Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Sociedade. Associação civil. Associado. Associação sem fins lucrativos. Cláusula estatutária. Estatutos. Ação de nulidade. Violação de norma de ordem pública. Nulidade das cláusulas estatutárias excludentes do direito de voto, bem como as dela decorrentes. Inaplicabilidade ao caso concreto. Eficácia ex tunc da declaração de nulidade. Considerações do Min. João Otávio de Noronha sobre a atribuição do direito de voto a determinada categoria de associados. CCB, art. 1.394. CCB/2002, arts. 53, 55 e 2.035.

Postado por Emilio Sabatovski em 16/06/2012
«... IV - Atribuição do direito de voto a determinada categoria de associados

IV.a) Argumentos e contra-argumentos das partes

O cerne da questão, como já mencionado, diz respeito à não conferência do direito de voto aos sócios efetivos recorridos, mas, exclusivamente, aos sócios fundadores da primeira recorrente. Importa retomar os argumentos e contra-argumentos das partes.

Os primeiros argumentos dos recorrentes buscaram demonstrar negativa de vigência aos arts. 2.035 e 55 do CCiv2002 e aos arts. 462, 303 e 267, VI, do CPC (fls. 5.126/5.138, v. 26). A seu ver, a superveniência do Novo Código Civil resolveria a lide pela sua improcedência, já que restou revogado o art. 1.394 do CCiv1916 e a matéria seria regulada pelas disposições do CCiv2002 que tratam das associações. A esse propósito, manifestaram o entendimento de que o art. 59 do CCiv2002 não teria o condão de outorgar o direito de voto a todos os sócios, mas apenas àqueles que, nos termos do estatuto social, integrassem a assembléia geral. Apontaram, como precedente para aplicação da lei nova ao caso, os EDcl nos EDcl no REsp 18.443-SP (Terceira Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j.em 29.6.1993, DJ 9.8.1993), cujo acórdão revela que «as normas legais editadas após o ajuizamento da ação devem levar-se em conta para regular a situação exposta na inicial».

Em linha de contra-argumentação, os recorridos Nelson Tadeu Costa e outros (fls. 5.351/5.360,v. 26) enfatizaram que teria havido preclusão em relação à matéria, pois aventada antes do julgamento dos embargos infringentes e enfrentadas no acórdão que o julgou, nos seguintes termos: «Quanto às demais manifestações e documentos juntados aos autos, em nada podem alterar o que acima foi explicitado» (fls. 4.380, v. 26). Além disso, invocaram o disposto nos arts. 59 e 60 do CCiv2002 para afirmar que o direito de voto é assegurado a todos os associados e que 1/5 deles podem promover a convocação de assembléia geral. Finalmente, nesse tópico, mencionaram que, para a aplicação do disposto no art. 2.035 do CCiv2002, é necessário que o negócio jurídico seja válido, enquanto que o dispositivo estatutário atacado seria nulo, em face do art. 1.394 do CCiv1916.

O segundo enfoque de argumentação adotado pelos recorrentes pretendeu concluir pela negativa de vigência aos arts. 1.394 e 145 do Código Civil de 1916 (fls. 5.138/5.159, v. 26), advogando que o art. 1.394 não veda a distinção entre os direitos dos sócios e não comina de nulidade, nem nega efeito a disposição que contrariar suas disposições, razão pela qual seria válida a regra estatutária que outorgasse direito de voto apenas aos sócios fundadores. Invocaram, em seu favor, o RE 74.820-SP, o RE 63.279-SP e o RE 31.602-MG, ao passo em que procuraram demonstrar que o acórdão proferido no REsp 20.982-MG (Terceira Turma, rel. Min. Dias Trindade, j. em 10.11.1992, DJ 22.3.1993) não serve de balizamento à questão. Argumentaram, ainda, que o art. 55 do CCiv2002 veio corroborar o fato de que o direito de voto não é essencial à qualidade de sócio e que os chamados «sócios-efetivos» não seriam verdadeiros sócios da primeira recorrente, com base em parecer de Antônio Carlos de Araújo Cintra que, citando Shakespeare (What is in a name? That which we call a rose by any other word would smell as sweet), concluiu que «a mera denominação não acarreta incidência de um determinado regime jurídico» (fls. 5.156) e arguindo que «ou bem os direitos de votar e de permanecer indefinidamente são essenciais - e os recorridos, que nunca os revestiram, jamais foram de fato sócios, ou bem esses direitos são contingentes, dependem do arranjo estatutário» (fls. 5.157).

Os recorridos Nelson Tadeu Costa e outros rebateram esses argumentos (fls. 5.360/5401, v. 26), aduzindo que o art. 1.394 do Código Civil de 1916 é norma cogente de ordem pública e que o direito de votar é inerente à qualidade de sócio, de modo que é nulo o dispositivo estatutário atacado, sendo tal vício insanável. Em matéria fática, conquanto não apreciável por este Tribunal, afirmaram que «todos os sócios desde quando admitidos e enquanto vivo o Dr. Plínio (03.10.85), sempre foram consultados sobre todas as matérias relevantes. Sempre influíram na tomada de decisões. A questionada regra do Estatuto até então sempre foi letra morta, até porque contrária à lei. [...]. O direito de voto [...] deve ser respeitado, ainda que somente agora impugnado pelos Embargados, eis que antes eram sempre ouvidos nas assembléias» (fls. 5.369; sublinhas do original). Disseram que uma assembléia é «geral» por reunir a totalidade dos sócios, o que seria confirmado pelo art. 59, «caput» e parágrafo único, do CCiv2002. Invocaram o voto condutor do acórdão proferido no REsp 20.982-MG para subsidiar suas alegações, ao tempo em que procuraram demonstrar que os recursos extraordinários citados pelos recorrentes não os socorrem. E buscaram evidenciar que os sócios-efetivos - com o perdão do trocadilho - são efetivamente sócios, pois o estatuto social distingue, deles e dos demais tipos de sócios, a categoria dos cooperadores, tida como «extrínseca» ao quadro social.

