Jurisprudência em Destaque

STJ. 6ª T. Servidor público. Recurso em mandado de segurança. Administrativo. Cumulação de cargos. Servidor público estadual. Enfermeira da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Cumulação com o cargo de enfermeira no Município do Rio de Janeiro. Possibilidade. Hermenêutica. Considerações da Minª. Maria Thereza de Assis Moura sobre o tema. CF/88, arts. 37, XVI, «c», 42, § 1º e 142, § 3º, II. Interpretação sistemática. ADCT da CF/88, art. 17.

Postado por Emilio Sabatovski em 17/11/2011
«... Cinge-se a controvérsia dos autos em saber se a recorrente, que ocupa o cargo de enfermeira no âmbito da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, pode acumular outro cargo de enfermeira no âmbito do Município do Rio de Janeiro.

A Corte de origem denegou a segurança com fundamento em precedente do Excelso Pretório, no sentido de que os ocupantes de postos militares não poderiam acumular cargos no âmbito do serviço público civil, em virtude da vedação contida no texto constitucional.

Sobre as funções desempenhadas pelas Forças Armadas, a Constituição Federal de 1988 disciplinou a questão nos seguintes termos:


«Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)


§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)


(...)


Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.


(...)


§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)


(...)


II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(...)


X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Por outro lado, quando ao exame do artigo 37, inciso XVI, do texto constitucional, na redação original, o Constituinte de 1988 vedou a cumulação remunerada de cargos públicos, ressalvando a possibilidade de compatibilidade de horários.

Com o advento da Emenda Constitucional 19/1998, além da limitação ao teto remuneratório previsto no inciso XI do artigo 37 do texto constitucional, houve a limitação quanto à possibilidade de cumulação de cargos no âmbito do serviço público.

E o Constituinte Derivado, com o advento da Emenda Constitucional 34/2001, alterou a redação do artigo 37, inciso XVI, alínea «c», da Constituição, e permitiu a cumulação de cargos públicos aos profissionais de saúde em geral, conforme se depreende da leitura do novel dispositivo:


«Art. 37. (...)


(...)


XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)


(...)


«c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)»

A alteração constitucional realizada pela referida Emenda visa reconhecer a possibilidade de cumulação de dois cargos ou empregos públicos privativos dos profissionais de saúde.

Nesse aspecto, acerca da possibilidade de cumulação de cargos de profissionais de saúde no âmbito do serviço público militar e civil, o Supremo Tribunal Federal têm posicionamentos divergentes, cujos precedentes são examinados à luz do artigo 17 do ADCT, que resguarda as situações jurídicas consolidadas sobre a cumulação de funções dos profissionais de saúde, como se depreende da leitura do dispositivo, verbis:


«Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.


§ 1º - É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou indireta.


§ 2º - É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta.»

Tendo em vista o ineditismo da abordagem neste Sodalício sobre a questão relativa ao artigo 37, inciso XVI, e sua interpretação com o artigo 42, § 1º, em conjunto com o artigo 142, § 3º, inciso II, da Carta Política de 1988, em medida comparativa, passo ao exame da divergência instaurada no Excelso Pretório.

No Recurso Extraordinário 298.189/DF, de relatoria da ilustre Ministra Ellen Gracie, a Suprema Corte decidiu que não era possível a cumulação de cargos de profissionais da saúde nas esferas civil e militar do serviço público, pois essa autorização, por força da redação do artigo 17, § 1º, do ADCT, estaria vinculada apenas ao cargo de médico. A esse respeito, transcrevo a ementa do referido precedente:


«RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CUMULAÇÃO, À ÉPOCA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DE CARGO DE AUXILIAR DE ENFERMAGEM EM ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA COM FUNÇÃO DE IDÊNTICA DENOMINAÇÃO NO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 17, §§ 1º E 2º DO ADCT.


1. Integrante da Corporação do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, que exercia, à época da promulgação da Constituição Federal, cumulativamente à função de auxiliar de enfermagem da referida corporação, cargo de idêntica denominação na Fundação Hospitalar do Distrito Federal. Não incidência do art. 17, § 2º da ADCT à espécie, tendo em vista que a norma aplicável aos servidores militares é a prevista no § 1º do art. 17 do ADCT, a qual prevê acumulação lícita de cargos ou empregos por médico militar, hipótese que não se estende a outros profissionais de saúde.


