Jurisprudência em Destaque

STJ. 6ª T. «Habeas corpus». Furto de água vitimando a companhia de abastecimento. Ressarcimento do prejuízo antes do oferecimento da denúncia. Colorido meramente civil dos fatos. Carência de justa causa. Trancamento da ação penal. Viabilidade. Princípio da intervenção mínima. Princípio da fragmentariedade. Princípio da subsidiariedade. Considerações da Minª. Maria Thereza de Assis Moura sobre o tema. Precedentes do STJ. CPP, art. 647. CF/88, art. 5º, LXVIII. CP, art. 155.

Postado por Emilio Sabatovski em 16/08/2012
... O objeto da impetração cinge-se à verificação de existência de justa causa para a ação penal, porquanto o prejuízo oriundo de suposto furto de água teria sido ressarcido à companhia de abastecimento.

Busca-se, aqui, o reconhecimento de raciocínio analógico entre a extinção da punibilidade promovida nos crimes fiscais e previdenciários.

A par do instigante argumento constante da impetração, de que haveria espaço para se promover o alargamento das disposições ligadas aos crimes fiscais e previdenciários, penso que o mais importante, in causu, é ter em linha de consideração o princípio da subsidiariedade, segundo o qual o Direito Penal deve ser visto como ultima ratio.

Nesta toada, tem-se que a persecução penal em testilha fere o princípio da intervenção mínima, mormente tendo em conta a faceta da subsidiariedade. Acerca do tema, esclarece ALBERTO SILVA FRANCO:


(...) como adverte Antonio García-Pablos de Molina (Idem, p. 558/559), o Direito Penal não pode ser a prima ratio, em a unica ratio para fazer face às tensões sociais: é a ultima ratio, não a solução ao problema do crime, como sucede com qualquer técnica de intervenção traumática, de efeitos irreversíveis; cabe apenas a ela recorrer em casos de estrita necessidade, para defender os bens juridicamente fundamentais, dos ataques mais graves e somente quando não ofereçam garantia de êxito as demais estratégias de natureza não penal.


O princípio da intervenção mínima encontra expressão em duas perspectivas diversas: o princípio da fragmentariedade e o princípio da subsidiariedade.


(...)


Já o princípio da subsidiariedade põe em destaque o fato de que o Direito Penal não é único controle social formal dotado de recursos coativos, embora seja o que disponha, nessa matéria, dos instrumentos mais enérgicos e traumáticos. A gravidade intrínseca desse instrumental, posto à disposição do Direito Penal, recomenda, no entanto, que só se faça dele uso quando não tenham tido êxito os meios coativos menos gravosos, de natureza não penal. A cirurgia penal, por seus efeitos traumáticos e irreversíveis - por sua nocividade intrínseca - só pode ser prescrita in extremis, isto é, quando não se dispõe de outras possíveis técnicas de intervenção ou estas resultam ineficazes como ultima ratio. O princípio da subsidiariedade expressa, portanto, uma exigência elementar: a necessidade de hierarquizar, otimizar e racionalizar os meios disponíveis para responder ao problema criminal adequada e eficazmente. Uma autêntica exigência de economia social que optará sempre a favor do tipo de intervenção menos lesiva ou limitativa dos direitos individuais dado que o Direito Penal é o último recurso de uma sã política social (Antonio Garcia-Pablos de Molina, Idem, p. 563). O princípio da subsidiariedade limita, portanto, o ius puniendi na medida em que só autoriza a intervenção penal se não houver outro tipo de intervenção penal se não houver outro tipo de intervenção estatal menos e menos custosa aos direitos individuais. (Código Penal e sua interpretação. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2007, p. 49).

Na espécie, a intervenção social menos drástica seria a sanção civil - cuja senda inclusive já se encontra pacificada.

Acerca da preocupação com a expansão incriminatória, confira-se a lição do Professor Titular de Direito Penal da USP, RENATO DE MELLO JORGE DA SILVEIRA:


Em momento embrionário desta discussão, afirmando-se que nem todos os interesses dessa ordem seriam passíveis de tutela penal, pretendeu-se estabelecer um mínimo de valores a serem defendidos. (...)


A busca de soluções para o problema basilar das sociedades pós-industriais e a questão dos interesses difusos e sua abordagem penal têm levado o legislador, no mais das vezes a uma fuga ao Direito Penal. Reflexo de uma crise por que passa a própria sociedade, a tendência de tipificação de condutas, sem a contrapartida de avaliação filosófico-sistêmica penal, conduz a norma a uma realidade simbólica, deslegitimando o Direito Penal. As limitações de uma tutela difusa devem encontrar fronteira não em uma avaliação subjetiva da sociedade, mas, sim, na possibilidade de esta sociedade buscar outros meios para os novos interesses surgidos. (Direito penal supra-individual. São Paulo: Ed. RT, 2003, p. 211).

