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STJ. 2ª T. Tributário. ICMS. Energia elétrica. Fato gerador. Base de cálculo. Furto antes da entrega a consumidor final. Não incidência. Impossibilidade de se cobrar o imposto com base na operação anterior realizada entre a produtora e a distribuidora de energia. Amplas considerações do Min. Castro Meira sobre o tema. ADCT da CF/88, art. 34, § 9º. Lei Compl. 87/1996, art. 9º. CF/88, art. 155, § 2º, X, «b».

Postado por Emilio Sabatovski em 08/10/2012
«... Embora não tenha localizado precedente sobre a espécie, a matéria parece de fácil deslinde. A controvérsia consiste em definir se a energia furtada antes da entrega ao consumidor final pode ser objeto de incidência do ICMS, tomando por base de cálculo o valor da última operação realizada entre a empresa produtora e a que distribui e comercializa a eletricidade, como pretende o recorrente.

Como se sabe, o fato gerador do ICMS é o consumo da energia elétrica. Em princípio, parece claro que, furtada a energia antes da entrega a consumidor final, não haverá materialidade sobre a qual incidir o imposto. Ainda que os custos das fases anteriores de geração e distribuição influam na determinação da base de cálculo, não configuram hipótese de incidência isolada.

Todavia, a questão exige que se faça uma análise dos fundamentos constitucionais e legais do tributo, bem como a interpretação que lhe tem atribuído a doutrina.

(A) Incidência do ICMS sobre operações com energia elétrica: a tributação no destino.

A Constituição da República catalogou a energia elétrica como mercadoria – bem móvel dotado de valor econômico –, passível, portanto, de incidência do ICMS. Ademais, por opção política, estruturou o ICMS incidente sobre energia elétrica de modo a beneficiar os Estados consumidores em detrimento dos Estados produtores.

Com efeito, o art. 155, § 2º, X, «b», da CF/88 evidencia essa opção quando declara a não incidência do imposto sobre as operações interestaduais:


Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:


II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;


§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:


X - não incidirá:


b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;


§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do «caput» deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.

A doutrina majoritária via, no dispositivo, uma regra de imunidade a beneficiar o consumidor, que poderia adquirir energia em outra unidade da Federação sem o recolhimento do imposto, barateando custos de produção.

A professora MISABEL ABREU MACHADO DERZI, ao examinar a regra de imunidade, assentou o seu fundamento na necessidade de redução de custos empresariais, verbis:


Pode-se afirmar que, sem sombra de dúvida, a razão fundante e principal da imunidade radica na necessidade de, em especial em economia instável e inflacionária como a nossa, reduzir custos - insumos que repercurtem diretamente sobre os agentes industriais e comerciais. («ICMS - A imunidade das Operações Interestaduais com Petróleo e seus Derivados, Combustíveis Líquidos e Gasosos. A Irrelevância na Espécie do Conceito de Consumidor Final» in Direito Tributário Atual - Pareceres, São Paulo: Forense, p.159)

Ocorre que o legislador complementar restringiu a não incidência do ICMS nas operações interestaduais apenas aos casos em que a energia elétrica destina-se à comercialização ou industrialização. Nos demais, ou seja, quando destinada a uso e consumo, determinou a incidência do imposto pela entrada, responsabilizando o fornecedor pela retenção antecipada em regime de substituição tributária.

Nesse sentido, dispõem os arts. 2º, 3º, 4º e 9º, da LC 87/96:


Art. 2º O imposto incide sobre:


§ 1º O imposto incide também:


III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.


Art. 3º O imposto não incide sobre:


III - operações interestaduais relativas a energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando destinados à industrialização ou à comercialização;


Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.


Parágrafo único - É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:


IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.


Art. 9º A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados.


§ 1º A responsabilidade a que se refere o art. 6º poderá ser atribuída:


I - ao contribuinte que realizar operação interestadual com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, em relação às operações subseqüentes;


II - às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação.


§ 2º Nas operações interestaduais com as mercadorias de que tratam os incisos I e II do parágrafo anterior, que tenham como destinatário consumidor final, o imposto incidente na operação será devido ao Estado onde estiver localizado o adquirente e será pago pelo remetente.

O Prof. Ives Gandra da Silva Martins, ao comentar o art. 3º, III, da LC 87/96, reconheceu sua flagrante inconstitucionalidade, ao argumento de que a norma complementar, ao estabelecer restrição não prevista na regra de imunidade, mutilou o texto constitucional, verbis:


Como se percebe da comparação dos dois textos, a lei complementar introduziu uma «restrição» não constante da lei suprema


O dispositivo da Carta Magna torna imune todas as operações relativas à circulação de energia elétrica (mercadoria) entre Estados, enquanto a disposição infraconstitucional reduz a imunidade apenas àquelas operações destinadas à industrialização e comercialização.


