Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Consumidor. Ensino superior. Repetição de indébito. Cobrança do valor integral de mensalidade de ensino, mesmo quando o consumidor cursa poucas disciplinas. Impossibilidade. Cláusula abusiva. Abusividade. Princípio da proporcionalidade. Princípio da equidade. Princípio da boa-fé objetiva. Princípio da função social do contrato. Considerações do Min. Luis Felipe salomão sobre as novas tendências no campo contratual. Precedentes do STJ. CDC, arts. 4º, III e 51. CCB/2002, arts. 421 e 422.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/03/2012
... 3.1. Inicialmente, cumpre observar que Sergio Cavalieri Filho anota as novas tendências no campo contratual, consignando que - atualmente - o contrato é visto como expressão de cooperação entre as partes, sendo que a ideia que deve prevalecer é a de um equilíbrio razoável da relação jurídica, em todos os seus aspectos (formais, materiais, econômicos e éticos):


A abordagem tradicional do direito contratual é antagonista, isto é, via o contrato como uma combinação das vontades de duas partes para proteger apenas os interesses específicos de cada uma delas. Celebrado o contrato, cada contratante buscava dele extrair o máximo proveito possível, indiferente à situação econômica do outro contratante e aos efeitos sociais que a avença viesse a produzir. Em suma, salve-se como puder.


A visão moderna enfatiza de modo crescente o contrato como uma expressão de cooperação entre duas partes, que sempre dura um tempo considerável e envolve não apenas seus exclusivos interesses, mas também os de terceiros. O contrato é visto e avaliado como mais como forma e ferramenta de cooperação, com o objetivo de atingir resultados de acordo com os propósitos do contrato.


Com efeito, na sociedade contemporânea o contrato deve cumprir sua função social, o que só se consegue com o adimplemento das obrigações convencionais. Com isso, se obtém a circulação de riquezas e mantém-se a economia girando. Assim, cada contratante tem, em relação ao outro, legítimas expectativas econômicas, que se satisfazem quando do cumprimento das prestações criadas.


O que os contratantes desejam (ou devem desejar) é que o contrato cheque ao seu fim, sem percalços, desincumbindo-se, cada parte, de suas respectivas prestações. Assim, extinto o contrato, terá cumprido a sua função social, fazendo circular as riquezas e satisfazendo as legítimas expectativas das partes.


Cada contrato descumprido é uma frustração da finalidade a que ele se destina, seja na finalidade interna - para os contratantes que querem o adimplemento-, seja na finalidade externa - manter riqueza circulando.


Fácil concluir, portanto, que os interesses dos contratantes não são antagônicos ou conflitantes mesmo depois da celebração do contrato, mas, pelo contrário, convergentes. Por esta razão, repita-se, a concepção moderna do contrato enfatiza o caráter de cooperação entre os contratantes. Para isso, entretanto, será preciso que as partes prestigiem a boa-fé, o dever de informar, a lealdade recíproca e outros deveres anexos, não só quando da celebração do contrato, mas também durante toda a sua execução.


[...]


Em conclusão: o ponto de vista atual do contrato é social. A sua principal função é criar uma cooperação social saudável. A sociedade atual luta por liberdade com igualdade (substancial), ou seja, por solidariedade, por justiça social. Estamos deixando a era dos direitos declarados, para ingressarmos na dos direitos concretizados. Nesse novo contexto, as pedras angulares do novo Direito contratual são a equidade e a boa-fé. Daí, o recrudescimento e a valorização do aspecto sinalagmático da relação jurídica. Não mais se conforma a sociedade com a igualdade formal dos contratantes, pura e simplesmente. Ao contrário, deseja muito mais do que isso; pretende o reequilíbrio, o balanceamento total da relação, inclusive e principalmente no que respeita aos seus aspectos éticos.


Não se entenda, todavia, que as novas tendências contratuais se colocam contra vantagens ou contra o lucro, o que não é verdadeiro. A nova tendência contratual se opõe - e, aí sim, de modo contundente - contra os excessos, os exageros, os abusos. Destarte, a ideia que deve prevalecer é a de um equilíbrio razoável da relação jurídica, em todos os seus aspectos (formais, materiais, econômicos e éticos).


