Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Responsabilidade civil. Ação de indenização por ato ilícito. Furto qualificado. Execução de sentença penal. Embargos do devedor. Penhora. Bem de família. Impenhorabilidade. Exceção do art. 3º, VI, da Lei 8.009/1990. Possibilidade. Amplas considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. Precedentes do STJ. CP, art. 91.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/03/2012
«... 2. Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade da constrição de bem de família quando a execução é oriunda de título judicial decorrente de ação de indenização por ato ilícito, proveniente de condenação do embargante na esfera penal, por subtração de coisa alheia móvel (furto qualificado).

3. O Tribunal de origem dirimiu a controvérsia, consignando, no que interessa, o seguinte:


«Cinge-se a controvérsia, sobre a possibilidade da constrição de bem de família quando a execução é oriunda de título judicial de ação de indenização por ato ilícito.


Apesar de algumas divergências jurisprudenciais, que consideram a impenhorabilidade , na exceção posta na Lei 8.009/90, apenas na execução de sentença penal, não se pode deixar de observar que a melhor interpretação jurídica encontra-se ao lado dos que afastam tal benefício, pois embora a letra da lei tenha se expressado somente acerca da execução de sentença penal por ato ilícito, certamente que se deve entender da mesma forma, por execução oriunda de qualquer ato ilícito.


Conclui-se, desta feita, que o legislador buscou proteger o devedor não praticante de qualquer ato ilícito, já que praticado este, é de rigor a indenização para ressarcimento da vítima.


No caso dos autos, o que se vislumbra é uma ação de indenização na esfera cível, proveniente da condenação do embargante na esfera penal, por subtração de coisa alheia móvel para si, nas sanções do artigo 155, § 4º, incisos II e IV c/c artigo 71 e artigo 29, do Código Penal, decisão esta transitada em julgado, conforme certidão de fls. 62/64, motivo pelo qual é perfeitamente aplicável a exceção contemplada no artigo 3º, inciso VI, da Lei 8.009/90.» (grifos nossos)

4. A Lei 8.009, de 25 de março de 1990, que cuida da impenhorabilidade do bem de família, dispõe, em seu artigo 1º, que:


«Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.»

Dessarte, o bem de família obrigatório, previsto pela Lei 8.009/90, é meio de garantir proteção à entidade familiar, conferindo a impenhorabilidade do imóvel onde se instala a sua moradia.

Por sua vez, o artigo 3º da mencionada lei declara que a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:


I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;


II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;


III - pelo credor de pensão alimentícia;


IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;


V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;


VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.


VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei 8.245, de 1991)

Conforme Dinamarco, «essas exceções significam que a Lei do Bem de Família teve a intenção de balancear valores, privilegiando o valor moradia, mas ressalvando que o bem de família será penhorável em benefício dos credores por alimentos, ou por verbas devidas aos trabalhadores da própria residência, ou por garantia real constituída pelo devedor residente no imóvel etc» (Dinamarco, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. IV. 2. ed. São Paulo: Malheiros, pg. 358).

O novo Código Civil, estabelece em seu art. 186 que «aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito».

O mesmo se infere da leitura do art. 933, inciso I do mesmo estatuto civil, pelo qual as pessoas indicadas nos cânones anteriores, «ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos».

A reparação, pois, em nossa lei civil, pressupõe a existência de um ato ilícito, fato gerador de responsabilização civil.

A área de interface entre o direito civil e o penal, nesse campo, ocorre diante do problema da influência do ilícito civil como crime que é, na maior parte dos casos, perante a lei penal positiva e os reflexos do julgado penal na esfera civil.

O ato ilícito aqui é o pivô da questão.

Sabe-se que, na esfera penal, há conexão entre o que se chama de ato ilícito (na esfera civil) e o que se tem como delito ou crime, em termos penais.

