Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 573.9463.8960.0511

1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RECURSO DEFENSIVO DESEJANDO 1. A ABSOLVIÇÃO DO RECORRENTE EM RELAÇÃO AOS DOIS CRIMES PRATICADOS CONTRA AS DUAS VÍTIMAS, POR FALTA DE PROVAS; 2. SUBSIDIARIAMENTE, ALEGA A INEXISTÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO TIPIFICADA NO ART. 226, II, DO CÓDIGO PENAL EM RELAÇÃO À VÍTIMA ANA PAULA; 3. POR FIM, REQUER REDUÇÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO EM RAZÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA.

Segundo a denúncia corroborada pelos relatos em Juízo, restou provado que em datas não precisadas, mas no período compreendido entre os anos de 2011 e 2012, relativamente à vítima filha do recorrente ofensor, à época com 13 anos de idade, numa residência no bairro Campinho, o recorrente com ela praticou, mais de dez vezes, atos libidinosos consistentes em «chupar seus seios"; tirar sua roupa; tentar penetrar o pênis em sua vagina; vigiá-la enquanto tomava banho; passar a mão em seu corpo e beijar sua boca. No mesmo local, agora entre os anos de 2015 e 2017, e relativamente à vítima sobrinha do recorrente ofensor, à época com idade entre 12 (doze) e 13 (treze) anos, o recorrente com ela praticou, mais de dez vezes, atos libidinosos consistentes em «chupar seus seios"; vigiá-la enquanto tomava banho e passar a mão em seus seios e sua vagina. As duas crianças residiam com o recorrente, que se aproveitava dos momentos em que estava sozinho com cada uma delas para praticar os crimes, além de ameaçá-las dizendo que, caso relatassem os abusos poderia matá-las, de modo que se aproveitava não apenas das relações de coabitação, mas de suas vulnerabilidades, impossibilitando que as vítimas evitassem e se defendessem dos atos libidinosos por ele praticados. Os depoimentos das vítimas e da testemunha, bem como as demais peças produzidas confirmam a ocorrência do abuso sexual sofrido pelas ofendidas, praticadas em âmbito de uma relação familiar de afeto, de modo que as condutas suportadas configuram forma de violência doméstica e familiar contra a mulher. Como consabido, os crimes de natureza sexual transcorrem, mais das vezes, longe de olhos e ouvidos capazes de testemunhar o ocorrido, deixando a sua vítima totalmente ao desabrigo emocional e material. De fato, torna-se mera espectadora da imensa tragédia de ter o próprio corpo e dignidade colocados à doentia satisfação da libido exacerbada de terceiros. Por isso, a palavra dessa vítima ganha diferenciada valoração probatória, mesmo naquelas situações em que a sua dicção seja curta ou evasiva, mas, ainda assim, consiga transmitir com clareza a angústia experimentada. Porém, não é este o caso dos autos, onde as vítimas foram capazes de se autodeterminar e discernir sobre a gravidade dos atos a que foram submetidas. A defesa, ao argumento da insuficiência do caderno probatório, sustenta ser temerário considerar-se o depoimento da vítima, por si só, como bastante para condenar o apelante. Alega, ainda, que em casos de estupro a vítima muda o seu comportamento no ambiente familiar, em razão da tamanha violência à qual é submetida, o que não se verificou no caso concreto, não sendo crível que, os fatos tenham ocorridos em um lapso temporal superior há 10 anos, e as vítimas, que na época dos fatos contavam com idade inferior a 14 anos, os tenham detalhado tanto. Porém, além de a defesa técnica não ter produzido qualquer prova que sustentasse suas teses, em sentido contrário, as vítimas asseveraram que não tocavam no assunto por medo, havendo nos autos, inclusive, o relato em Juízo de uma das ofendidas, consignando «que sua tia foi conversar com ela no dia seguinte, porque dormiu; que estava tendo consulta com psicólogo e psiquiatra e estava dopada de remédio e só acordou no dia seguinte; que ela foi conversar com ela calma e disse que iriam na Delegacia da Mulher denunciar o réu, avisando a ele que iam comprar roupa e que voltariam