A nova concepção dos contratos repudia, de modo veemente e absoluto, a lesão, o prejuízo não razoável. A primazia não é mais da vontade, mas sim da justiça contratual. (CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 3 ed.: Atlas, São Paulo, 2011, ps. 114-117)

De fato, a moderna doutrina, ao adotar a concepção do vínculo obrigacional como relação dinâmica, revela o reconhecimento de deveres secundários, ou anexos, que incidem de forma direta nas relações obrigacionais, prescindindo da manifestação de vontade dos participantes e impondo às partes o dever de zelar pelo cumprimento satisfatório dos interesses da outra parte, vista no direito moderno como parceira contratual.

Lembro, nesse sentido, o magistério de Fernando Noronha, para quem tanto os deveres principais como os secundários são dirigidos à realização de prestações específicas predetermináveis, sendo os primeiros aqueles que caracterizam a obrigação e sendo os segundos respeitantes a prestações outras, mas ainda diretamente ligadas à realização das primeiras (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 78).

Por sua vez, Clóvis do Couto e Silva assevera que:


A medida da intensidade dos deveres secundários, ou anexos, é dada pelo fim do negócio jurídico. Mas, tal finalidade, no que toca à aplicação do princípio da boa-fé, não é apenas o fim da atribuição, de que normalmente se fala na teoria da causa. Por certo, é necessário que essa finalidade seja perceptível à outra parte. Não se cuida, aí, de motivo, de algo psicológico, mas de um plus que integra o fim da atribuição e que está com ele intimamente relacionado. A desatenção a esse plus torna o adimplemento insatisfatório e imperfeito. (COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2008, p. 41).

Consoante o escólio de Pietro Perlingieri, a obrigação não se identifica no direito ou nos direitos do credor; ela configura-se cada vez mais como uma relação de cooperação, implicando uma mudança abissal de perspectiva no sentido que a obrigação deixa de ser considerada estatuto do credor, pois a cooperação, e um determinado modo de ser, substitui a subordinação e o credor se torna titular de obrigações genéricas ou específicas de cooperação ao adimplemento do devedor. (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 212).

Nesse ponto, convém registrar, também, o magistério de Cláudia Lima Marques, para quem a boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. I, p. 106-107.)

3.2. Portanto, não é razoável a exigência de que o aluno pague o valor total da mensalidade, pois não há equivalência na contraprestação da ré, na medida em que a carga horária não é proporcional ao valor cobrado.

Tal conduta fere a boa-fé objetiva, que deve reger a ação das partes da relação contratual.

Destarte, a previsão contratual e/ou regimental que imponha o pagamento integral da mensalidade, independentemente do número de disciplinas que o aluno cursar, mostra-se abusiva, por trazer vantagem unilateral excessiva para a fornecedora de serviço de educacional.

Ademais, é conveniente observar que, a par da boa-fé objetiva, os princípios da função social do contrato, equivalência material (também denominado princípio da proporcionalidade) e do equilíbrio, que também informam as relações consumeristas, igualmente vedam a referida conduta:


O inciso III do art. 4º do CDC aponta a harmonização dos interesses dos partícipes das relações de consumo, que, como vimos acima, tem fundamento nos princípios maiores da isonomia e solidariedade.


Essa harmonização nasce, então, fundada na boa-fé e no equilíbrio.


Vejamos, na seqüência, esses dois outros princípios.


[...]


A boa-fé estampada no inciso III referido é princípio da Lei 8.078. Retornará no art. 51 como cláusula geral (inciso IV).


A que a lei consumerista incorpora é a chamada boa-fé objetiva, diversa da subjetiva.


A boa-fé subjetiva diz respeito à ignorância de uma pessoa acerca de um fato modificador, impeditivo ou violador de seu direito.


[...]


Já a boa-fé objetiva, que é a que está presente no CDC, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, como pretendem alguns, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, há um desequilíbrio de forças. Entretanto, para chegar a um equilíbrio real, somente com a análise global do contrato, de uma cláusula em relação às demais, pois o que pode ser abusivo ou exagerado para um não o será para outro.


A boa-fé objetiva funciona, então, como um modelo, um standard, que não depende de forma alguma da verificação da má-fé subjetiva do fornecedor ou mesmo do consumidor.


Deste modo, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes.


[...]