Nitidamente, a lei mutilou o texto constitucional, reduzindo a imunidade constitucionalmente concedida de forma ampla a todas as operações - inclusive ás não destinadas à comercialização e industrialização - com o que alterou o preceito constitucional, amputando o espectro da desoneração desejado pela lei suprema e tornando-a menor do que a ofertada pelo constituinte.


Não vejo como possa ser tida por constitucional lei complementar modificadora da Constituição, que praticou, na linguagem médica, uma «imunotomia», sem ter poderes para tanto. («A Hipótese de Imposição do ICMS nas Operações com Energia Elétrica - Peculiaridades nas Operações Interestaduais» in Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 39, p.237)

Também José Eduardo Soares Melo escreve:


(...)


Esta diretriz afronta a norma constitucional (art. 155, X, b), que reza que o ICMS «não incidirá sobre operações que destinarem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica».


O legislador complementar objetivou bipartir a operação interestadual com referidas mercadorias, entendendo (implicitamente) que a imunidade constitucional estaria circunscrita unicamente à remessa do Estado de origem até a fronteira do Estado destinatário; passando a ocorrer o fato gerador do ICMS na «entrada» no território deste último Estado (art. 12, XII).


Estranhamente, cindiu uma única operação mercantil, vilipendiando o regime jurídico tributário estabelecido pela CF, que prestigiou as operações com os aludidos produtos, a fim de eliminar a carga tributária. Sutilmente, desprezou a imunidade constitucional, ao consubstanciar o entendimento de que se trataria de dois negócios jurídicos distintos. (ICMS Teoria e Prática. 8ª ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 104-105)

Vittorio Cassone, igualmente, sustenta a inconstitucionalidade do dispositivo da LC 87/96, afirmando:


(...) a CF, no art. 155, § 2º, X, b, não distingue quanto á destinação do produto, pelo que é defeso à lei infraconstitucional distinguir, mesmo porque se trata de exclusão da operação do campo da incidência constitucionalmente assegurada, não podendo sofrer restrições.


Não fora essa exegese, por outro caminho também se chega a Roma: a Constituição, quando quis distinguir a «entrada» da «saída» o fez, como se pode ver em relação à «entrada» de mercadoria importada do exterior, tributando-a (art. 155, § 2º, IX, a), ou á diferença de alíquota devida ao Estado destinatário da mercadoria, em operação interestadual (art. 155, § 2º, VIII).


Ademais, a intributabilidade determinada pela Constituição (imunidade ou não incidência) tem o efeito de retirar a hipótese do campo da incidência, por isso que não pode ser objeto de tributação na estrada no estado destinatário algo que inexiste. Situação, portanto, diferente da isenção, em que o fato gerador ocorre efetivamente a teor do CTN), mas cujo cumprimento da respectiva obrigação tributária é dispensado por lei. (ICMS - Lei Complementar 87/96 in Repertório Jurisprudência, nº 20/96, p. 466)

Dado o aparente descompasso entre a regra constitucional de não incidência e a previsão da lei complementar, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a manifestar-se sobre a possível inconstitucionalidade do art. 3º, III, da LC 87/96.

Nada obstante a firme posição doutrinária – de que a imunidade aplica-se a toda operação interestadual com energia elétrica e atende aos interesses do consumidor – a Suprema Corte adotou orientação contrária, vencido, isoladamente, o Min. Marco Aurélio Mello.

No Recurso Extraordinário nº 198.088-5, julgado em 17.05.2000, a Alta Corte deu interpretação restrita à regra do art. 155, § 2º, inciso X, «b», da CF/88, ao concluir que a norma desonerativa não foi instituída em benefício do consumidor final, mas do Estado de destino das mercadorias, a quem caberá a integralidade do ICMS sobre elas incidentes, desde a remessa até o consumo.

Cito, por ilustrativo, o seguinte fragmento do voto condutor do julgado, do Min. Ilmar Galvão:


Salta à vista, com efeito, que objetiva ela eliminar, como fonte geradora de ICMS, os poços de petróleo e as refinarias instaladas em poucos Estados, na medida em que exclui da incidência do tributo as operações destinadas ao abastecimento das demais unidades federadas, prevenindo o agravamento das desigualdades regionais, um dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, III da CF/88). Prestigiou o constituinte, nesse passo, os Estados consumidores em detrimento dos Estados produtores.


[...]


O dispositivo constitucional transcrito não discrimina entre operação interestadual destinada a contribuinte de ICMS e operação interestadual destinada a consumidor.


É patente, entretanto, que não se está, no caso, diante de imunidade propriamente dita, mas de genuína hipótese de não incidência do tributo – como aliás, se acha expresso no inc. X do § 2º do art. 155 da CF – restrita ao Estado de origem, não abrangendo o Estado de destino, onde são tributadas todas as operações que compõem o ciclo econômico por que passam os produtos descritos no dispositivo sob enfoque, desde a produção até o consumo.

