Jurisprudência em Destaque

STJ. 2ª T. Ensino superior. Administrativo. Ações afirmativas. Política de cotas. Autonomia universitária. Matéria infraconstitucional em face de descrição genérica do art. 207 da CF/88. Definição de políticas públicas de reparação. Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. Processo seletivo de ingresso. Fixação de critérios objetivos legais, proporcionais e razoáveis para concorrer a vagas reservadas. Impossibilidade do poder judiciário criar exceções subjetivas. Observância compulsória do princípio da segurança jurídica. Considerações do Min. Humberto Martins sobre as ações afirmativas. Lei 9.394/1996, arts. 19 e 53. CF/88, arts. 3º, 5º e 207. Dec. 65.810/1969 (Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial).

Postado por Emilio Sabatovski em 08/03/2012
«... 5. DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

O conceito de «ações afirmativas» surgiu no início do século XX, com o ativismo judicial da Suprema Corte dos Estados Unidos da América (EUA). Entretanto, como será demonstrado, as decisões daquele Tribunal no final do século XIX e no início do século XX não apresentavam a distinção entre igualdade e isonomia, nem observam o princípio do convívio solidário.

A exigência de igualdade formal desconsidera as desigualdades fáticas que a realidade nos mostra, podendo ser bem ilustrada a sua forma obtusa pelo princípio do «equal treatment» dos EUA que Ronald Dworkin conceitua, no seu artigo We do not have right to liberty, in Stewart, Readings in Social & Political Philosophy, 1996:188, como mesma distribuição de bens e oportunidades a que todos possuem ou foram concedidos.

Assim, todo e qualquer estatuto que busca a implementação e a realização de Direitos Fundamentais deve tomar como rule of law o princípio da isonomia, e não o princípio da igualdade, pois aquele trata igualmente ou iguais e desigualmente os desiguais nas medidas das suas desigualdades.

O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, in Discriminação Racial e Decisão Judicial, publicado no sítio http://bdjur.STJ.gov.br, faz um resumo histórico da evolução do princípio da igualdade para o princípio da isonomia, afirmando que, em 1880, no caso Strauder vs. West Virginia, Justice Strong, que conduziu a maioria, anotou que a 14ª Emenda era uma provisão constitucional, dentre outras, com o objetivo de assegurar aos negros o gozo de direitos civis que são desfrutados pelas pessoas de cor branca, garantindo tais direitos sempre que ameaçados pelos estados.

Dezesseis anos depois, em 1896, no caso Plessy vs. Fergusson, a Corte manteve uma lei do Estado de Louisiana que estabeleceu igual em qualidade, mas separada, acomodação nos transportes para negros e brancos. Nasceu a chamada doutrina da separação com igualdade («separate but equal») .

O Poder Judiciário dos EUA entendeu, neste caso, que o objetivo da 14ª Emenda é, indubitavelmente, realizar a plena igualdade das duas raças diante da lei, mas a emenda não teve a intenção de abolir as distinções baseadas na cor.

A lei, entendeu a maioria da Corte, permite a separação, o que não significa inferioridade de nenhuma raça em relação a outra, sendo, de resto, tal matéria da competência dos Estados no exercício do seu poder de polícia. Justice Harlan, dissentido, acentuou que sob a Constituição e as leis não existe nenhuma raça superior; nenhuma casta. Para ele, a arbitrária separação dos cidadãos em razão de sua cor, nos transportes, é inconsistente com as liberdades civis e com a igualdade diante da lei estabelecida na Constituição.

Em 1954, com o caso Brown vs. Board of Education, com voto condutor do Chief Justice Warren, vem o precedente que teve maior repercussão.

A questão enfrentava, na verdade, o precedente Plessy vs. Fergusson, aplicado pelas cortes inferiores, com base na doutrina «separate but equal», ou seja, há igualdade de tratamento quando as raças têm substancialmente as mesmas facilidades, embora tais facilidades sejam separadas. No caso, questionava-se a matrícula de pessoa de cor negra em escolas públicas para brancos. Chief Justice Warren rememorou os precedentes sobre a matéria, mostrou que a educação era a mais importante função do Estado e dos governos locais, concluindo que a segregação de negros e brancos em escolas públicas tinha um efeito prejudicial para as crianças da cor negra, com grande impacto diante de previsão legal, denotando a inferioridade da raça negra.

E mais ainda, que a segregação sancionada pela lei tende a retardar a educação e o desenvolvimento mental das crianças negras, além de privá-las de alguns benefícios que poderiam receber com uma escola racialmente integrada. E arrematou em definitivo: a doutrina «separate but equal» na educação pública não tem lugar e qualquer disposição do caso Plessy vs. Fergusson contrária a isso está rejeitada.

Posteriormente, a Corte enfrentou a execução do caso e adotou a expressão muito criticada, diante das dificuldades práticas da integração, «with all deliberate speed».

Esse exemplo da jurisprudência da Corte Suprema dos Estados Unidos serve bem ao propósito de identificar o direito de igualdade - da igualdade de todos perante a lei -, no campo da discriminação racial, menos ao Direito positivo, de existência de leis protetivas, do que a uma interpretação da disciplina jurídica positiva a partir da Constituição e dos tratados dos quais somos signatários.

