias. Tal fato deverá ser levado em consideração para a fixação do montante indenizatório pretendido pelo recorrido.

Para qualquer outro aprofundamento da análise do tema, seria necessário examinar os fatos que permeiam a definição do mercado relevante e o impacto da tarifa sobre o share de cada um dos participantes do mercado de armazenagem, inviável em razão da incidência da Súmula 7/STJ.

Dessa forma, não apresentados fundamentos para alteração do julgado do Tribunal a quo, nego provimento ao Recurso Especial. ... (Min. Hermann Benjamin).

Doc. LegJur (121.1135.4000.9100) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Ação civil pública (Jurisprudência)
Ordem econômica (v. Ação civil pública ) (Jurisprudência)
Concorrência (Jurisprudência)
Antitruste (Jurisprudência)
Porto (Jurisprudência)
Portos (Jurisprudência)
Tarifa de armazenagem (v. Portos ) (Jurisprudência)
Carga pátio (v. Porto ) (Jurisprudência)
Cobrança abusiva (v. Porto ) (Jurisprudência)
Boa-fé objetiva (Jurisprudência)
Princípio da boa-fé objetiva (Jurisprudência)
(Legislação)
(Legislação)
(Legislação)
CCB/2002, art. 422
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