Nesse julgamento, a Suprema Corte afirmou, com todas as letras, que a tributação da energia elétrica, no caso de operações interestaduais, será realizada exclusivamente no destino, revelando a clara opção do constituinte originário em aquinhoar os Estados consumidores em detrimento dos produtores.

Deonísio Koch, ao comentar o dispositivo constitucional, sustenta:


(...)


A norma tem por objetivo a repartição da receita tributária, proveniente destas mercadorias, para os Estados destinatários, impedindo a sua concentração nos Estados produtores. É a chamada tributação no destino da mercadoria. Iniciativa de boa justiça fiscal, pois socializa os recursos hídricos e minerais disponíveis no território brasileiro. Em não havendo tributação na operação interestadual, todo o ICMS ficará para o Estado consumidor. (Manual do ICMS - Comentários à Lei Complementar 87/96 Atualizada. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 92)

Em resumo, o delineamento constitucional do ICMS incidente sobre a energia elétrica revela nítida opção política do constituinte pela tributação no destino, onde se acha situado o consumidor final.

(B) Breve notícia sobre a PEC nº 233/2008, que institui a «Reforma Tributária.»

A Proposta de Emenda Constitucional nº 233/2008, a última encaminhada pela Presidência da República a tratar sobre a «Reforma Tributária», diferentemente de alguns projetos anteriores, fixa a tributação da energia elétrica, integralmente, no Estado de destino, mantendo a sistemática hoje existente.

O trabalho elaborado pela Coordenação de Estudos da Consultoria Legislativa do Senado Federal deixa clara a atual sistemática de tributação no destino, preservada no novo projeto de Reforma Tributária, verbis:


O regime de apropriação da receita do atual ICMS derivada das operações e prestações interestaduais é misto, uma vez que uma parte, em regra, maior, fica com o Estado de origem, e a outra parte, em regra, menor, fica com o Estado de destino. A exceção – de monta – se dá com as operações relativas a petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica, cuja receita é inteiramente apropriada pelo Estado de destino.


A PEC propõe inversão no critério de apropriação. O Estado de origem ficaria com a menor parte – a parcela do imposto equivalente à incidência de dois por cento – e o Estado de destino com a maior parte – a parcela do imposto equivalente à incidência da alíquota aplicável menos a parcela equivalente à incidência de dois por cento. Duas exceções são previstas, em que o imposto pertencerá integralmente ao Estado: a) de origem, nas operações e prestações sujeitas a incidência inferior a 2%; e b) de destino, nas operações com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica.


A consagração do princípio do destino é, na avaliação do Ministério da Fazenda, a forma mais segura de eliminar a guerra fiscal. Entretanto, a mudança imediata no sistema de transações interestaduais não é viável politicamente, dado seu forte impacto na distribuição de receita entre os Estados e a impossibilidade de extinção abrupta dos incentivos (veja-se, a esse respeito, o Anexo VI, que exibe simulação de efeitos da adoção da alíquota de 2% na origem). Por essa razão, propõe-se uma transição gradual para a tributação do ICMS no destino, reduzindo-se a alíquota na origem progressivamente e completando-se o processo no oitavo ano após a aprovação da reforma tributária, com a criação do novo ICMS, conforme a Tabela 1, inserida no subitem 5.1 deste Estudo. (http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussão/texto44-albertozouvifernandoTrindadejos%C3%A9patroc%C3%ADniojosu%C3%A9pellegrinericardomiranda.pdf)

Na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara, os deputados, por pequena maioria, com base no princípio isonômico, resolveram excluir do Projeto a regra que previa a tributação da energia elétrica exclusivamente no destino. Com a exclusão, será adotada, no caso de aprovação da PEC sem emendas no Senado, a regra geral válida para as demais mercadorias, que fixa dois pontos percentuais do imposto para o Estado de origem, ficando o restante com o Estado destinatário dos bens e serviços.

(C) Histórico legislativo da tributação da energia elétrica: incidência sobre o consumo.

A tributação sobre energia elétrica fez-se, inicialmente, sob a forma de imposto especial sobre consumo.

A Lei 4.625/22, que veiculou o orçamento geral da República para o ano de 1923, prescreveu a cobrança de 5 réis sobre cada Kilowatt luz, e de 2 réis sobre cada Kilowatt força, consumidos ou, se o regime fosse a forfait, 5% sobre os preços arrecadados, com isenção para o consumo mensal abaixo de 20 Kilowatts, nestes termos:


Art. 1º. A receita geral da República dos Estados Unidos do Brasil é orçada em:


36. De 5 réis sobre cada Kilowatt luz e de 2 réis sobre cada Kilowatt força, ou se o regime for a forfait 5% sobre os preços arrecadados na forma que foi ptrescrita em regulamento e com isenção para o consumo mensal abaixo, em cada caso, de 20 Kilowatts, mensais 3,000.000 $000.

