Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Responsabilidade civil. Dano moral. Família. Filho. Poder familiar. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. Busca a lide em determinar se o abandono afetivo da recorrida, levado a efeito pelo seu pai, ao se omitir da prática de fração dos deveres inerentes à paternidade, constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável. Verba fixada em R$ 200.000,00. Considerações da Min. Paulo de Tarso Sanseverino sobre o tema. CF/88, arts. 5º, V e X e 227. CCB/2002, arts. 186, 927, 1.634, II e 1.638, II. CF/88, art. 227.

Postado por Emilio Sabatovski em 03/06/2012
«... Eminentes Colegas, pedi vista dos presentes autos na sessão de julgamento de 13 de dezembro de 2011 para melhor exame da controvérsia, tendo em vista a divergência até então verificada e, principalmente, considerando a especial atenção que deve ser dispensada à matéria em exame.

A eminente relatora proferiu voto no sentido de negar provimento ao recurso especial, para manter o acórdão recorrido, que condenou o recorrente a reparar os danos morais causados à filha por abandono afetivo.

O eminente Ministro Massami Uyeda, na mesma sessão, inaugurou a divergência, tendo votado por dar provimento ao recurso especial, para afastar a condenação.

Por sua vez, o eminente Ministro Sidnei Beneti, após pedido de vista, proferiu voto dando parcial provimento ao recurso especial, para reconhecer a responsabilidade civil do recorrente no caso em comento, porém reduzindo o montante da indenização fixado na origem.

Com a devida vênia, acompanho o voto do eminente Ministro Sidnei Beneti.

Inicialmente, ressalto que, a meu sentir, a responsabilidade civil por dano moral no Direito de Família deve ser analisada com cautela.

As relações travadas no seio da família, por afetarem a esfera íntima das pessoas, são especialmente carregadas de sentimentos.

De um lado, representam o aspecto mais espontâneo do humano e, de outro, tendem a causar, em aparente contradição, mais fortúnios e infortúnios do que em qualquer outra espécie de relação.

Assim, pela própria natureza delicada dos relacionamentos familiares, a responsabilidade civil no Direito de Família não pode ser equiparada à responsabilidade civil extracontratual em geral, sob pena de se exigir, no trato familiar diário, uma cautela incompatível com as relações que se firmam no âmbito da família, além de se conduzir a uma indesejável patrimonialização das relações pessoais, justamente em seu viés mais íntimo.

Não se pode olvidar que as frustrações experimentadas no seio familiar, além de contribuírem para o crescimento e para o desenvolvimento do indivíduo, são, em parte, próprias da vida e, por isso mesmo, inevitáveis.

Sendo assim, entendo que o reconhecimento de dano moral em matéria de família é situação excepcionalíssima, devendo-se admitir apenas em casos extremos de efetivo excesso nas relações familiares.

O presente caso situa-se dentro dessa excepcionalidade, merecendo ser reconhecida a ocorrência de ato ilícito causador de dano moral.

A questão central em discussão no presente recurso especial situa-se em torno do delicado tema do abandono afetivo.

A doutrina, tanto acerca do Direito de Família como da Responsabilidade Civil, é uníssona em afirmar que o abandono moral do filho por parte dos pais tem o condão de ocasionar danos morais, que devem ser reparados.

Por oportuno, cito trecho da obra de Arnaldo Rizzardo (RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 692-693):


Embora não caiba se falar em coesão familiar, e oferecer aos filhos uma estrutura regular da convivência com o pai e a mãe, o mínimo que se impõe como ditame fundamental da consciência, da moral, da natureza e da lei consiste na convivência regular com os progenitores, mesmo que espaçada, de modo a satisfazer o impulso natural de senti-los, de haurir sua presença e de se fortalecer com o seu acompanhamento.


Impedir a efetivação desse impulso que emana do próprio ser traz graves prejuízos e frustrações na realização da afetividade, com irreparáveis efeitos negativos que repercutirão na vida afora, ensejando inclusive a indenização pelo dano moral que se abate sobre o filho. Realmente, a ausência de um dos pais resulta em tristeza, insatisfação, angústia, sentimento de falta, insegurança, e mesmo complexo de inferioridade em relação aos conhecidos e amigos. Quase sempre se fazem sentir efeitos de ordem psíquica, como a depressão, a ansiedade, traumas de medo e outras afecções.


Se a morte de um dos progenitores, em face da sensação de ausência, enseja o direito à reparação por dano moral, o que se tornou um consenso universal, não é diferente no caso do irredutível afastamento voluntário do pai ou da mãe, até porque encontra repulsa pela consciência comum e ofende os mais comezinhos princípios de humanidade. (Grifou-se)

Ressalto, todavia, que apenas o abandono completo e notório do filho tem o condão de gerar a responsabilidade civil dos pais.

De fato, na educação e na criação dos filhos, não há um molde perfeito a ser observado, pois não há como medir o grau de atenção, de carinho e de cuidados dispensados pelos pais a sua prole, pois cada componente da célula familiar tem também a sua história pessoal.

