Jurisprudência Selecionada
1 - TST A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E DA LEI 13.467/2017. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. EXIGIBILIDADE DE HORAS EXTRAORDINÁRIAS POR TRABALHO ALÉM DA CARGA HORÁRIA E POR REDUÇÃO DO INTERVALO INTRAJORNADA. AUSÊNCIA DE CONVENCIMENTO DO REGIONAL A PARTIR DE PROVAS EMPRESTADAS. SITUAÇÕES INDIVIDUAIS DISTINTAS DO CASO CONCRETO.
O fundamento central da insurgência da Reclamante, em sustentação da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional por parte do Regional, é o de que as provas produzidas ao longo da fase de instrução poderiam direcionar tanto o Juízo de primeira instância como o Regional a conclusão oposta à que prevaleceu: de que a Reclamante teve o regime de compensação de jornada inobservado, tornando exigível o pagamento de horas extraordinárias pelo labor além da carga horária diária e pela redução de seu intervalo intrajornada. O principal elemento probatório que a Reclamante afirma não ter sido tomado em consideração seria o conjunto de provas emprestadas, consistentes em decisões de mérito tomadas em outras ações trabalhistas, nas quais a exigibilidade das horas extraordinárias, com seus consectários, foi reconhecida em circunstâncias alegadamente idênticas. No entanto, os elementos probatórios tomados em consideração pelo Regional, a fim de concluir pela improcedência das pretensões condenatórias, resumiram-se ao exame dos controles de frequência e dos depoimentos testemunhais coletados em audiência de instrução. Todos esses elementos disseram respeito à situação contratual da Reclamante, particularmente. Ao contrário, as provas emprestadas a que se refere a Reclamante contêm tão somente análise dos registros de jornada e demais provas referentes a outros empregados, sem qualquer correlação ou vinculação com as questões contratuais vivenciadas pela Autora neste processo. Os órgãos jurisdicionais, destinatários finais das provas produzidas, fundados no princípio da persuasão racional (CPC, art. 371), consideraram suficiente à formação de seu convencimento o exame das provas testemunhais e documentais que centralizaram o período contratual da Reclamante, ao invés de tomar em conta situações fáticas protagonizadas por outros empregados. Por tais razões, não se constatam violações aos dispositivos legais e constitucionais que impõem ao Poder Judiciário a fundamentação de suas decisões, sob pena de nulidade (arts. 832 da CLT; 489 do CPC; e 93, IX, da CF/88). Afinal, o convencimento do Regional foi racionalmente motivado e não revelou lacuna capaz de comprometer a estrutura dos silogismos adotados na exposição de sua fundamentação. 2. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. INTERVALO INTRAJORNADA. REGIME DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA. SÚMULA 126/TST. A Reclamante norteia a argumentação recursal a partir do fato de que as provas dos autos teriam indicado o desrespeito a regime de compensação de jornada vigente, bem como o labor além da carga horária diária e a supressão e redução, em certas ocasiões, de seu intervalo intrajornada mínimo. Contudo, tais insurgências vão de encontro às conclusões do Regional quanto à matéria de fato. Afinal, a Reclamada, conforme consignações do Regional quanto aos elementos fático probatórios, produziu provas de fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito da Reclamante, inclusive nos termos da Súmula 338/TST no que toca ao intervalo intrajornada. Ainda, a Reclamada produziu prova de natureza testemunhal que convenceu o Regional quanto à idoneidade dos controles de frequência por ela juntados. Ademais, as alegações do recurso não se direcionam à discussão sobre as regras jurídicas do ônus da prova, mas, sim, à rediscussão quanto aos fatos efetivamente havidos na relação mantida entre as partes. A matéria foi analisada sob o enfoque dos fatos e provas constantes nos autos, tornando-se inviável, em recurso de revista, reexaminar o conjunto probatório coligido em Juízo, por não se tratar o TST de suposta terceira instância, mas de Juízo rigorosamente extraordinário - limites da Súmula 126/TST. 3. MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. RAZOABILIDADE DA IMPUTAÇÃO PELO TRIBUNAL REGIONAL. Depreende-se dos autos, inclusive dos acórdãos de julgamento dos sucessivos embargos declaratórios opostos pela Reclamante, que a insurgência apresentada foi a mesma: direcionada aos elementos fático probatórios que embasaram o convencimento do Regional. Apenas diante da terceira oposição dos embargos declaratórios é que o Regional constatou o caráter protelatório da medida. A sucessiva reiteração de insurgências idênticas, quando não haja manifesta omissão nas decisões sequencialmente embargadas, denota o caráter protelatório da medida, ainda que tomada pela Reclamante, de quem não se presume ou se espera a intenção de dilatar a duração do processo. Ademais, o percentual aplicado pelo Regional a título de multa (1% sobre o valor atualizado da causa) não excedeu o limite da razoabilidade, uma vez que nem sequer atingiu o seu patamar máximo (2% sobre o valor atualizado da causa, conforme o CPC, art. 1.026, § 2º). Por tais razões, não há violação a dispositivos constitucionais ou legais concernentes ao devido processo legal ou às regras processuais que informam a configuração de caráter protelatório dos embargos de declaração. Agravo de instrumento desprovido quanto aos temas. 4. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR FIXADO. ASSÉDIO MORAL. CARÁTER CONSTANTE DA VIOLÊNCIA PRATICADA NO AMBIENTE DE TRABALHO. CONVENÇÃO 190 DA OIT. EFICÁCIA IRRADIANTE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO RISCO MÍNIMO REGRESSIVO DE ACIDENTES E DOENÇAS DO TRABALHO. MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. QUESTÕES DE GÊNERO SUBJACENTES. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do CLT, art. 896, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação da CF/88, art. 5º, X, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido no aspecto. B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E DA LEI 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR FIXADO. ASSÉDIO MORAL. CARÁTER CONSTANTE DA VIOLÊNCIA PRATICADA NO AMBIENTE DE TRABALHO. CONVENÇÃO 190 DA OIT. EFICÁCIA IRRADIANTE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO RISCO MÍNIMO REGRESSIVO DE ACIDENTES E DOENÇAS DO TRABALHO. MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. QUESTÕES DE GÊNERO SUBJACENTES. A Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho, apresenta em seu art. 1º conceito amplo de violência e assédio no trabalho, abrangendo não apenas a conduta reiterada, mas, também, a conduta unissubsistente . Independentemente da ratificação de Convenções da OIT que tratem de temas principais ou acessórios da temática «Saúde e Segurança do Trabalho, que foi erigida ao patamar de Princípios e Direitos Fundamentais da OIT a partir da 110ª Conferência Internacional do Trabalho, é indispensável que o direito fundamental ao risco mínimo regressivo (art. 7º, XXII, CF/88) exteriorize, diante de interpretações sistemáticas das normas trabalhistas, sua eficácia irradiante, ostentada por todo direito fundamental. A eficácia irradiante dos direitos fundamentais, inclusive do trabalho, orienta o intérprete do Direito a preencher o conteúdo normativo de princípios e regras jurídicas com o sentido e o alcance próprios dos direitos fundamentais que os impactem. No Direito do Trabalho, todo direito fundamental do trabalhador, inclusive os de ser protegido contra acidentes e doenças do trabalho (art. 7º, XXII, CF/88) e ter um meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado (arts. 200, VIII, e 225, caput, da CF/88), deve ter seu núcleo essencial informado pelas normas internacionais que abordam com especialidade a respectiva matéria, como consequência do disposto no CF/88, art. 5º, § 2º. Também ganha destaque, nessa função, o CF/88, art. 5º, § 1º, em que se insculpe o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. O vaso de comunicação entre as normas internacionais sobre direitos humanos (tais como a maior parte das Convenções da OIT) e os direitos fundamentais positivados na ordem interna, conforme o princípio pro homine (art. 19.8 da Constituição da OIT), deve ter por finalidade sempre o aprimoramento da proteção social que se pretende progressiva (art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos). Por tais razões, a Convenção 190 da OIT deve ser observada como alicerce na interpretação jurídica de princípios e regras do direito interno que se apliquem, em abstrato, a situações de violência e assédio de qualquer natureza no mundo do trabalho. A subsistência material da conduta de violência ou de assédio, se única, continuada, divisível ou indivisível, é elemento secundário para a caracterização da violência ou do assédio nas relações de trabalho. O elemento principal para tal configuração consiste nas consequências previstas ou previsíveis da conduta praticada no ambiente de trabalho . Se a conduta, unissubsistente ou plurissubsistente, praticada uma ou mais vezes, visar, causar ou for capaz de causar danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos, será ela configurada como ato de violência e assédio nas relações de trabalho . Observa-se, portanto, que o âmbito objetivo da configuração da violência e do assédio nas relações de trabalho tornou-se mais amplo que o tradicionalmente concebido. Afinal, majoritariamente, a doutrina atribui ao conceito de assédio moral a existência de condutas reiteradas, de modo a considerar a continuidade da lesão ao direitos da personalidade dos trabalhadores como um requisito essencial à caracterização do assédio. Como visto, à luz da Convenção 190 da OIT, a continuidade ou reiteração da conduta lesiva, no ambiente de trabalho, é dispensável para a configuração de violência e assédio no trabalho. É de se ressaltar que o âmbito objetivo, acima citado, contempla tanto o assédio moral como o assédio sexual, igualmente destinatários de tutela. A norma internacional confere ênfase à violência e ao assédio baseados no gênero, o que denota a crescente e grave preocupação social internacionalmente compartilhada quanto à proteção das mulheres vítimas de discriminação nas relações de trabalho, em contextos nos quais a infundada distinção baseada no gênero desdobra-se na prática de condutas únicas ou reiteradas potencialmente lesivas aos direitos da personalidade das trabalhadoras. Ademais, o âmbito subjetivo da configuração da violência e do assédio nas relações de trabalho tornou-se, igualmente, mais amplo. O art. 2º da Convenção 190 da OIT abrange, como destinatários da proteção em face da violência e do assédio, não