2. Recurso extraordinário conhecido e provido.» (STF, RE 298189/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, SEGUNDA TURMA, DJ 03/09/2004)

Em idêntico posicionamento, manifestou-se o ilustre Ministro Cezar Peluso, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 232.235/DF como se verifica da leitura da respectiva ementa, verbis:


«EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Servidor público. Militar. Cumulação de cargos de auxiliar de enfermagem na Fundação Hospitalar do Distrito Federal (FHDF) e na Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Impossibilidade. Interpretação dos §§ 1º e 2º do art. 17 do ADCT. Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. A militar, que não era médico, nem exercia cargos privativos de médico, não é lícito seu exercício cumulativo» (STF, RE 232235/DF AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, PRIMEIRA TURMA, DJ 02/06/2006)

Em sentido oposto, a partir da interpretação sistemática da Constituição, no Recurso Extraordinário 182.811/MG, de relatoria do ilustre Ministro Gilmar Mendes, restou assegurado aos profissionais da saúde, no âmbito militar e civil do serviço público, a possibilidade de cumulação de dois cargos, quando evidenciada a compatibilidade de horários. Nesse sentido, transcrevo a ementa do julgado:


«EMENTA: 1. Recurso extraordinário. 2. Acumulação de cargos. Profissionais de saúde. Cargo na área militar e em outras entidades públicas. Possibilidade. Interpretação do art. 17, § 2º, do ADCT. Precedente. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.» (STF, RE 182811/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, SEGUNDA TURMA, DJ 30/06/2006)

No corpo do voto, o eminente Ministro valeu-se dos argumentos da Procuradoria-Geral da República, a qual não viu óbice para que o artigo 142, § 3º, da Constituição Federal, seja interpretado de forma sistêmica com os §§ 1º e 2º do artigo 17 do ADCT, a fim de possibilitar a cumulação de dois cargos de profissionais de saúde.

E, ao final, o ilustre Ministro Gilmar Mendes sinalizou a possibilidade de extensão dessa interpretação sistemática ao artigo 37, inciso XVI, alínea «c», da Constituição de 1988, como se depreende da leitura do respectivo trecho, verbis:


«Ademais, dar interpretação ao § 2º do art. 17 do ADCT em sentido excludente dos profissionais da área da saúde das carreiras militares importaria, pelos mesmos fundamentos (idem ratio, idem jus), também afirmar esta conclusão para a novel alínea «c». do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal, o que não se cogita.»

Posta a divergência instalada pelo colendo Supremo Tribunal Federal sobre a cumulação de dois cargos de profissionais de saúde à luz da interpretação dos §§ 1º e 2º do artigo 17 do ADCT, passo à análise acerca da possibilidade de cumulação de dois cargos de profissionais de saúde, um no âmbito do serviço público civil, e outro na esfera militar, sob a leitura do artigo 37, inciso XVI, alínea «c», em face do disposto no artigo 142, § 3º, inciso II, todos da Carta Cidadã de 1988.

A meu sentir, a vedação estabelecida pelo artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição Federal reflete-se apenas nos militares que possuem a função tipicamente das Forças Armadas, cujos critérios e requisitos da seleção para a ocupação dos respectivos postos espelham o nível de dificuldade que a atividade castrense exige.

No caso dos autos, o manual do candidato do concurso público para ingresso na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, em relação aos profissionais da área de saúde, não indica «postos militares» a serem equiparados como cargos, mas atividades civis, cujos requisitos não exigem a capacidade para as atribuições tipicamente castrenses, e sim o exercício das funções de profissionais de saúde.

Portanto, na medida em que não há o exercício de atividades tipicamente militares, e sim atribuições inerentes a profissões de civis, não vejo óbice a permitir a possibilidade de acumulação de cargos de profissionais de saúde.

