Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. LEI 10.826/2003, art. 14 E LEI 8.069/1990, art. 244-B, N/F CP, art. 69. RECURSO DEFENSIVO QUE ALMEJA A ABSOLVIÇÃO POR: 1) FRAGILIDADE PROBATÓRIA EM RELAÇÃO AOS DELITOS PRATICADOS; 2) ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA POR AUSÊNCIA DE LESIVIDADE E POR INCONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO (DELITO Da Lei 10.840/2003, art. 14). DE FORMA SUBSIDIÁRIA, REQUER: 1) RECONHECIMENTO DA ATENUANTE PREVISTA NO CP, art. 66 (COCULPABILIDADE DO ESTADO), COM FIXAÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO; 2) EXCLUSÃO DE UMA DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS; 3) REDUÇÃO DO VALOR DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
Restou comprovado que, em 22 de março de 2022, por volta das 06h30min, o recorrente, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, portou e ocultou um revólver marca Tanque, calibre 32, municiado com 06 (seis) munições do mesmo calibre. Nas mesmas condições de tempo e local, o apelante, agindo de forma livre e consciente, corrompeu menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la. Segundo a prova produzida, policiais militares estavam tentando localizar um indivíduo de vulgo «Salomão, que teria praticado uma série de roubos na cidade vizinha de Bom Jesus do Norte/ES. Os agentes da lei receberam, então, informações de que um indivíduo, até então não identificado, estaria em posse de uma arma de fogo num terreno baldio, razão pela qual procederam até o local e, após diligências de busca, localizaram um adolescente. Indagado, respondeu que tinha uma arma guardada em sua residência. Os policiais para lá se dirigiram junto com o menor, que entregou a arma de fogo já mencionada. O adolescente disse que a arma de fogo havia sido deixada com ele por volta das 6h30min da manhã do mesmo dia pelo apelante, que, portanto, utilizou o menor de idade para guardar sua arma de fogo após praticar roubos em Bom Jesus do Norte. Contrariamente ao que argumenta a defesa, a autoria é inconteste. As declarações do adolescente, de sua mãe, além dos seguros e harmônicos depoimentos dos policiais que realizaram a diligência, não deixam dúvida de que ambos, o apelante e o menor, compartilhavam a arma de fogo já descrita. De outro giro, o pleito de reconhecimento de atipicidade da conduta, no tocante ao crime da lei do desarmamento, em face do porte compartilhado, também não está a merecer albergue. De início, cumpre pontuar que o fato de o crime de porte/posse ilegal de arma de fogo ser unissubjetivo, não afasta a possibilidade de ser praticado em concurso de pessoas. A classe dos crimes unissubjetivos, monossubjetivos ou simplesmente unilaterais, apenas alinha os delitos que «podem ser cometidos por uma só pessoa, sem, contudo, impedir que a sua execução eventualmente seja perpetrada por duas ou mais pessoas. O porte/posse ilegal de arma também não exige do agente nenhuma qualidade especial, tratando-se de delito comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, sendo perfeitamente possível a existência do concurso de pessoas e de porte ou posse de forma compartilhada, o que se dá quando o agente, além de ter conhecimento da existência da arma, tem plena disponibilidade para usá-la caso assim pretenda. No caso em tela, a arma, municiada, foi encontrada na casa do adolescente, que afirmou categoricamente ter o recorrente lhe pedido para guardá-la. Portanto, estava disponível e acessível a ambos. Dessa forma, restou plenamente evidenciado que o apelante sabia da existência do armamento e tinha plena disponibilidade para usá-lo. Tampouco há falar-se em ausência de lesividade. Como consabido, crimes de perigo abstrato independem da prova de ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja. No tocante às armas, o legislador, diverso do entendimento havido quando ainda em vigor a Lei 9.437/97, concluiu que o Estado, para cumprir o seu dever na oferta da segurança pública, passou a necessitar de um controle mais rigoroso na oferta pública das armas e munições. O elevado