apenas os trabalhadores, mas, também, as pessoas em situação de formação profissional (estagiários e aprendizes, destacadamente), ex-empregados, trabalhadores voluntários, candidatos a empregos variados, os trabalhadores regidos por fontes normativas diversas das destinadas aos trabalhadores em geral e, até mesmo, o próprio empregador . O art. 2º da Convenção 190 da OIT torna irrelevante o regime jurídico orientador da relação jurídica de trabalho. Logo, não exaustivamente, mas destacadamente, os servidores públicos e os trabalhadores autônomos são igualmente destinatários da tutela do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos em face da violência e do assédio no mundo do trabalho. Ademais, o mesmo dispositivo estende tal proteção inclusive às fases pré-contratual e pós-contratual das relações de trabalho. Afinal, as pessoas que buscam emprego, os candidatos a emprego e os ex-empregados são expressamente abrangidos pelo núcleo de sujeitos destinatários da proteção contra atos de violência e assédio oriundos da organização de trabalho mantida por agente econômico. Ainda, tal dispositivo torna irrelevante o caráter voluntário do trabalho, já que textualmente abrange os trabalhadores voluntários como destinatários da mencionada tutela internacional. Outrossim, o dispositivo abrange as pessoas em fase de formação profissional, independentemente da remuneração ou de futura fixação nos quadros do agente econômico formador, destacando, exemplificativamente, os aprendizes e os estagiários. Por fim, o dispositivo estende a proteção, inclusive, ao empregador e aos seus prepostos, a quem pode interessar, casuisticamente, tutela contra condutas conceituadas como «assédio moral ascendente, que consistem na prática de atos de violência e assédio por trabalhadores em face de outros trabalhadores de hierarquia funcional superior, ou até mesmo do próprio empregador. É de se concluir, portanto, que a existência, ou não, de vínculo empregatício típico é irrelevante para a configuração de violência e assédio na respectiva relação jurídica que envolva o trabalho. No caso concreto, o Regional consignou, objetivamente, que a Reclamante vivenciou numerosas situações de assédio moral no ambiente de trabalho, notadamente pelos comentários ofensivos lançados por superior hierárquico durante reuniões às quais estavam presentes outras pessoas, inclusive colegas de trabalho e clientes da empregadora, e pela cobrança abusiva por produtividade, destacada por adjetivações ofensivas empreendidas na categorização de empregados supostamente menos produtivos. As condutas atribuídas a superiores hierárquicos da Reclamada, por cujos atos esta responde (art. 932, III, Código Civil), foram consignadas pelo Regional como efetivamente existentes, já que comprovadas mediante provas testemunhais. Do quadro fático consignado pelo Regional, depreende-se o caráter reiterado e permanente de tal conduta lesiva. Essas circunstâncias agravam o dano, conferindo-lhe maior extensão e, consequentemente, demandando reparação mais expressiva. Afinal, a Convenção 190 da OIT patentemente dispensa a reiteração da conduta para que seja ela configurada como de assédio moral, e essa dispensa transforma a reiteração da conduta em elemento que confere maior extensão ao dano, cuja existência já pode ser configurada independentemente de reiteração. Ademais, constata-se do quadro fático consignado que a Reclamante prestou serviços à Reclamada por mais de seis anos, o que viabiliza a conclusão de que a extensão do dano, pela permanência das situações de assédio, é maior do que aquela pré-concebida como parâmetro para fixação de indenização em R$ 5.000,00. Constata-se, ainda, que as admoestações ofensivas, com palavras de baixo calão, especialmente quando contínuas e presenciadas por terceiros, quando direcionadas a trabalhadoras do gênero feminino, carregam maior reprovabilidade. Afinal, a depreciação pública do trabalho de mulheres representa sério obstáculo ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas: igualdade de gênero e empoderamento feminino . Ademais, o conteúdo das comunicações havidas entre a Reclamante e seus superiores hierárquicos tinha conteúdo de extrema lesividade ao decoro e à honra da trabalhadora, a qual, em razão de vulnerabilidades estruturais suportadas pelas pessoas do gênero feminino, sofre patentemente maior sofrimento psicológico, com maior risco à sua integridade psicossomática. Ao TST, como Corte de revisão, cabe o enquadramento jurídico dos fatos já comprovados na instância ordinária ao direito aplicável. Diante desses fundamentos, é de se concluir que o Regional, ao limitar o valor da indenização por danos morais à Reclamante em R$ 5.000,00, violou o CF/88, art. 5º, X. Afinal, tal valor atribui proteção deficiente aos bens jurídicos que foram atingidos pela conduta lesiva da Reclamada, e não materializa reparação integral aos danos configurados. Além disso, o valor passa longe de representar a finalidade pedagógica da condenação ao pagamento de indenização por danos morais, tendo em vista a situação econômica da Reclamada e a profundidade dos danos causados, que envolvem questões de gênero, que são caras para a sociedade. Valor da indenização por danos morais majorado para R$ 25.000,00. Recurso de revista conhecido e provido .... ()
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