O Decreto-Lei 2.281/40 isentou as empresas geradoras e distribuidoras de energia elétrica de impostos federais, estaduais ou municipais, ressalvando, expressamente, a incidência do imposto sobre consumo, verbis:


Art. 1º - A partir de 1º de janeiro de 1940, todas as empresas que produzam ou apenas transmitam ou distribuam energia elétrica ficam isentas de quaisquer impostos federais, estaduais ou municipais, salvo os de consumo, de renda e de vendas e consignações, incidindo este somente sobre o material elétrico vendido ou consignado, e os territorial e predial sobre terras ou prédios não utilizados exclusivamente para fins de administração, produção, transmissão, transformação ou distribuição de energia elétrica e serviços correlatos.


Parágrafo único - O disposto neste artigo aplica-se tanto às empresas que operam com motores hidráulicos quanto às que operam com motores térmicos.

O Decreto 41.019/57, também conhecido como Código de Águas, trouxe regra semelhante, apenas reduzindo a isenção para os impostos federais, nos termos do art. 109, verbis:


Art. 109. Todas as empresas que produzam ou apenas transmitam ou distribuam energia elétrica são isentas de quaisquer impostos federais, estaduais e municipais, salvo:


a) o imposto de renda;


b) os impostos de consumo e venda mercantis que incidam sobre o material elétrico vendido ou consignado;


c) os impostos territorial e predial sobre terras e prédios não utilizados exclusivamente para fins de administração, produção, transmissão, transformação ou distribuição de energia elétrica e serviços correlatos.


Parágrafo único - O disposto neste artigo aplica-se tanto às empresas que operam com motores hidráulicos quanto às que operam com motores térmicos.

O Decreto-Lei 7.219/44, que tratou do imposto sobre o consumo, deixou clara a incidência sobre o consumo mensal de energia elétrica:


VIII - Eletricidade.


O imposto incide sobre:


Consumo de luz e força elétricas (...)


Imposto de 3% sobre as importâncias cobradas mensalmente pelo consumo de eletricidade.

O imposto único sobre energia elétrica foi criado pelo Decreto-Lei 2.308/54 sob a forma de imposto sobre o consumo, cabendo o pagamento ao próprio usuário:


Art. 3º A energia elétrica entregue ao consumo é sujeita ao imposto único, cobrado pela União sob a forma de imposto de consumo, pago por quem a utilizar.

Com a extinção do imposto único sobre energia elétrica, a incidência passou à esfera do «Imposto sobre Operações Relativas a Combustíveis, Lubrificantes, Energia Elétrica e Minerais do País», nos termos do art. 74 do Código Tributário Nacional-CTN, verbis:


Art. 74. O imposto, de competência da União, sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do País tem como fato gerador:


V - o consumo, assim entendida a venda do produto ao público.


§ 1º Para os efeitos deste imposto a energia elétrica considera-se produto industrializado.


§ 2º O imposto incide, uma só vez sobre uma das operações previstas em cada inciso deste artigo, como dispuser a lei, e exclui quaisquer outros tributos, sejam quais forem sua natureza ou competência, incidentes sobre aquelas operações.

O dispositivo, além de considerar energia elétrica produto industrializado, afirmou sua incidência sobre o consumo, assim entendida «a venda do produto ao público», nos termos da parte final do inciso quinto.

A partir da Constituição Republicana de 1988, a tributação da energia elétrica, à exceção dos impostos de importação e exportação, passou à competência tributária dos Estados por meio do ICMS.

Nesse momento, «o tributo perde a característica de imposto específico sobre o consumo e se transforma em imposto sobre operações relativas à energia elétrica, com repercussão legal obrigatória sobre o consumidor» (Torres, Ricardo Lobo. ICMS, Fornecimento de Energia Elétrica e Demanda de Potência in Revista de Estudos Tributários, ano XI, nº 62, 2008, p. 11, sem grifos no original).

Para o ilustre tributarista, a partir da CF/88, a tributação passou a compreender todas as etapas de circulação – importação, produção e distribuição, com a incidência jurídica reservada ao momento da saída da concessionária para o consumidor final. As diversas operações de circulação aparecem interligadas, e a operação final com o consumidor reflete as sucessivas operações desde a importação ou produção. (Id., Ibid., p. 12-13)

Esse breve histórico demonstra que é da nossa tradição incidirem os impostos sobre energia elétrica sobre o consumo. O próprio ICMS, que abrange também etapas anteriores, como a produção e a circulação, tem expressa e inequívoca repercussão sobre o consumidor.

(D) Identificação dos elementos espacial e temporal da obrigação tributária do ICMS incidente sobre energia elétrica.

Sem descuidar das conclusões parciais já formuladas – que dão conta de que o ICMS sujeita-se ao princípio da tributação pelo destino –, torna-se tarefa não muito complexa aferir os elementos temporal e espacial da hipótese de incidência do ICMS incidente sobre operações com energia.

