Jurisprudência em Destaque

STJ. 2ª Seção. Consumidor. Embargos de divergência. Inversão do ônus da prova. Regra de instrução. Divergência configurada. Considerações, no VOTO VENCIDO, do Min. Paulo de Tardo Sanseverino sobre o tema. Precedentes do STJ. CDC, arts. 6º, VIII, 12, 13 e 18. CPC, art. 333.

Postado por Emilio Sabatovski em 02/07/2012
«... VOTO VENCIDO. Peço vênia ao eminente relator para divergir, votando no sentido do não conhecimento dos embargos de divergência.

Relembre-se que os embargos de divergência foram interpostos contra acórdão da Terceira Turma desta Corte, relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial nº 422.778-SP, cuja ementa foi a seguinte:


Recurso especial. Civil e processual civil. Responsabilidade civil. Indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Causa de pedir. Cegueira causada por tampa de refrigerante quando da abertura da garrafa. Procedente. Obrigação subjetiva de indenizar.


Súmula 7/STJ. Prova de fato negativo. Superação. Possibilidade de prova de afirmativa ou fato contrário. inversão do ônus da prova em favor do consumidor. regra de julgamento. Doutrina e jurisprudência.


arts. 159 do CC/1916, 333, I, do CPC e 6º, VIII, do CDC.


- Se o Tribunal a quo entende presentes os três requisitos ensejadores da obrigação subjetiva de indenizar, quais sejam: (i) o ato ilícito, (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta ilícita; a alegação de violação ao art. 159 do CC/1916 (atual art. 186 do CC) esbarra no óbice da Súmula 7 deste STJ.


- Tanto a doutrina como a jurisprudência superaram a complexa construção do direito antigo acerca da prova dos fatos negativos, razão pela qual a afirmação dogmática de que o fato negativo nunca se prova é inexata, pois há hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente, uma afirmativa que pode ser provada. Desse modo, sempre que for possível provar uma afirmativa ou um fato contrário àquele deduzido pela outra parte, tem-se como superada a alegação de «prova negativa», ou «impossível».


- Conforme posicionamento dominante da doutrina e da jurisprudência, a inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII, do art. 6º do CDC é regra de julgamento. Vencidos os Ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros, que entenderam que a inversão do ônus da prova deve ocorrer no momento da dilação probatória.


Recurso especial não conhecido.


(REsp 422.778/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2007, DJ 27/08/2007, p. 220).

A alegação central da empresa embargante diz com a divergência jurisprudencial desta Corte acerca da aplicação automática da regra de inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, inciso VIII, do CDC, seja quanto à falta de fundamentação da respectiva decisão, seja quanto ao momento processual adequado para tal.

Citou como paradigmas os acórdãos da Quarta Turma proferidos nos Recursos Especiais nº 662.608 e 881.651, relatoria do Min. Hélio Quaglia Barbosa, bem como no Recurso Especial 591.110, relatoria do Min. Aldir Passarinho Júnior.

No seu respeitável voto, o eminente relator mencionou precedente da minha relatoria, no REsp. 802.832-MG, em que se estabeleceu que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, não é regra de julgamento, mas de instrução, devendo ser deliberada pelo juiz em momento intermediário do processo, permitindo a produção de provas pela parte a quem se atribuiu a carga probatória.

A ementa desse acórdão foi a seguinte:


RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE POR VÍCIO NO PRODUTO (ART. 18 DO CDC). ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO OPE JUDICIS (ART. 6º, VIII, DO CDC). MOMENTO DA INVERSÃO. PREFERENCIALMENTE NA FASE DE SANEAMENTO DO PROCESSO.


A inversão do ônus da prova pode decorrer da lei (ope legis), como na responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC), ou por determinação judicial (ope judicis), como no caso dos autos, versando acerca da responsabilidade por vício no produto (art. 18 do CDC).


Inteligência das regras dos arts. 12, § 3º, II, e 14, § 3º, I, e. 6º, VIII, do CDC.


A distribuição do ônus da prova, além de constituir regra de julgamento dirigida ao juiz (aspecto objetivo), apresenta-se também como norma de conduta para as partes, pautando, conforme o ônus atribuído a cada uma delas, o seu comportamento processual (aspecto subjetivo). Doutrina.