Aguiar Dias explica:


Assim, certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil; outros movimentam tão-somente o sistema repressivo ou preventivo da responsabilidade penal; outros enfim, acarretam a um tempo, a responsabilidade civil e a penal, pelo fato de apresentarem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente, conforme os diferentes critérios sob que entram em função os órgãos encarregados de fazer valer a norma respectiva que é quase o mesmo fundamento da responsabilidade civil e da responsabilidade penal. As condições em que surgem é que são diferentes, porque uma é mais exigente do que a outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir para se efetivar. (AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 8)

Carlos Roberto Gonçalvez diz:


Se ao causar dano, [...] o agente transgride, também, a lei penal, ele se torna, ao mesmo tempo, obrigado civil e penalmente. E, assim, terá de responder perante o lesado e perante a sociedade, visto que o fato danoso se revestiu de características que justificam o acionamento do mecanismo recuperatório da responsabilidade civil e impõem a movimentação do sistema repressivo da responsabilidade penal. (GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. IV: responsabilidade civil, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 24-25)

5. No caso, verifica-se, pela atenta análise dos autos, que o recorrente foi condenado no juízo criminal (sentença de fls. 38-42) a uma pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias multa, por subtração de coisa alheia móvel (artigo 155, § 4º, incisos II e IV c/c artigo 71 e artigo 29, do Código Penal), decisão esta transitada em julgado.

Com a sentença condenatória criminal, ingressou a ora recorrida/exequente, no juízo cível, com ação de indenização, julgada procedente para condenar o recorrente ao pagamento de indenização correspondente ao valor atual das mercadorias desviadas (sentença de fls. 49-51), ora objeto da presente execução embargada.

Impende salientar que a sentença penal condenatória produz, como efeito principal, a imposição da sanção penal ao condenado, ou, se inimputável, a aplicação da medida de segurança.

Todavia, após a sentença penal condenatória, surgem alguns efeitos, ora de natureza penal, ora de natureza civil ou administrativa.

No âmbito penal, os denominados efeitos secundários, são: a reincidência, a impossibilidade e revogação da suspensão condicional da pena, a revogação do livramento condicional, entre outros.

Os efeitos extra-penais, por sua vez, podem ser genéricos (artigo 91 do Código Penal) ou específicos (artigo 92 do Código Penal).

Os efeitos genéricos são automáticos, ou seja, não precisam ser abordados pelo juiz na sentença, posto que são aplicáveis a qualquer crime e estão listados no artigo 91 do Código Penal Brasileiro.


Art. 91 - São efeitos da condenação:


I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;


II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:


a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;


b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

No inciso I do mencionado artigo, o legislador estabeleceu a obrigação do agente de reparar o dano causado pelo crime, sendo desnecessária a prova do dano na área cível, pois este já foi provado durante o processo criminal.

Certamente, o artigo 935 do Código Civil corrobora essa assertiva ao preconizar que «a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência de fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.».

Nesse sentido, a regra de exceção trazida pelo (artigo 3º, inciso VI da Lei 8.009/90) decorreria da necessidade e do dever do infrator de reparar os danos causados à vítima, no caso a recorrida, no âmbito cível.

Como bem salientado por Marcione Pereira dos Santos:


O ato ilícito, por força de expressa disposição legal, gera a obrigação de reparar o dano. Existem atos ilícitos que se limitam a produzir efeitos no âmbito civil e outros que, pela sua gravidade, ofendem a incolumidade pública, acarretando ofensa no âmbito penal, nada impedindo, entretanto, que um único ato ilícito atinja as duas esferas de responsabilidade, tanto civil quanto penal. É dessa hipótese que trata a presente exceção.


A sentença penal condenatória tem como efeito tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Por esse efeito, que Celso Delmanto nomina de extrapenal genérico, uma vez transitada em julgado a sentença penal, torna certa a responsabilidade de indenizar o dano no cível, gerando um título executivo judicial, conforme previsto no art. 584, II, do Código de Processo Civil. (...)