logo. A defesa aduz quanto à inexistência da causa de aumento tipificada no CP, art. 226, II, pois essa qualidade apontada na denúncia e na sentença não só não foi comprovada na forma expressamente determinada por Lei, como é insuficiente para justificar o reconhecimento da causa de aumento, uma vez que, se pela lei civil o apelante não pode ser considerado tio da vítima, também não pode ser considerado para fim da referida causa de aumento. Sem razão a defesa. O aumento da sanção na terceira fase se deu por força do disposto no CP, art. 226, II, que afirma ser cabível o aumento se, por qualquer outro título o agressor tiver autoridade sobre a vítima, como sói ocorrer com um tio por afinidade que com a vítima coabita. Neste exato sentido é a jurisprudência do E.STJ ao afirmar «Quanto à incidência do CP, art. 226, II, a Corte de origem consignou que o réu era marido da tia biológica da vítima, ou seja, tio por afinidade e, que nessa condição possuía autoridade sobre a ofendida, criança (e/STJ fls. 422). Ora, o acusado é casado com a tia da vítima, logo, é seu tio. O fato de o parentesco ser por afinidade não afasta a aplicação da causa de aumento prevista no CP, art. 226, II. (AgRg nos EDcl no REsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 10/10/2022). Na dosimetria, a defesa entende que o juízo a quo majorou a pena do recorrente em 2/3, por duas vezes, não havendo fundamentação concreta para um aumento acima de 1/6 (um sexto), visto que não restou comprovada a quantidade de crimes cometidos. Contudo, não se deve deslembrar que o período das práticas se estendeu de um a dois anos em relação a cada uma das vítimas. Assim, considerada a intensidade dos ataques perpetrados pelo recorrente, como demonstram as narrativas das ofendidas, mostra-se, no mínimo, tímida a fixação em dez atos físicos praticados com cada qual das ofendidas ao longo do tempo. Com efeito, as alegações defensivas não coadunam com os fatos processuais, onde as provas produzidas se mostram muito mais do que suficientes, verdadeiramente contundentes e certeiras a desvelar a dinâmica e a autoria. Por outro lado, verifica-se, também, que a defesa técnica não produziu qualquer prova que aclarasse ou apenas melhorasse a situação do apelante. Não há, pois, o que questionar sobre a correção do juízo de desvalor vertido na condenação, não havendo falar-se em absolvição a qualquer título. No plano da dosimetria, a pena aplicada se mostra suficiente à consecução dos seus objetivos, mormente aquele de índole pedagógica, haja vista a gravidade dos fatos em sucessão e as consequências danosas na formação pessoal das ofendidas, marcas indeléveis que carregarão até o final de suas vidas. Na primeira fase o prolator fixou a pena base no piso da lei para cada um dos dez crimes cometidos contra cada uma das vítimas, 08 anos de reclusão. Na segunda fase, considerando a existência da circunstância agravante prevista no CP, art. 61, II, «f, aumentou a pena em 1/6, fixando a pena intermediária em 9 anos e 4 meses de reclusão, para cada um dos dez crimes cometidos contra cada uma das vítimas. Na derradeira, considerando a existência da causa de aumento de pena prevista no CP, art. 226, II, aumentou a pena em 1/2, atingindo a pena 14 anos de reclusão, para cada um dos dez crimes cometidos contra cada uma das vítimas. Considerando a continuidade delitiva, o acréscimo de 2/3 conduziu a sanção a 23 anos e 04 meses de reclusão, para os dez crimes cometidos contra uma das vítimas. Sendo duas as vítimas do recorrente, o cúmulo material do CP, art. 69, faz repousar a reprimenda em 46 anos e 08 meses de reclusão. Regime fechado para o cumprimento da PPL, ex vi do art. 33, § 2º, «a, do CP. Impossível a substituição do art. 44 ou mesmo o «sursis do art. 77, ambos do CP, considerada a superação dos quantitativos limites de pena à aquisição de tais benefícios. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, na forma do voto do Relator.... ()

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