Nesse contexto, de acordo com a interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, a recorrente, que inicialmente ocupava o cargo de enfermeira na municipalidade do Rio de Janeiro e, posteriormente, ingressou na Polícia Militar do referido Estado, em preenchendo os requisitos estabelecidos pelo artigo 37, inciso XVI, alínea «c», da Constituição Federal, tem o direito de acumular os dois cargos privativos de profissionais de saúde, uma vez que no âmbito da caserna estadual, não exerce a função tipicamente militar, de maneira que a vedação contida no artigo 142, § 3º, inciso II, a ela não se aplica.

Diante do exposto, conheço do recurso ordinário e lhe dou provimento, a fim de conceder a segurança e permitir a acumulação de cargos públicos privativos de profissionais de saúde, desde que obedecidos os requisitos constitucionais expressos no artigo 37, inciso XVI, alínea «c», da Constituição de 1988. ...» (Minª. Maria Thereza de Assis Moura).»

Doc. LegJur (117.7174.0000.0400) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Servidor público (Jurisprudência)
Administrativo (Jurisprudência)
Servidor público estadual (Jurisprudência)
Enfermeira (v. Servidor público ) (Jurisprudência)
Cumulação de cargos (Jurisprudência)
Enfermeira (v. Cumulação de cargos ) (Jurisprudência)
Hermenêutica (Jurisprudência)
Interpretação sistemática (v. Hermenêutica ) (Jurisprudência)
CF/88, art. 37, XVI, «c»
CF/88, art. 42, § 1º
CF/88, art. 142, § 3º, II
ADCT da CF/88, art. 17.
LegJur: A Ferramenta Essencial para Advogados Modernos
Transforme seu escritório de advocacia com informações legais atualizadas e relevantes!

Olá Advogado(a),

Você já pensou sobre o tempo e os recursos que gasta pesquisando leis, jurisprudências e doutrinas para os seus casos? Já se imaginou otimizando esse processo de forma eficiente e segura?

Então, temos algo em comum. O LegJur foi criado pensando em você, no advogado moderno que não pode se dar ao luxo de perder tempo em um mercado tão competitivo.

Por que o LegJur é a solução que você precisa?

1. Conteúdo Atualizado: Nosso banco de dados é atualizado constantemente, oferecendo as informações mais recentes sobre legislações, súmulas e jurisprudências.

2. Fácil Acesso: Uma plataforma simples e intuitiva que você pode acessar de qualquer dispositivo, a qualquer momento. Seu escritório fica tão flexível quanto você.

3. Busca Inteligente: Nosso algoritmo avançado torna sua pesquisa rápida e eficaz, sugerindo temas correlatos e opções para refinar sua busca.

4. Confiabilidade: Nosso time de especialistas trabalha incansavelmente para garantir a qualidade e a confiabilidade das informações disponíveis.

5. Economia de Tempo: Deixe de lado as horas de pesquisa em múltiplas fontes. Aqui, você encontra tudo o que precisa em um só lugar.

Invista no seu maior capital: o tempo

Você já deve saber que o tempo é um dos ativos mais preciosos na advocacia. Utilize o LegJur para maximizar sua eficiência, oferecendo ao seu cliente uma consultoria de alto nível fundamentada em informações confiáveis e atualizadas.

Depoimentos

"O LegJur transformou a forma como faço minha pesquisa jurídica. Agora, posso concentrar-me mais no desenvolvimento de estratégias para meus casos e menos na busca de informações."
— Maria L., Advogada

Não perca mais tempo! Torne-se membro do LegJur e eleve sua prática jurídica a um novo patamar.

Faça parte da evolução na advocacia. Faça parte do LegJur.

Assinatura Mensal

Acesso Total ao Site com Débito Automático no Cartão de Crédito

R$ 19,90

À vista

1 mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 29,90

Parcele em até 3x sem juros

3 meses

Equilave a R$ 26,63 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 79,90

Parcele em até 6x sem juros

6 meses

Equilave a R$ 21,65 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 129,90

Parcele em até 6x sem juros

12 meses + 2 meses de Brinde

Equilave a R$ 15,70 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 219,90

Parcele em até 6x sem juros