Nesses casos, não interessará para a exclusão da impenhorabilidade do bem de família legal que a sua aquisição tenha sido com origem criminosa, ou que o crime praticado tenha expressão econômica, tal qual exigido na hipótese anterior, mas bastará que o devedor tenha sido condenado penalmente ao ressarcimento ou indenização dos danos causados pelo crime. Todavia, a penhorabilidade do bem de família legal somente pode ser legitimamente argüida pela vítima do crime, ou seus herdeiros, conforme preconiza o art. 63 do Código de Processo Penal: Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros (Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003, pgs. 251/252)

Entre os bens jurídicos em discussão, de um lado a preservação da moradia do devedor inadimplente, e de outro o dever de ressarcir os prejuízos sofridos indevidamente por alguém em virtude de conduta ilícita criminalmente apurada, preferiu o legislador privilegiar o ofendido, em detrimento do infrator, criando esta exceção à impenhorabilidade do bem de família.

Nesse sentido, em hipótese similar, confira-se o seguinte precedente:


PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - BEM DE FAMÍLIA - INCIDÊNCIA DO ARTIGO 3º, VI, DA LEI 8.009/90 - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - SÚMULA 7/STJ.


I - O primeiro Recorrente foi condenado no juízo criminal como incurso nas penas do artigo 129, § 6º, do Código Penal (lesões corporais culposas), bem como perante o juízo cível em ação de indenização pelo mesmo fato, não fazendo jus, por conseguinte, ao favor legal da Lei 8.009/90, segundo o disposto no artigo 3º, VI, da referida lei.


II - Ausência de prequestionamento dos artigos 1.525, 145, V, e 146 do Código Civil.


III - Concluiu o aresto combatido que o imóvel em questão, apesar de identificado como sendo de área rural, não é utilizado para fins agrícolas, mormente porque o Recorrente possui a profissão de pedreiro e não de agricultor. Rever tal posicionamento demanda revolvimento de aspectos fático-probatórios, inviável a teor do disposto na Súmula 7 desta Corte.


IV - Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.


(REsp 209043/RS, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/11/2000, DJ 05/02/2001, p. 100)

6. De fato, não cuidou o legislador de estampar - na exceção constante do mencionado artigo 3º da Lei 8.009/90 - o caso de execução de título judicial civil, decorrente de ilícito criminal apurado e transitado em julgado.

Pedro Generoso Teixeira dispõe que:


A norma do art. 1º da Lei 8.009/90 estabelece a regra geral da impenhorabilidade nas hipóteses de diferentes dívidas que são legais, pois não existem dívidas que não são legais.


A regra geral é excepcionada pelo art. 3º da mesma lei nos seus incisos nas dívidas legais que menciona (Incisos, I, II, III, IV, V, VI e VII).


Para ser exceção de uma lei, as hipóteses tem de ser da mesma natureza jurídica (dívidas legais) e não de natureza distinta, como o é o inciso VI do art. 3º da Lei 8.009/90, por se tratar de indenização.


Como não existe regra geral na lei 8.009/90 relativa á indenização, o inciso VI do art. 3º desta lei não constitui exceção. É a confirmação do art. 73 do código penal, que prevê a hipótese.


No art. 159 do Código Civil de 1916, como nos artigos 186/187 e 927 do novo Código Civil ( lei 10406/2002), existem normas que prestigiam a indenização cível.


Como não existem conflitos sem solução (art. 126 do CPC) e muito menos existe preponderância de técnica interpretativa literal da norma em contraste com a visão interpretativa sistemática, visualiza-se que o ato ilícito desafia indenização (cível) nos termos dos artigos retrocitados.


A imposição de coerência do sistema jurídico na sua logicidade, cientificidade, valores de justiça legal/natural, propriedades da norma enquanto ser jurídico, afastam eventuais casuísmos de qualquer lei, in casu, a Lei 8.009/90, não podendo esta avalizar condutas proibitivas emanadas dos artigos retrocitados do Código Civil e da lei penal e impedir sua sanção econômica.


Não existem lacunas no ordenamento jurídico relativo às indenizações cível e criminal.