O consumo de energia elétrica pressupõe, logicamente, sua produção – no caso brasileiro, basicamente, por meio de hidrelétricas, termelétricas e usinas nucleares, além de algumas experiências localizadas na exploração da energia eólica e solar – e sua distribuição, quase sempre por concessionárias e permissionárias de serviço púbico. Como é curial, só se pode consumir energia anteriormente produzida e distribuída.

As três etapas do ciclo econômico da energia foram analisadas por Daniel de Araújo Carneiro, especialmente feliz em sua descrição:


Um sistema de energia elétrica pode ser subdividido em meios de produção, meios de transporte e meios de consumo. Os meios de produção são representados pelos diversos mecanismos necessários para a geração de energia elétrica em escala industrial. No Brasil, de forma específica, são utilizados de maneira mais expressiva a geração hidrelétrica, onde a energia elétrica é gerada a partir da transformação da energia potencial de cursos d´água, e, em menor escala, as usinas termelétricas, onde a eletricidade é resultante da transformação de energia cinética de gases e vapores em expansão, aquecidos pela queima de combustíveis.


Após a geração é necessária a condução deste «produto» aos diversos consumidores, o que se faz através das linhas de transmissão, subestações e distribuição de energia elétrica, e que correspondem aos meios de transporte.


Finalmente, o conjunto de cargas, equipamentos e instalações, etc., dos mais diversos consumidores correspondem aos meios de consumo. (Tributos e Encargos do Setor Elétrico Brasileiro, Curitiba: Juruá, 2001, p. 76)

As etapas do ciclo econômico da energia elétrica – que abrangem a produção, a distribuição e o consumo – estão absolutamente interligadas, até mesmo em razão da natureza desse bem incorpóreo, que:


(a) não se sujeita à estocagem;


(b) é de consumo imediato; e


(c) uma vez lançado no sistema elétrico, não pode ter sua origem identificada.

Como não pode ser estocada, a energia tem que ser rapidamente consumida, do que decorre a ausência de hiato entre a produção e o consumo. Em outras palavras, uma vez gerada, a energia é quase imediatamente utilizada pelos consumidores.

Além disso, a energia produzida na Usina de Itaipu, por exemplo, é lançada no sistema elétrico e, em pouco tempo, pode estar sendo utilizada por um consumidor sediado no Amazonas, no Rio de Janeiro, em Brasília ou em qualquer outro Estado do País, sem que seja possível identificar a origem da energia consumida.

Sobre tais características, Cléver Campos argumenta:


O sistema elétrico nacional faz a conexão física de todos os geradores, transmissores, distribuidores e consumidores. Funciona, como já dito, analogamente a um sistema de caixa único, em um mesmo momento, recebe a energia de todos os geradores e alimenta todos os consumidores. Portanto, produção e consumo se dão instantaneamente, não havendo possibilidade de estoques entre os estágios intermediários de produção, transmissão e distribuição» (Introdução ao Direito de Energia Elétrica. São Paulo: Ícone, 2001, p. 68).

Walter T. Alvares, igualmente, assinala:


No caso particular da eletricidade, a saída da usina, a entrega e o consumo coincide com a fabricação do produto e com o próprio consumo feito pelo usuário do serviço explorado pelo concessionário. (Instituições de Direito da Eletricidade, Ed. Bernardo Álvares, 1962, v. 2, p. 501)

Em razão dessas características, o nosso sistema tributário adotou como elemento temporal da hipótese de incidência do ICMS o consumo, vale dizer, o momento em que a energia, saindo da rede elétrica, é utilizada pelo estabelecimento consumidor.

Como o imposto incide sobre operações de circulação da energia elétrica, poderia o legislador adotar qualquer das três etapas anteriormente descritas: geração, distribuição ou consumo.

No caso brasileiro, adotou-se a última etapa, mas nada impedia o legislador de eleger a geração ou a distribuição como elemento temporal da hipótese de incidência tributária.

Como observa Ricardo Lobo Torres, «em outros países, como na Itália, o momento da ocorrência do fato gerador é fixado, pela legislação, na produção da energia elétrica, o que traz consequências diferentes das produzidas no nosso sistema na temática da sujeição e da responsabilidade tributária». (Id., Ibid., p. 15)

Não obstante tenha a opção recaído sobre a etapa do consumo, a base de cálculo do ICMS nas operações com energia elétrica leva em conta toda a cadeia, ou seja, todos os custos, desde a produção até o consumo, justamente porque as etapas anteriores são indissociáveis.

Roque Antônio Carrazza sustenta:


(...) o ICMS - Energia Elétrica levará em conta todas as fases anteriores que tornaram possível o consumo da energia elétrica. Estas fases anteriores, entretanto, não são dotadas de autonomia apta a ensejar incidências isoladas, mas apenas uma, tendo por único sujeito passivo o consumidor final.


O elo existente entre a usina geradora e a empresa distribuidora não tipifica, para fins fiscais, operação autônoma de circulação de energia elétrica. E, na verdade, o meio necessário à prestação de um único serviço público, ao consumidor final, abrindo espaço a cobrança, junto a este, de um único ICMS.