Felizmente, dispõe-se de uma larga margem de liberdade para educar e criar os filhos do modo que melhor se aprouver, sendo que desvios, percalços e falhas são inerentes ao processo de educação e de criação.

O dever de cuidado, pois, apresenta um conteúdo inegavelmente subjetivo.

Assim, imprescindível apoiar-se sobre firme substrato e esclarecer que o abandono afetivo apenas ocorre quando o progenitor descumpre totalmente seu dever de cuidado, infringindo flagrantemente as mais comezinhas obrigações para com seu filho.

Evita-se, desse modo, eventual abuso por parte de filhos que, insatisfeitos com episódios específicos de sua criação, pleiteiam a indenização por danos supostamente sofridos.

Cito, por oportuno, a lição do ilustre Rui Stoco (STOCO, RUI. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 946):


A dor sofrida pelo filho em razão do abandono e desamparo dos pais, privando-o do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral, psíquico e material é não só terrível, como irreversível. A mancha é indelével e o trauma irretirável.


O direito de proteção efetiva em circunstâncias tais tem fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. Aliás, nosso ordenamento jurídico – e não só a Constituição Federal – é pleno de preceitos de proteção, afirmando o dever dos pais de cuidar e proteger os filhos, seja no plano material, educacional, afetivo ou psíquico.


(...)


Mas tal reconhecimento não poderá dar ensancha a abusos e criação de verdadeira indústria de ações judiciais de filho, supostamente ofendidos, contra os pais.


Cada caso deverá merecer detido estudo e atenção redobrada, só reconhecendo o dano moral em caráter excepcional e quando os pressupostos da reparação se apresentarem estreme de dúvida e ictu oculi, através de estudos sociais e laudos técnicos de equipe interdisciplinar. (Grifou-se)

No caso em comento, julgo estarem presentes os pressupostos da responsabilidade civil do recorrente.

Conforme bem apontado no voto da eminente relatora, o recorrente omitiu-se em seu dever de cuidado para com sua filha, tendo: a) resistido ao reconhecimento voluntário da paternidade, ainda que ela fosse presumível; b) negado oferecer voluntariamente amparo material à filha; c) deixado de prestar o imprescindível suporte moral, afetivo e psicológico, deixando-a à própria sorte; d) buscado alienar fraudulentamente seus bens aos demais filhos, em evidente preterição da recorrida.

Não há dúvidas de que houve, na hipótese em tela, o abandono afetivo, porquanto o recorrido de furtou total e flagrantemente ao seu dever de cuidado com relação à recorrida.

Todavia, e sem desconsiderar a gravidade do dano, entendo que o valor fixado pelo Tribunal de origem - de R$ 415.000,00 - se mostra excessivamente alto, considerando as circunstâncias do caso em comento.

Com efeito, embora seja inafastável a culpa do recorrente, deve-se levar igualmente em consideração a conduta da mãe da recorrida, que dificultou sobremaneira o relacionamento entre pai e filha, conforme consignou o juiz, na sentença:


A prova produzida demonstra que não existiu e não existe convívio entre autora e réu, filha e pai e tal situação decorre do comportamento agressivo da genitora da autora em relação ao requerido.


Tal fato é relatado pelas testemunhas inquiridas na audiência de instrução, inclusive incidentes ocorridos no casamento do requerido, onde a genitora da autora se fez presente visando tumultuar a cerimônia. Esteve também na residência do requerido e em seu local de trabalho, promovendo escândalos, inclusive arremessando pedras contra a casa do mesmo.


Na data da audiência, nos corredores do Fórum, agrediu fisicamente o requerido e ameaçou as testemunhas que seriam inquiridas.


Tais fatos demonstram que a aproximação do requerido, à autora, sua filha, principalmente nas datas por ela mencionadas, como natal, formatura, aniversário, etc., era praticamente impossível, dado o comportamento irascível da genitora da autora.

Sendo assim, impõe-se apenas a redução do montante da indenização para R$ 200.000,00, conforme sugerido pelo eminente Ministro Sidnei Beneti, valor que se mostra mais consentâneo com as circunstâncias do caso.

Ante o exposto, acompanhando o voto do eminente Ministro Sidnei Beneti, dou parcial provimento ao recurso especial apenas para reduzir o valor da indenização. ...» (Min. Paulo de Tarso Sanseverino).»

Doc. LegJur (123.6575.4000.2300) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Responsabilidade civil (Jurisprudência)
Dano moral (Jurisprudência)
Família (Jurisprudência)
Filho (v. Família ) (Jurisprudência)
Poder familiar (v. Família ) (Jurisprudência)
Abandono afetivo (v. Família ) (Jurisprudência)
Compensação por dano moral (v. Família ) (Jurisprudência)
Valor da indenização (v. Abandono afetivo ) (Jurisprudência)
Indenização (v. Abandono afetivo ) (Jurisprudência)
CF/88, art. 5º, V e X
CF/88, art. 227.
CCB/2002, art. 186
CCB/2002, art. 927
CCB/2002, art. 1.634, II
CCB/2002, art. 1.638, II
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