Finalmente podemos afirmar:


As indenizações por atos ilícitos cíveis e criminais são devidas e afastam a impenhorabilidade do imóvel. (TEIXEIRA, Pedro Generoso. Aspectos da penhorabilidade do bem de família: sua indenização por atos ilícitos cível e penal. Revista da Procuradoria Federal Especializada, INSS. Brasília: vol. 9, 3 (Out/Dez.2002).

Certamente, a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza, e conforme preleciona Ricardo Arcoverde Credie:

As sentenças penas condenatórias, como títulos de crédito judiciais exequendos no juízo cível, as sentenças civis de ressarcimento, perdimento de bens e indenização possibilitarão igualmente a apreensão judicial do imóvel, mercê desta exceção do inciso VI do art. 3º da Lei 8.009, cuja existência se deve a esta regra moral. (CREDIE, Ricardo Arcoverde. Bem de família: teoria e prática, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 104)

Kiyoshi Harada, em seu artigo «Impenhorabilidade do bem de família comentários de acórdãos», sustenta que o objetivo é o de extrair o alcance e conteúdo da impenhorabilidade prevista no art. 1º da Lei 8.009, através de interpretação conjugada com outros dispositivos da mesma lei, levando em conta os princípios gerais de Direito, e os princípios éticos.

Informa que:


O exame desse dispositivo logo revela tratar-se de impenhorabilidade circunscrita para as hipóteses de dívida contraída, isto é, aquela surgida por ato voluntário do devedor, o que afasta a impenhorabilidade nas hipóteses de dívidas resultantes de condenação judicial pela prática de atos ilícitos. [...]


Parece claro, portanto, que nas hipóteses de débitos resultantes de condenação judicial, por prática de ato ilícito não há que se falar em impenhorabilidade.


Entretanto, essa conclusão que se extrai com lapidar clareza é colocada em dúvida em face do art. 3º da mesma lei que, após prescrever que a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo civil, fiscal, trabalhista etc., enumera os casos de exceção à impenhorabilidade, dentre os quais, a hipótese de o bem «ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens» (art. 3º, VI).


Essa regra, se interpretada literalmente, estaria afirmando que não se excepciona da impenhorabilidade para execução de sentença civil condenatória. Não se pode perder de vista que este dispositivo cuida de exceção à regra excepcional de impenhorabilidade instituída pelo «caput» do art. 1º da citada lei.


A finalidade dessa proibição legal é a de proteger a família, assegurando a seus membros uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, protegendo, os economicamente débeis, impedindo a miséria e a marginalização que a Constituição Federal (LGL 19883) elege como um dos objetivos fundamentais do Estado (art. 3º, inc. III da CF (LGL 19883)).


Por isso, essa lei há de ser interpretada de conformidade com os aspectos sócio-econômicos, éticos e morais de cada caso concreto. Do contrário, essa impenhorabilidade acabaria por destruir o princípio maior, ou seja, o princípio universal da sujeição do patrimônio às dívidas, que decorre do disposto no art. 5º, incs. LIV e LXVII da CF. (Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo | vol. 2 | p. 221 | Jul/1998| DTR1998328)

Para Paulo Jorge Scartezzini Guimarães:


A questão que nos propomos a analisar é a do campo de aplicação da Lei 8.009/90, ou seja, pode ela ser invocada em todas as obrigações surgidas, independentemente da origem desta?


Tentaremos defender neste artigo que o benefício previsto na chamada Lei do «Bem de Família», que ao entrar em vigor foi chamada por alguns de «lei do calote», se restringe apenas às obrigações decorrentes dos negócios jurídicos. A análise desta questão se deu em face da constatação na prática de injustiças ocorridas em algumas situações, onde a vítima de um ato ilícito se viu impossibilitada do ressarcimento dos danos, em vista da alegação do causador da impenhorabilidade de seu único bem imóvel. [...]