É claro que o nosso país, pela sua própria formação étnica, não se defronta com os mesmos problemas enfrentados pelos Estados Unidos. Mas é preciso não esquecer que as diferenças raciais não podem e não devem ser relegadas a um plano secundário, ainda mais, considerando os aspectos dominantes da vida internacional moderna, a dita globalização.

Neste contexto de reparação a danos causados a grupos sociais, raciais ou étnicos, foi ratificada pelo Brasil em 27.3.1968 a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, integrada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 65.810/69.

Este Tratado, bem antes da nossa Constituição Federal de 1988, já exigia da República Federativa do Brasil, no item 1 do artigo II, a adoção de ações positivas de reparação social (ações afirmativas) aos grupos étnicos, sociais ou raciais que sofreram ao longo do tempo tratamento desigual que impediu o seu desenvolvimento econômico, social e cultural e a sua integração total à sociedade circundante.

Ações afirmativas são medidas especiais tomadas como o objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais, sociais ou étnicos ou indivíduos que necessitem de proteção e que possam ser necessárias e úteis para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que, tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.

Tais ações tornam-se eficazes nos campos social, econômico, cultural e outros, como medidas especiais e concretas para assegurar o convívio, o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos sociais, raciais ou étnicos com o objetivo de garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.

Essas medidas não deverão, em caso algum, ter a finalidade de manter direitos desiguais ou distintos para os diversos grupos sociais, étnicos, raciais, depois de alcançados os objetivos em razão das quais foram tomadas.

Martina Thomasberger afirma, no seu artigo Gleichbehandlung im Arbeitsrecht,publicadoinhttp://www.voegb.at/bildungsangebote/skripten/ar/AR-07.pdf, que:


«Der Begriff affirmative action stammt aus den USA. Praktiker/innen haben den Begriff weltweit aufgegriffen und ausgebaut. Eine positive Maßnahme muss auf ein konkretes, genau festgelegtes Ergebnis gerichtet und verbindlich sein. Sie muss aber immer den Grundsatz der Verhältnismäßigkeit wahren. Eine positive Maßnahme zielt auf eine höhere Beteiligung von benachteiligten Gruppen auf allen Ebenen der Hierarchie, der Funktionen und Tätigkeitsbereiche. Positive Maßnahmen sollen Praktiken korrigieren, die diskriminierende Folgen für die Beschäftigung der betroffenen Personen haben. Sie müssen wegen der Zielgenauigkeit „maßgeschneidert« sein, daher sind die Maßnahmen so vielfältig wie die Organisationen, in denen sie gesetzt werden. Die Bandbreite reicht von personalpolitischen Maßnahmen in Organisationen (Betrieben, Verwaltung) bis zu staatlichen Maßnahmen unterschiedlichster Art. (Beispiel: Arbeitsmarktpolitik). Die positive Aktion ist immer vorübergehend, bis das gesetzte Ziel der besseren Beteiligung erreicht ist.»

A autora ilustra que o termo «ação afirmativa» surgiu nos Estados Unidos da América, sendo que os juristas assumiram o conceito que se expandiu-se globalmente. A ação positiva deve ser direcionada para um resultado bem definido e específico e ser autêntica, mas deve sempre ser respeitado o princípio da proporcionalidade. Representa uma medida positiva no sentido de aumentar a participação dos grupos desfavorecidos em todos os níveis da hierarquia das funções e atividades. A ação positiva existe para corrigir práticas que têm um efeito discriminatório sobre o emprego das pessoas em causa, devendo ser adaptada para a exatidão do «alvo», portanto as medidas podem ser tão variadas quanto as organizações em que estão colocadas. Elas vão desde as políticas de recursos humanos nas organizações (empresas, administração) até as políticas públicas de vários tipos de trabalho, por exemplo. A ação positiva é sempre temporária, vige até que a meta estabelecida de uma participação maior seja alcançada.

A nossa Constituição Federal/88, posteriormente à Convenção, listou no seu artigo 3º os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, eis o texto:


«Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II - garantir o desenvolvimento nacional;


III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;


IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.»

Eles representam o arcabouço normativo que norteia todas as ações positivas do Estado para minorar as desigualdades e as garantias das raças, etnias e grupos sociais colocados à margem do pregresso e do desenvolvimento.

Ressalte-se que as ações afirmativas devem ser compatibilizadas com os bens culturais dos grupos que serão beneficiados. Caso contrário, estar-se-ia veladamente buscando a aniquilação do grupo vulnerável. ...» (Min. Humberto Martins).»

Doc. LegJur (121.4235.0000.2000) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Administrativo (Jurisprudência)
Ensino (Jurisprudência)
Ensino superior (Jurisprudência)
Ações afirmativas (v. Ensino superior ) (Jurisprudência)
Política de cotas (v. Ensino superior ) (Jurisprudência)
Autonomia universitária (v. Ensino superior ) (Jurisprudência)
Cotas (v. Ensino superior ) (Jurisprudência)
Egressos de instituição pública (v. Ensino superior ) (Jurisprudência)
Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. (Jurisprudência)
(Legislação)
(Legislação)
CF/88, art. 3º
CF/88, art. 5º
CF/88, art. 207
(Legislação)
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