[...]


Não desconhecemos que cada etapa deste iter acrescenta riquezas novas, isto é, aumenta o custo da energia elétrica fornecida ao consumidor final. Mas isto só repercute na base de cálculo do ICMS, que será a teor do dispositivo constitucional transitório em, o preço então praticado na operação final.


Com isto estamos enfatizando que tal tributação, em face das peculiaridades que cercam o fornecimento de energia elétrica, só é juridicamente possível no momento em que a energia elétrica, por força de relação contratual, sai do estabelecimento do fornecedor, sendo consumida. (ICMS. 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 268-269)

O art. 34, § 9º, da CF/88, além de atribuir a responsabilidade tributária às distribuidoras de energia elétrica, que agem por substituição, deixou à margem de qualquer dúvida que o ICMS incide sobre o valor da operação final, abrangendo todas as etapas anteriores ao consumo, como se pode conferir:


§ 9º. Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação. (original sem grifos)

Essa regra do ADCT foi, praticamente, reproduzida pelo art. 9º da LC 87/96, verbis:


Art. 9º A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados.


§ 1º A responsabilidade a que se refere o art. 6º poderá ser atribuída:


I - ao contribuinte que realizar operação interestadual com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, em relação às operações subseqüentes;


II - às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação.


§ 2º Nas operações interestaduais com as mercadorias de que tratam os incisos I e II do parágrafo anterior, que tenham como destinatário consumidor final, o imposto incidente na operação será devido ao Estado onde estiver localizado o adquirente e será pago pelo remetente.

Desse normativo, conclui-se:

(a) o ICMS incide por ocasião do consumo, mas a base de cálculo abrange todas as operações anteriores, «desde a produção ou importação até a última operação»;

(b) o imposto deverá ser recolhido ao Estado de destino, onde situado o consumidor final; e

(c) o recolhimento, por substituição, caberá ao fornecedor (empresas geradoras ou distribuidoras).

A doutrina é acorde em apontar a etapa do consumo como o elemento temporal da hipótese de incidência do ICMS sobre operações com energia elétrica.

Roque Antônio Carrazza, na obra já citada, assinala:


Nos termos da Constituis;ao Federal, este imposto tem por hipótese de incidência possível a circunstancia de uma pessoa produzir, importar, fazer circular, distribuir ou consumir energia elétrica. O legislador ordinário (estadual ou distrital), ao criar, in abstractor, este imposto, poderá colocar em sua hipótese de incidência todos, alguns ou um destes fatos.


Dentre estas alternativas, a legislação optou pela discrição de uma operação jurídica que possibilite o consumo de energia elétrica. Portanto, atualmente, a hipótese de incidência do ICMS-Energia Elétrica é consumir por força de um negocio jurídico, energia elétrica.


Em função do que dispõe o § 9º, do art. 34 do ADCT, as empresas distribuidoras de energia elétrica, são responsáveis, na qualidade substitutas tributárias (sujeição passiva indireta por Substituição), pelo recolhimento do imposto.


[...]


A distribuidora de energia elétrica, no entanto, não se equipara a um comerciante atacadista, que revende, ao varejista ou ao consumidor final mercadorias de seu estoque.


É que a energia elétrica não configura bem suscetível de ser «estocado», para ulterior revenda aos interessados.


Em boa verdade cientifica, só há falar em operação jurídica relativa ao fornecimento de energia elétrica, passível de tributação por meio de ICMS, no preciso instante em que o interessado, consumindo-a, vem a transforma-la em outra espécie de bem da vida (luz, calor, frio, força, movimento ou qualquer outro tipo de utilidade).


Portanto, apenas por «ficção» e que se pode entrever, na «circulação» de energia elétrica, duas operações distintas: uma, da fonte geradora a rede distribuidora; outra, desta ao consumidor final.


[...]


V - Remarcamos que a situação ora retratada não se altera, ainda quando a produtora e a distribuidora de energia elétrica forem empresas distintas, já que, como vimos e revimos, a incidência do ICMS dá-se somente no instante em que a energia elétrica vem regularmente consumida.


Estamos com isso querendo significar que, nas etapas anteriores ao consumo de energia elétrica, deixa de ocorrer o fato imponível do ICMS, não acarretando, portanto, qualquer dever de pagar o tributo. Melhor explicitando, a distribuidora, na hipótese ora., considerada não tem porque recolher, ainda que na condição de substituta tributária, o ICMS da fornecedora de energia elétrica: como visto, esta exação só e devida quando a mercadoria chega regularmente ao consumidor final.


Assim, não e técnico falar em diferimento do ICMS, quando a energia elétrica circula da empresa geradora para a distribuidora. O que há, nesta etapa preparatória ao fornecimento da mercadoria ao consumidor final é uma mera situação de não incidência. (Id. Ibid., p. 266-272)

Ricardo Lobo Torres, ao examinar o aspecto temporal, acentuou que (...):


O fato gerador do ICMS apenas se aperfeiçoa, deflagrando o nascimento da obrigação tributária, com o fornecimento da energia elétrica ao consumidor final, que é a «última operação» ou «operação final» referida no ADCT (art. 34, § 9º) e na LC 87/1996 (art. 9º, § 1º, II).