Faremos uma interpretação da lei, sempre tendo como norte os princípios constitucionais e o art. 5º da LICC (LGL 19423), lembrando ainda as célebres palavras de Kohler para quem «interpretar é escolher, dentre muitas significações que a palavra possa oferecer, a justa e conveniente...».


Segundo consta do art. 1º da mencionada lei, «o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus


proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na lei» (g. n.).


Utilizou o legislador o termo «contrair», a nosso ver de forma proposital, deixando claro que o benefício só poderá ser invocado quando a dívida estiver ligada às obrigações decorrentes de atos jurídicos voluntários, ou seja, quando forem decorrentes de contratos.


As obrigações derivadas dos atos ilícitos, como se sabe, não são contraídas, mas sim impostas pelo Estado como uma sanção civil àqueles que, voluntariamente ou não, causam danos a terceiros, por praticar atos em desconformidade com a lei. [...]


Numa interpretação sistemática, onde se compara o dispositivo sujeito à exegese com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto, verificamos a existência de situações que foram expressamente excluídas da alegação de impenhorabilidade (art. 3º). Neste rol, mais especificamente no inc. VI, o legislador fez constar a inoponibilidade da lei aos casos de execução de sentença penal condenatória a ressarcimento e indenização.


Este inciso está ligado diretamente ao art. 91 do CP (LGL 19402) e art. 63 do CPP (LGL 19418), que cuidam dos efeitos secundários extrapenais da sentença penal condenatória, ou seja, o dever do condenado de ressarcir a vítima dos danos causados pelo ilícito penal. [...]


Quanto à interpretação teleológica, acreditamos que a lei surgiu em um momento de grave crise financeira, quando várias pessoas estavam prestes a perder seus bens, dentre os quais o seu próprio lar. Isto decorreu, como bem disse Antonio de Pádua Ferraz Nogueira, devido à inadimplência, a que quase sempre são levados os seus chefes, pelo induzimento da reinante propaganda consumista, ou do insucesso em negócios mirabolantes, os quais o próprio Governo chega a incentivar.


Nota-se assim a ligação direta desta lei com as obrigações decorrentes dos negócios jurídicos, o que em outra passagem do texto acima mencionado também se percebe. Consta que «é certo que a aplicação imediata da norma, quando venham faltar outros bens penhoráveis do devedor, pode constituir verdadeira pena imposta ao credor desavisado, isto é, àquele que deixou de garantir a dívida com um ônus real».


O que se percebe é que não visava o legislador, e não visa a lei, a proteção do bem de família quando no pólo oposto há também interesses relevantes a serem protegidos, como por exemplo a dignidade da pessoa/vítima do ato ilícito, pessoa esta que não tinha qualquer vínculo com o causador do dano e assim não podia se prevenir, utilizando-se de outras garantias.


Não há dúvida de que a casa é um lugar essencial para a constituição de uma família, e por que não dizer, um lugar sagrado desta. Todavia, ao lado desta função social temos também que contrapor outros direitos e garantias previstos na Carta Magna (LGL 19883) [...]


Finalizamos este trabalho invocando nossa Constituição Federal (LGL 19883) que em seu art. 3º prevê como objetivo da República Federal do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A nosso ver, a aplicação da Lei 8.009/90 para as obrigações decorrentes de ato ilícito não vai ao encontro desses objetivos e por tal motivo deve-se restringir tão-somente aos negócios jurídicos. (Inaplicabilidade da lei 8.009/90 nas obrigações decorrentes de atos ilícitos, Revista dos Tribunais | vol. 762 | p. 157 | Abr/1999 | DTR1999217)

In casu, faz-se possível a penhora do bem de família, haja vista que a execução é oriunda de título judicial decorrente de ação de indenização por ato ilícito, proveniente de condenação do embargante na esfera penal com trânsito em julgado, por subtração de coisa alheia móvel (furto qualificado), no valor atualizado das mercadorias desviadas.