Penso que os fatos enfocados na denúncia não ultrapassam os limites do ilícito civil e, como tal, já alcançou, inclusive equacionamento. Desta maneira, penso que o manejo do Direito Penal implicaria intervenção estatal desproporcional, dado que, numa perspectiva conglobante não seria possível falar-se em tipicidade.

Neste diapasão, confira-se a lição de ZAFFARONI:


O tipo é gerado pelo interesse do legislador no ente que valora, elevando-o a bem jurídico, enunciando uma norma para tutelá-lo, a qual se manifesta em um tipo legal que a ela agrega a tutela penal. (...)


Isto significa que a conduta, pelo fato de ser penalmente típica, necessariamente deve ser também antinormativa.


Não obstante, não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. Que uma conduta seja típica não significa necessariamente que é antinormativa, isto é, que esteja proibida pela norma (pelo não matarás, não furtarás etc.). O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas do bem jurídico tutelado.


A antinormatividade não é comprovada somente com a adequação da conduta ao tipo legal, mas requer uma investigação do alcance da norma que está anteposta e que deu origem ao tipo legal, e uma investigação sobre a afetação do bem jurídico. Esta investigação é uma etapa posterior do juízo de tipicidade que, uma vez comprovada a tipicidade legal, obriga a indagar sobre a antinormatividade, e apenas quando esta se comprova é que se pode concluir pela tipicidade penal da conduta.


Tipicidade legal e tipicidade penal são a mesma coisa: a tipicidade penal pressupõe a legal, mas não a esgota; a tipicidade penal requer, além da tipicidade legal, a antinormatividade.


(...)


Isto nos indica que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas (Manual de direito penal brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, p. 456-459).

Lembre-se, neste diapasão, o entendimento jurisprudencial:


HABEAS-CORPUS.


- Crime contra a propriedade material não verificado.


- O Direito Penal não é a solução do contrato civil.


- Ordem concedida.


(HC 14.337/GO, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro FONTES DE ALENCAR, SEXTA TURMA, julgado em 20/09/2001, DJ 05/08/2002, p. 412)

Entrementes, a conferir tonalidade mais intensa de ilícito civil, o débito decorrente da suposta subtração de água foi quitado pelo paciente, não havendo se falar, mais, em situação de abalo social em razão da imputação.

Pontue-se, por fim, que, à época dos acontecimentos estampados na incoativa, o paciente não ocupava o imóvel, que se encontrava na posse de um inquilino. Portanto, afigura-se-me demasiado elastério a tentativa de tragar o paciente para o universo da responsabilidade criminal sendo que ele se distanciava do palco dos acontecimentos.

Tal se evidencia, ainda mais, com o enfoque dos fatos, conforme extraídos da incoativa:


Por período de tempo ainda não determinado, mas no dia 02 de outubro de 08, no imóvel comercial, (...), o ora denunciado, livre e conscientemente, na qualidade de proprietário do referido imóvel, subtraiu para si ou para outrem, água, de propriedade da concessionária do serviço público.


Consta do incluso procedimento que funcionários da empresa lesada compareceram no referido imóvel, oportunidade que perceberam que o Hidrômetro instalado no local não figura no cadastro da CEDAE. Ato contínuo, constataram que trata-se de uma ligação direta, o que fazia com que a nota fiscal/fatura de cobrança da água consumida fosse emitida.


Conforme restou apurado, o denunciado era o proprietário do local, sendo certo que tinha conhecimento da fraude, uma vez que possuía equipamentos que consumiam água, que por sua vez não eram registrados. Assim, ao permitir e assentir com a fraude, o denunciado passou a subtrair água.


O prejuízo foi calculado em R$ 1.156,22. (fls. 52-53).

O comprovante do pagamento da dívida, efetuado em 21/12/2009, encontra-se acostado à fl. 66.

Assim, verifica-se que a insurgência se mostra em sintonia com a jurisprudência desta Corte. ... (Minª. Maria Thereza de Assis Moura).

Doc. LegJur (125.1221.5000.3000) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Habeas corpus (Jurisprudência)
Furto (Jurisprudência)
Furto de água (Jurisprudência)
Ressarcimento do prejuízo (v. Furto de água ) (Jurisprudência)
Justa causa (v. Ação penal ) (Jurisprudência)
Trancamento da ação penal (v. Ação penal ) (Jurisprudência)
Princípio da subsidiariedade (v. Furto de água ) (Jurisprudência)
Princípio da intervenção mínima (v. Furto de água ) (Jurisprudência)
Princípio da fragmentariedade (v. Furto de água ) (Jurisprudência)
CPP, art. 647
CF/88, art. 5º, LXVIII
CP, art. 155
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