O termo fornecimento ingressou no direito brasileiro ainda ao tempo do antigo Imposto único sobre Energia Elétrica e perdura até hoje na legislação sobre a concessão e as tarifas do serviço público, para significar a entrega da mercadoria pelas concessionárias aos consumidores finais.


[...]


O momento da saída do estabelecimento do concessionário coincide com o da entrega do bem ao consumidor. (Id. Ibid, p. 14-15)

Bruno Oliveira Cardoso, reconhecendo que o consumo é o que materializa a hipótese de incidência do ICMS incidente sobre energia elétrica, leciona:


A utilização efetiva de energia elétrica, equiparada à mercadoria, de acordo com a legislação em vigor, constitui fato gerador do Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (ICMS), de competência estadual, por força do art. 155, inciso II, da Constituição Federal.


[...]


Portanto, sendo a energia elétrica, para fins tributário, considerada mercadoria, é pacífico o entendimento de que sua transmissão configura hipótese de incidência do ICMS, e de acordo com os critérios que compõem a Regra Matriz de Incidência Tributária - tomando por base as normas trazidas à baila - temos como critério como critério material do fato gerador do tributo sub occulis - ICMS - o efetivo consumo da energia elétrica, consubstanciado na transmissão de eletricidade ao estabelecimento consumidor, sendo a base de cálculo o valor da energia efetivamente consumida. (Contratos de Demanda no Fornecimento de Energia Elétrica - Impossibilidade de Incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Telecomunicações e Transporte Interestadual e Intermunicipal-ICMS in Revista Jurídica Tributária, ano 1, nº 2, 2008, p. 101-104)

Não há, portanto, controvérsia doutrinária sobre o elemento temporal da hipótese de incidência do ICMS incidente sobre energia elétrica, fincado no critério do consumo.

O Superior Tribunal de Justiça não tardou a seguir a valiosa contribuição doutrinária. No julgamento do Recurso Especial nº 960.476/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, submetido à sistemática dos recursos representativos de controvérsia prevista no art. 543-C do CPC e na Resolução STJ nº 08/2008, a Primeira Seção assentou que «o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa».

Para manter fidelidade ao aresto, transcrevo sua ementa:


TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE EM DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA. INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE NA DEMANDA DE POTÊNCIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE UTILIZADA.


1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810/MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que «o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos», razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica, «a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria». Afirma-se, assim, que «o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa».


2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que «não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência». Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor.


3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456/2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.


4. No caso, o pedido deve ser acolhido em parte, para reconhecer indevida a incidência do ICMS sobre o valor correspondente à demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada.


5. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08. (REsp 960.476/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 13.05.2009, sem grifos no original)

O voto condutor do precedente traz esclarecimento, aqui já abordado, de que «a energia elétrica só é gerada e só circula quando há consumo». Para o eminente Relator, «há um dado da realidade que não pode ser ignorado: a energia elétrica é um bem insuscetível de ser armazenado ou depositado. Ela só é gerada para ser imediatamente consumida. Dito de outra forma: a energia elétrica é gerada porque é consumida. Não há geração e nem circulação sem que haja consumo. Por isso mesmo, não se pode conceber a existência de fato gerador de ICMS sobre operações de energia elétrica sem que haja a efetiva utilização dessa especial mercadoria».

Definido o consumo como elemento temporal da obrigação tributária do ICMS incidente sobre energia elétrica, o aspecto espacial, por dedução lógica, é o local onde consumida a energia, vale dizer, onde, saindo da rede elétrica, ingressa no estabelecimento consumidor, transformando-se em calor, frio, movimento etc.

Aqui é possível aferir: o critério temporal do ICMS - energia elétrica é o momento do consumo e o espacial o local onde ela é consumida.

Embora as fases anteriores ao consumo (geração e distribuição) influam na determinação da base de cálculo da energia, como determinam os arts. 34, § 9º, do ADCT e 9º da LC 87/96, não configuram hipótese isolada e autônoma de incidência do ICMS, de modo que, furtada a energia antes da entrega a consumidor final, não ocorre o fato gerador do imposto, sendo impossível sua cobrança com base no valor da operação anterior, vale dizer, daquela realizada entre a empresa produtora e a distribuidora de energia.

(E) Doutrina específica sobre ICMS e furto de energia.

A orientação grassada no acórdão recorrido está em harmonia com a doutrina majoritária.

Roque Antônio Carrazza leciona o seguinte:


5.1.4. O «furto de energia elétrica». Sua intributabilidade por meio de ICMS.


I - Muito se tem discutido acerca da incidência de ICMS nos casos de furto de energia elétrica, nas modalidades conhecidas como adulteração de medidores», «gato«etc.