Realmente, conforme bem enfatizado por Rainer Czajkowski:


(...) a segunda situação prevista no inc. VI do art. 3º, é relativa à possibilidade de penhora sobre imóvel residencial do devedor com sua família, na execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. Refere-se a lei, primeiramente, ao título executivo judicial previsto no art. 584, II, do CPC, formado quando, em face de sentença penal condenatória transitada em julgado, o criminoso passa a ser também devedor de indenização às vítimas do crime, ou seus herdeiros. Neste sentido, também, a menção do art. 91, I, do Código Penal, salientando que: São efeitos da condenação: - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Não se confunde a hipótese com a primeira parte do inc. VI, pois aqui é irrelevante que o imóvel residencial destinado à família do devedor, condenado criminalmente, tenha sido adquirido com recursos de origem lícita ou não. Nada impede, porém, a incidência cumulativa dos casos quando a vítima do crime, como credor da indenização devida pelo condenado, faz a penhora recair precisamente sobre o imóvel residencial deste, adquirido com o produto do crime.


Esta segunda parte do inc. VI se aplica também, por óbvio, à quando a indenização é pleiteada em ação autônoma, depois da condenação criminal. O que prevalece para fazer incidir o inc. VI, é o fundamento jurídico do pleito indenizatório e não a circunstância processual na qual ele é deduzido.


Como efeito da condenação este dispositivo acaba por afetar, além do próprio devedor, condenado criminalmente, também a sua família, excetuada que fica do benefício da impenhorabilidade. Isto, todavia, não ofende a garantia constitucional de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, exatamente porque a CF/88 estabelece tal ressalva: podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido» (art. 5º, XLV). (Czajkowski, Rainer. A impenhorabilidade do bem de família: comentários à lei 8.009/90. 4.ed. Curitiba: Juruá, 2001, pgs. 172/174)

7. Nesse sentido, é a jurisprudência pacífica desta Corte Superior de Justiça:


PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. SEQUESTRO. BEM DE FAMÍLIA. ART. 3º, VI, DA LEI 8.009/90. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE. GARANTIA DE RESSARCIMENTO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.


1. A Lei 8.009/90 elenca em seu art. 3º, VI, exceção à impenhorabilidade do bem de família na hipótese de execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.


2. Recurso especial conhecido e improvido.


(REsp 1025155/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 13/09/2010)


EMBARGOS DE TERCEIRO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA COMETIDA PELO EXECUTADO, EX-MARIDO DA EMBARGANTE. PENHORA INCIDENTE SOBRE IMÓVEL ATRIBUÍDO A ESTA QUANDO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL DO CASAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. MEAÇÃO. PROVA DE QUE O PRODUTO DO CRIME TENHA BENEFICIADO A EMBARGANTE E SUA FAMÍLIA. FUNDAMENTO SUFICIENTE NÃO IMPUGNADO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL RESIDENCIAL. INCIDÊNCIA DA RESSALVA CONSTANTE DO ART. 3º, VI, DA Lei 8.009, DE 29.3.1990.


– Assertiva de fraude à execução, não impugnada pela recorrente.


– Aspectos fáticos destacados pela decisão recorrida para evidenciar que a embargante tirara proveito da quantia indevidamente apropriada pelo ex-marido. Fundamento por si só suficiente.


– Possível no caso a penhora em face da expressa ressalva feita pelo art. 3º, VI, da Lei 8.009, de 29.3.1990.


Recurso especial não conhecido.


(REsp 333.148/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2001, DJ 01/07/2002, p. 347)


EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMPENHORABILIDADE. LEI NUM. 8.009/90. SENTENÇA CRIMINAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PENA APLICADA. EFEITO.


- A SENTENÇA CRIMINAL QUE EXTINGUE A PUNIBILIDADE PELA PENA EM CONCRETO TEM POR PRESSUPOSTO JUIZO DE CULPABILIDADE DO AGENTE E NÃO SE ENQUADRA ENTRE AQUELAS QUE PERMITEM A INCIDENCIA DO ART. 1.525 DO CODIGO CIVIL, POIS NÃO NEGA A EXISTENCIA DO FATO NEM A SUA AUTORIA.