Pois bem. O standart da boa-fé objetiva é um desses topos fundamentais que, inserido no contexto lingüístico dos operadores do direito, estudiosos da sociedade capitalista contemporânea, no Brasil, por ser erigido a princípio na Lei 8.078/90, foi adotado pelo novo Código Civil e vem sendo reconhecido como elemento base do próprio sistema jurídico constitucional.


[...]


Desse modo, pode-se afirmar que, na eventualidade de lide, sempre que o magistrado encontrar alguma dificuldade para analisar o caso concreto na verificação de algum tipo de abuso, deve levar em consideração essa condição ideal apriorística, pela qual as partes deveriam, desde logo, ter pautado suas ações e condutas, de forma adequada e justa. Ele deve, então, num esforço de construção, buscar identificar qual o modelo previsto para aquele caso concreto, qual seria o tipo ideal esperado para aquele caso concreto pudesse estar adequado, pudesse fazer justiça às partes e, a partir desse standart, verificar se o caso concreto nele se enquadra, para daí extrair as conseqüências jurídicas exigidas.


6.9.3. O equilíbrio


Este é outro princípio que pretende, concretamente, a realização do princípio magno da justiça (art. 3º, I, da CF). Relações jurídicas equilibradas implicam a solução do tratamento eqüitativo. O equilíbrio se espraia, no plano contratual, na norma do inciso IV do art. 51, bem como no inciso III do § 1º do mesmo art. 51. (NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, ps. 131-136)


---


b) Princípio da boa-fé: o CDC exige que os agentes da relação de consumo, fornecedor e consumidor, estejam predispostos a atuar com honestidade e firmeza de propósito, sem espertezas ou expedientes para impingir prejuízos aos outros. A boa-fé, ao lado da eqüidade, conduz à paz social e à harmonia entre as partes, permitindo que o mercado flua com regularidade e sem percalços, tanto na fase pré-contratual como no momento de sua execução.


[...]


c) Princípio da equidade: deve haver equilíbrio entre direitos e deveres dos contratantes, como objetivo de alcançar a justiça contratual. Por isso, são proibidas as cláusulas abusivas, que poderiam proporcionar vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor. (ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, ps. 146-147)


---


b) no Princípio da Função Social do Contrato, respeitam-se os objetivos da sua boa utilidade para as partes e os propósitos das mútuas vantagens que possam advir da contratação, sem que a relação contratual venha ensejar prejuízos para quaisquer das partes, até porque devem ser cultivados os esforços da integração para impedirem ônus excessivos para qualquer delas;


c) o Princípio da Boa-Fé objetiva caracteriza-se pela exteriorização material, no contrato, das ausências de intenções de lesar pelas partes e estas desenvolverem esforços para os respeitos dos direitos de uns quanto aos direitos dos outros, nas buscas dos ganhos contratuais, pois é claro que um contrato só é bom quando permite vantagens ou utilidades para ambas as partes (a boa-fé, que é em si subjetiva, passa a ser objetiva ante o que é positivado no contrato);


d) o Princípio da Proporcionalidade enseja a interpretação de ser o contrato dotado de equivalências materiais, de tal maneira que os esforços de uma das partes sejam correspondentes ao da contraparte e de todas as formas correspondentes aos custos-benefícios enfrentados ou ou alcançáveis; (GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, ps. 129-130). ... (Min. Luis Felipe Salomão).

Doc. LegJur (121.8342.3000.5600) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Consumidor (Jurisprudência)
Ensino (Jurisprudência)
Ensino superior (Jurisprudência)
Repetição de indébito (v. Ensino ) (Jurisprudência)
Cobrança do valor integral de mensalidade (v. Ensino ) (Jurisprudência)
Cláusula abusiva (Jurisprudência)
Abusividade (v. Cláusula abusiva ) (Jurisprudência)
Contrato (Jurisprudência)
Princípio da proporcionalidade (Jurisprudência)
Princípio da equidade (Jurisprudência)
Princípio da boa-fé objetiva (Jurisprudência)
Princípio da função social do contrato (Jurisprudência)
Proporcionalidade (Jurisprudência)
Equidade (Jurisprudência)
Boa-fé objetiva (Jurisprudência)
Função social do contrato. (Jurisprudência)
CDC, art. 4º, III
CDC, art. 51
CCB/2002, art. 421
CDC, art. 422
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