Mais: na hipótese de não haver tal incidência, perquire-se se isto ocorre exclusivamente no elo da cadeia onde se constatou o ilícito, ou sobre todo o processo de comercialização da energia, considerando-se que a empresa geradora é distinta da distribuidora, havendo entre ambas a celebração de contrato de compra e venda do produto.


Questiona-se, finalmente, se, no caso de o consumidor, autor da manobra fraudulenta, reconhecer o fato, celebrando com a distribuidora «termo de confissão de dívida e parcelamento», o ICMS será devido sobre o total do valor confessado ou, pelo contrário, considerando que a energia elétrica não é fisicamente recuperável, este valor será havido como ressarcimento de custo - e, assim, não-sujeito à incidência do tributo.


II - Como já demonstramos, para que haja incidência do ICMS Energia Elétrica é imprescindível ocorra uma operação jurídica com o consumidor final. Noutro giro: só há falar em nascimento do dever de pagar ICMS quando o fornecimento de energia elétrica decorrer de um negócio jurídico regular.


A contrario sensu, o ICMS deixa de ser devido nos casos em que a energia elétrica se perde, quer por razões físicas («vazamentos» no sistema), quer por motivos de ordem criminal (furto). É que, inexistindo consumo regular, ausente está – pelo menos sob a óptica do Direito Tributário – qualquer operação relativa ao fornecimento de energia elétrica.


Do exposto, temos que, havendo tais ocorrências, deixa de existir espaço jurídico para que se cogite, seja a que pretexto for, de nascimento da obrigação de recolher ICMS-Energia Elétrica.


Deveras, os eventos posteriores a tal «perda», ainda que envolvam o ressarcimento dos prejuízos causados, não tem significação tributária – ou se preferirmos, absolutamente não tipificam o fato imponível (fato gerador «in concreto») da exação em tela. Positivamente, não se está diante de operação jurídica de fornecimento de energia elétrica (ICMS, 13ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2009, pp. 272-273).

Sacha Calmon Navarro Coelho, em parecer à consulta formulada pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica-ABRADEE, respondeu o seguinte:


11. RESPOSTA AO QUESITO


As perdas de energia elétrica estão sujeitas ao ICMS?


Resposta: Absolutamente não, por isso que, no caso da energia elétrica, há apenas uma base de cálculo (concentração da incidência), que é a do preço da venda da energia ao consumidor ao final, como vimos de ver ao longo do parecer.


Ao longo da cadeia produção (geração), transmissão em linha (ou transporte), distribuição por redes (teias) e consumo, há incidência do ICMS, com os agentes anotando o imposto das operações anteriores inerentes aos respectivos misteres, mas a cobrança do imposto dá-se somente na fase do consumo, quando a carga global do ICMS é repassada ao consumidor final (não cumulatividade). As tarifas levam em linha de conta os encargos fiscais, por dentro e por fora, nos custos da geração, do transporte (transmissão) e da distribuição, bem como uma estimativa de perdas técnicas e financeiras. Eis o resumo da questão. Juridicamente falando existe tão somente uma base de cálculo para a incidência da alíquota que grava o preço da energia posta à disposição do consumidor final, por força de lei (principio da repercussão necessária). A autoridade administrativa não tem competência constitucional para inventar outra base de cálculo são matérias sob reserva de lei (principio da obrigação ex-lege), como referem os autores, a jurisprudência e a legislação trazidas à baila. As perdas técnicas desde a geração da energia até o seu consumo são prejuízos, jamais valor acrescido, motivo pelo qual são indenizadas nas tarifas, sobre as quais incide o ICMS. É dislate inominável a pretensão de tributá-las; já houve a compensação delas no preço cobrado do consumidor final.


Por outro lado, as perdas financeiras decorrentes de fato de terceiros prejudicam as distribuidoras, subtraindo-lhes mercadoria vendável, ademais de sem recuperadas, quando descobertas as fraudes e roubos, momento em que ocorre a recuperação do faturamento e do ICMS (Parecer de 05.03.2001, em resposta a consulta da ABRADEE).

Portanto, nada há para reformar no aresto recorrido. O ICMS não incide sobre a energia elétrica «perdida» (furtada) nas operações de transmissão e distribuição por absoluta intributabilidade em face da não ocorrência do fato gerador, que só se materializa com o consumo. ...» (Min. Castro Meira).»

Doc. LegJur (126.5910.6000.5900) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Tributário (Jurisprudência)
▪ ICMS (v. ▪ Tributário) (Jurisprudência)
▪ Fato gerador (v. ▪ ICMS) (Jurisprudência)
▪ Base de cálculo (v. ▪ Energia elétrica) (Jurisprudência)
▪ Energia elétrica (v. ▪ Tributário) (Jurisprudência)
▪ ADCT da CF/88, art. 34, § 9º
(Legislação)
▪ CF/88, art. 155, § 2º, X, «b»
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