Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 835.1701.5936.3700

1 - TJRJ Apelação Criminal. O apelante foi condenado pela prática do crime do art. 217-A, combinado com o art. 226, II, diversas vezes, na forma do art. 71, caput, todos do CP, à pena de 21 (vinte e um) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime fechado. Foi-lhe concedido o direito de recorrer em liberdade. Recurso defensivo arguindo preliminar de nulidade por incompetência do juízo, por inépcia da inicial ou nulidade da peça acusatória em virtude de ausência de justa causa. No mérito, requer a absolvição, sustentando a tese de insuficiência probatória. Alternativamente, requer: a) a exclusão da majorante do CP, art. 226, II; b) o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea; c) o reconhecimento de crime único; e d) o abrandamento do regime. Parecer da Procuradoria de Justiça opinando pelo conhecimento e não provimento do recurso. 1. Consta da exordial que, em datas não especificadas, sendo certo que entre os anos de 2016 à 2019, no interior da residência localizada na Rua Rita Noemia da Costa, 18, Poço Escuro, Santo Aleixo, Magé, o DENUNCIADO, consciente e voluntariamente, visando satisfazer sua lascívia, praticou de forma reiterada atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima M. P. consistentes em acariciar suas partes íntimas, introduzindo seus dedos em sua vagina e seu ânus, alisar suas pernas, tentar abri-las, bem como lamber sua vagina, realizando sexo oral na mesma, fazendo também com que a vítima colocasse a mão em seu órgão genital. Ressalte-se que a vítima M. P. D. nasceu em 14/10/2006, iniciando-se os atos libidinosos quando esta contava com apenas 10 (dez) anos de idade, e repetindo-se por diversas vezes até 2019. 2. Destaco e rejeito as preambulares aventadas pela defesa. 3. Com relação à primeira preliminar, não há que se falar em incompetência do juízo, já que, em que pese o acusado ser irmão do padrasto da vítima, era considerado como tio, tendo convivência, dispondo da confiança da genitora e do padrasto da vítima. Assevere-se que, em julgamento de um agravo em recurso especial, o STJ se posicionou no sentido de que «nas comarcas em que não houver Vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à Vara especializada em violência doméstica, onde houver, processar e julgar os casos envolvendo estupro de vulnerável cometido pelo pai (bem como pelo padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico ou familiar". 4. Também não merece acolhida a prefacial de inépcia da denúncia, já que a exordial descreveu os fatos com acerto, garantindo o exercício da ampla defesa, mostrando-se inviável a tese acerca da sua inépcia. 5. A terceira preliminar será analisada junto ao mérito, por se confundir com este. 6. No mérito, melhor sorte não assiste à defesa. 7. Na hipótese, a vítima detalhou a dinâmica dos abusos sofridos para a genitora. 8. A ofendida foi ouvida perante o NUDECA e relatou de forma robusta o que sofreu. 9. Em crimes contra a dignidade sexual a palavra da ofendida ganha especial relevo, mormente porque, muitas vezes, tais crimes são praticados na clandestinidade, sem a presença de testemunhas visuais do evento criminoso. 10. Além das assertivas da ofendida, temos os depoimentos da sua genitora, que se mostram alinhados com a narrativa do evento criminoso. 11. O apelante negou os fatos na ocasião de seu interrogatório e disse, em síntese, que foi injustamente incriminado, porém sua versão mostrou-se inverossímil. 12. Embora o laudo pericial não tenha constatado o desvirginamento e vestígios de violência, conforme sustenta a defesa, não afasta a confiabilidade da palavra da vítima, já que ela não relatou violência nem a penetração. Pelo contrário, isto corrobora as informações prestadas pela vítima de que sofreu abusos por cerca de 4 anos, tendo sido relatado que o acusado colocou o dedo no seu ânus e vagina, contudo, não relatando penetração. 13. A defesa tentou descredibilizar os depoimentos da genitora da vítima e da própria ofendida, contudo, a versão defensiva restou isolada do contexto probatório. Ressalte-se que não se encontram nos autos indícios de qualquer interesse da vítima ou da genitora para arquitetar uma história e incriminar o sentenciado. 14. A prova colhida é robusta e não verifico a presença de dúvidas quanto à conduta perpetrada pelo apelante. 15. Correto o juízo de censura. 16. O pleito de exclusão da causa de aumento de pena prevista no CP, art. 226, II, não merece guarida, já que se extrai que o acusado era tio por afinidade, possuindo a confiança da família, possuindo autoridade sobre a vítima, o que justifica a aplicação da referida majorante. 17. A dosimetria merece reparo. 18. A pena-base deve ser fixada no mínimo legal. Data máxima vênia, entendo que a conduta do acusado, bem como as consequências do delito não fugiram da normal do tipo penal. As circunstâncias destacadas pela sentenciante já foram consideradas pelo legislador, ao passo que estabeleceu uma pena inicial alta para o delito em tela. 19. Presente a atenuante prevista no CP, art. 65, I, já que o acusado contava com mais de 70 anos à época dos presentes fatos, contudo, sem reflexo na reprimenda, diante do entendimento firmado pela Súmula 231/STJ, já que a pena-base foi redimensionada para o mínimo legal. 20. Na terceira fase, incide a majorante prevista no CP, art. 226, II de modo que a resposta penal foi exasperada em 1/2 (metade). 21. Foi reconhecida a continuidade delitiva, tendo sido aplicada a fração máxima de 2/3 (dois terços), tendo em vista que foram praticados de forma reiterada ao longo de três anos. Não sabemos ao certo por quantas vezes se deram os abusos e, por tal razão, não seria justo o acréscimo de 2/3, mas é certo que ocorreram por mais de duas vezes, destarte, optamos por um aumento intermediário, ou seja, de metade. 22. Outrossim, mantenho o regime fechado, diante do montante da resposta penal. 23. Recurso conhecido e parcialmente provido para abrandar a resposta penal que resta aquietada em 18 (dezoito) anos de reclusão, em regime fechado. Após o trânsito em julgado, expeça-se mandado de prisão em desfavor do acusado para o cumprimento da pena, com validade de 20 (vinte) anos. Oficie-se.

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