grau de insegurança pública que acometeu o seio social demonstra que o Estado de hoje não mais consegue guarnecer o bem jurídico segurança pública apenas com a proibição do porte de arma de fogo. Entendido desta forma, não se poderá interpretar que a arma não efetivamente utilizada possa gerar o reconhecimento da atipicidade da conduta, por ausência de ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado, eis que, ao inverso, há sim ofensa ao bem jurídico, qual seja, a segurança coletiva, diante do interesse e necessidade do Estado em controlar o número de armas de fogo, munições, etc. como forma de garantir a proteção ao bem jurídico citado e que constitui um direito individual previsto constitucionalmente. Nesse passo, consoante entendimento firmado pelo STJ, «basta o porte ou a posse de arma de fogo, de munição ou de acessório, de uso permitido ou restrito, em desacordo com determinação legal ou regulamentar para a incidência do tipo penal, uma vez que a impossibilidade de uso imediato dos artefatos não descaracteriza a natureza criminosa da conduta (AgRg no REsp. Acórdão/STJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021). Quanto ao crime do Lei 8.069/1990, art. 244-B, este também restou indene de dúvida. A prática do delito da Lei 10.826/200328, art. 14 em companhia de um adolescente pôs em perigo o bem jurídico penalmente tutelado, sendo irrelevante a ocorrência de resultado jurídico, por se tratar de crime formal. Quanto à natureza do referido delito, ambas as Turmas do STF já se posicionaram nesse mesmo sentido em diversas decisões e, no STJ, foi consolidado o entendimento através do verbete sumular 500: «A configuração do crime previsto no ECA, art. 244-Bindepende da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal". Condenação que se mantém por ambos os delitos. No que diz respeito à resposta penal, na 1ª fase, penas básicas bem dosadas no mínimo. Na 2ª fase, a defesa pretende o reconhecimento de atenuante inominada (CP, art. 66), em razão da alegada coculpabilidade do Estado por falha na garantia de direitos sociais. Todavia, restringiu-se ao plano da mera alegação, inexistindo qualquer comprovação das oportunidades sociais negadas ao recorrente ou mesmo em quais situações o Estado foi procurado e negou-lhe atenção ou resposta, sendo certo que «(...) O STJ não tem admitido a aplicação da teoria da coculpabilidade do Estado como justificativa para a prática de delitos. Ademais, conforme ressaltou a Corte estadual, sequer restou demonstrado ter sido o paciente prejudicado por suas condições sociais. (...)". (HC 187.132/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. em 05/02/2013, DJe 18/02/2013). Ademais, ainda que se reconhecesse a referida atenuante, impossível seria a aplicação da pena aquém do mínimo, em observância ao disposto na Súmula 231/STJ. Na 3ª fase, inexistem causas de aumento ou diminuição de pena a serem sopesadas. No tocante ao concurso de crimes, apesar de não cogitado no apelo defensivo, o cúmulo material aplicado na sentença deve dar lugar à regra do concurso formal perfeito ou próprio previsto no art. 70, primeira parte, do CP, porquanto os delitos derivaram de uma só conduta. Com efeito, ao praticar o crime de porte ilegal de arma de fogo em companhia do menor, o apelante tinha em mente apenas uma conduta, qual seja, o porte da arma de fogo de uso permitido, sendo desconsideradas as demais consequências que poderiam advir da ação, tal como a corrupção do adolescente. Aplica-se, portanto, a pena do delito mais grave (porte de arma de fogo) aumentada de 1/6. Regime aberto que se mantém. Por fim, a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos mostra-se pedagogicamente correta e em sintonia com o disposto no CP, art. 44, § 2º, já que a reprimenda foi estabelecida em patamar superior a um ano. Todavia, o quantum da prestação pecuniária deve ser reduzido para um salário-mínimo, valor que se mostra mais proporcional e razoável no caso em tela. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.... ()
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