- O BEM ADQUIRIDO COM O PRODUTO DO CRIME E PENHORAVEL NA EXECUÇÃO PROMOVIDA PELA VITIMA DO DELITO, EMBORA TENHA SIDO EXTINTA A PUNIBILIDADE PELO RECONHECIMENTO, NO JUIZ CRIMINAL, DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA APLICADA.


- DEMAIS QUESTÕES NÃO PREQUESTIONADAS.


RECURSO NÃO CONHECIDO.


(REsp 163.786/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 19/05/1998, DJ 29/06/1998, p. 217)


DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. LEI EXCEPCIONAL. ART. 3º, INC. VI, DA LEI 8.009/90. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. AFASTAMENTO DA EXIGÊNCIA DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.


1. Não há omissão no acórdão que decide a lide nos limites em que proposta.


2. A indenização, no caso, decorre de erro médico, sobrevindo condenação civil a reparação do dano material e moral, sem obrigação de prestar alimentos. Não incide, portanto, a exceção de impenhorabilidade de bem de família prevista no inciso III, do art. 3º, da Lei 8.009/90.


3. De outra parte, não é possível ampliar o alcance da norma prevista no art. 3º, inciso VI, do mesmo diploma legal, para afastar a impenhorabilidade de bem de família em caso de indenização por ilícito civil, desconsiderando a exigência legal expressa de que haja «sentença penal condenatória».


4.Recurso especial parcialmente provido.


(REsp 711.889/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 01/07/2010)

[...] ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (121.8342.3000.6000) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Responsabilidade civil (Jurisprudência)
Ação de indenização (v. Responsabilidade civil ) (Jurisprudência)
Ato ilícito (v. Responsabilidade civil ) (Jurisprudência)
Furto qualificado (v. Responsabilidade civil ) (Jurisprudência)
Execução (Jurisprudência)
Sentença penal (Jurisprudência)
Embargos do devedor (Jurisprudência)
Penhora (Jurisprudência)
Bem de família (v. Impenhorabilidade ) (Jurisprudência)
Impenhorabilidade (Jurisprudência)
(Legislação)
CP, art. 91
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Você já pensou sobre o tempo e os recursos que gasta pesquisando leis, jurisprudências e doutrinas para os seus casos? Já se imaginou otimizando esse processo de forma eficiente e segura?

Então, temos algo em comum. O LegJur foi criado pensando em você, no advogado moderno que não pode se dar ao luxo de perder tempo em um mercado tão competitivo.

Por que o LegJur é a solução que você precisa?

1. Conteúdo Atualizado: Nosso banco de dados é atualizado constantemente, oferecendo as informações mais recentes sobre legislações, súmulas e jurisprudências.

2. Fácil Acesso: Uma plataforma simples e intuitiva que você pode acessar de qualquer dispositivo, a qualquer momento. Seu escritório fica tão flexível quanto você.

3. Busca Inteligente: Nosso algoritmo avançado torna sua pesquisa rápida e eficaz, sugerindo temas correlatos e opções para refinar sua busca.

4. Confiabilidade: Nosso time de especialistas trabalha incansavelmente para garantir a qualidade e a confiabilidade das informações disponíveis.

5. Economia de Tempo: Deixe de lado as horas de pesquisa em múltiplas fontes. Aqui, você encontra tudo o que precisa em um só lugar.

Invista no seu maior capital: o tempo

Você já deve saber que o tempo é um dos ativos mais preciosos na advocacia. Utilize o LegJur para maximizar sua eficiência, oferecendo ao seu cliente uma consultoria de alto nível fundamentada em informações confiáveis e atualizadas.

Depoimentos

"O LegJur transformou a forma como faço minha pesquisa jurídica. Agora, posso concentrar-me mais no desenvolvimento de estratégias para meus casos e menos na busca de informações."
— Maria L., Advogada

Não perca mais tempo! Torne-se membro do LegJur e eleve sua prática jurídica a um novo patamar.

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