Já os recorridos Filipe Ribeiro Dantas e outros subscreveram as contrarrazões dos demais, aduzindo (fls. 5.427/5.429, v. 27) que a adequada interpretação dos arts. 55, 59, parágrafo único, e 60 do CCiv2002 é a que leva a reconhecer o direito de voto de todos os associados, no mesmo sentido do art. 1.394 do CCiv1916.

IV.b) Natureza jurídica da primeira recorrente

Antes de ingressar, propriamente, no tema central do recurso, mister é averiguar a natureza jurídica da primeira recorrente, questão que parece não ter sido totalmente dirimida até o momento.

O acórdão que julgou a apelação, elaborado pelo relator designado, afirmou que «é certo que a TFP é uma sociedade civil, estando regida, pois, pelos artigos 1.363 a 1.409 do Código Civil [de 1916]» (fls. 4.007, v. 20; sem grifos no original), afirmação não contraditada em nenhuma das declarações de voto que foram proferidas na ocasião e que foi retratada na própria ementa daquele julgado. No acórdão emitido nos embargos infringentes, contudo, constou declaração de voto vencido que, embora sem discutir, explicitamente, a natureza jurídica da recorrente, buscou lições jurisprudenciais que dizem respeito às associações:


Tem-se proclamado que «as associações se constituem através de um ato constitutivo, regradas por estatutos, que obrigam os membros que os votaram, os que ingressaram durante a sua vigência, ou, mesmo, posteriormente às suas alterações» (R.T. 583/96).


«A intervenção do Judiciário na vida interna das associações civis não deve exceder os aspectos formais em que se examina a exata aplicação das regras estatutárias» (R.T. 515/233). No mesmo sentido, cf. RJTJESP Lex 92/169; R.T. 621/105 e 657/91. (Fls. 4.383/4.384, v. 22; sem grifos no original.)

Esse descompasso reproduziu-se na manifestação dos recorridos que se seguiu aos embargos de declaração introduzidos pelos sócios fundadores recorrentes, e foi por estes apontado em sua resposta àquela intervenção, embora não considerassem relevante a distinção entre sociedade e associação, para o fim de discutir a existência de litisconsórcio necessário (fls. 4.899/4.900).

O ajuste de ritmo parece ter-se dado no acórdão emitido por ocasião do julgamentos dos embargos de declaração opostos pelos sócios fundadores, em que os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - muito embora tenham utilizado seguidamente a palavra sócio, ao invés de associado - adotaram a natureza jurídica expressa nos trechos dos pareceres de Athos Gusmão Carneiro e Humberto Theodoro Júnior transcritos em suas razões de decidir, qual seja: associação civil.

Quando do julgamento dos embargos de declaração que se seguiram, a natureza jurídica da recorrente não foi expressamente mencionada e os seus membros continuaram a ser designados como sócios, mas essa questão tornou à baila por ocasião do julgamento dos últimos dos embargos de declaração, em que se discutia a aplicabilidade das disposições concernentes, justamente, às associações trazidas pelo Novo Código Civil, que passara a viger.

No recurso especial, os recorrentes atribuem ao ente associativo a natureza de associação civil com o fito de, segundo seus argumentos, verem aplicadas as respectivas disposições do Novo Código Civil. Já os recorridos ora falam em sociedade, ora em associação, nas suas contrarrazões.

De todo modo, qualquer que tenha sido o descompasso, as partes não litigam a tal propósito, nem discrepam do acórdão recorrido. Ainda que os recorridos não utilizem terminologia uniforme nas suas contrarrazões, não vacilam em reconhecer a natureza de associação da primeira recorrente, inclusive com base nos pareceres que trouxeram aos autos. A primeira recorrente, como visto, igualmente diz ser associação, ainda que coloque em segundo plano a distinção entre associação e sociedade civil.

Importa acrescentar que o atual Código Civil tornou discutível - senão juridicamente impossível - a existência de sociedade de fins não econômicos, ou de associação de fins econômicos, ante o disposto nos seus arts. 53 e 981, a saber:


Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.


Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Pessoalmente, não aprecio tal distinção, que me parece estar aquém da realidade a que um código civil se propõe a regular. Nada obstante, não posso desconhecer que, hodiernamente, o fato de um ente associativo não ter fins lucrativos lhe atrai a natureza jurídica de associação, nos termos do «caput» do art. 53 do Código Civil de 2002.

Dessa forma e encerrando este subtópico, tenho que a primeira recorrente deve ser considerada uma associação, antes e depois da vigência do Código Civil de 2002, quando passou a sê-lo ex vi legis. ...» (Min. João Otávio de Noronha).»

Doc. LegJur (123.9262.8000.7300) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Sociedade (Jurisprudência)
Associação civil (Jurisprudência)
Associação sem fins lucrativos (Jurisprudência)
Cláusula estatutária (Jurisprudência)
Estatutos (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Ação de nulidade (v. Cláusula estatutária ) (Jurisprudência)
Norma de ordem pública (Jurisprudência)
Nulidade (v. Cláusulas estatutárias ) (Jurisprudência)
Direito de voto (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Voto (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Eficácia ex tunc (v. Nulidade ) (Jurisprudência)
CCB, art. 1.394
CCB/2002, art. 53
CCB/2002, art. 55
CCB/2002, art. 2.035
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