Se o modo como distribuído o ônus da prova influi no comportamento processual das partes (aspecto subjetivo), não pode a a inversão ope judicis ocorrer quando do julgamento da causa pelo juiz (sentença) ou pelo tribunal (acórdão).


Previsão nesse sentido do art. 262, §1º, do Projeto de Código de Processo Civil.


A inversão ope judicis do ônus probatório deve ocorrer preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade para apresentação de provas.


Divergência jurisprudencial entre a Terceira e a Quarta Turma desta Corte.


RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

Ocorre que o presente caso, porém, versa acerca de responsabilidade pelo fato do produto, prevista no art. 12 do CDC, abrangendo os danos causados aos consumidores por produtos defeituosos, tutelando-se a sua segurança física e patrimonial.

No precedente da minha relatoria, por exemplo, mencionado no voto do relator, tratava-se de caso de responsabilidade pelo vício do produto (art. 18 do CDC), protegendo-se o consumidor em relação à falta da qualidade legitimamente esperada de um produto adquirido no mercado de consumo.

A peculiaridade da responsabilidade pelo fato do produto, assim como ocorre na responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14), é a previsão, no microssistema do CDC, de regra específica acerca da distribuição do ônus da prova da «inexistência de defeito».

O art. 12, § 3º, estabelece textualmente o seguinte:


Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.


§ 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:


I - sua apresentação;


II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;


III - a época em que foi colocado em circulação.


§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.


§ 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:


I - que não colocou o produto no mercado;


II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;


III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

A previsão legal é sutil, mas de extrema importância na prática processual.

O fornecedor, no caso o fabricante, na precisa dicção legal, «só não será responsabilizado quando provar ... que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste.»

Ou seja, o ônus da prova da inexistência de defeito do produto ou do serviço é do fornecedor, no caso, do fabricante demandado.

A inversão do ônus da prova, nessa hipótese específica, não decorre de um ato do juiz, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, mas derivou de decisão política do próprio legislador, estatuindo a regra acima aludida.

É a distinção entre a inversão do ônus da prova «ope legis» (ato do legislador) e a inversão «ope judicis» (ato do juiz).

Em sede doutrinária, já tive oportunidade de analisar essa delicada questão processual (Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 355/357).

Em síntese, são duas modalidades distintas de inversão do ônus da prova previstas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), podendo ela decorrer da lei (ope legis) ou de determinação judicial (ope judicis).

Na primeira hipótese, a própria lei – atenta às peculiaridades de determinada relação jurídica – excepciona a regra geral de distribuição do ônus da prova.

Isso ocorreu nas duas hipóteses previstas pelos enunciados normativos dos arts. 12, §3º, II, e 14, §3º, I, do CDC, atribuindo ao fornecedor o ônus de comprovar, na responsabilidade civil por acidentes de consumo (fato do produto - art. 12 - ou fato do serviço - art. 14), a inexistência do defeito, encargo que, segundo a regra geral do art. 333, I, do CPC, seria do consumidor demandante.

Nessas duas hipóteses de acidentes de consumo, mostra-se impertinente a indagação acerca dessa questão processual de se estabelecer qual o momento adequado para a inversão do ônus da prova.

Na realidade, a inversão já foi feita pelo próprio legislador («ope legis») e, naturalmente, as partes, antes mesmo da formação da relação jurídico-processual, já devem conhecer o ônus probatório que lhe foi atribuído por lei.

A segunda hipótese prevista pelo CDC, relativa à inversão do ônus da prova «ope judicis», mostra-se mais tormentosa, pois a inversão resulta da avaliação casuística do magistrado, que a poderá determinar uma vez verificados os requisitos legalmente previstos, como a «verossimilhança». e a «hipossuficiência». a que refere o enunciado normativo do art. 6º, VIII, do CDC.

Nestes casos, de que era exemplo marcante a situação retratada no REsp. 802.832-MG, envolvendo responsabilidade por vício no produto (art. 18 do CDC), é que surge a questão de se estabelecer qual o momento processual mais adequado para que o juiz, verificando a presença dos pressupostos legais, determine a inversão da distribuição do ônus probatório mediante decisão fundamentada.

Nesse ponto, no julgamento do REsp. 802.832-MG, nesta Segunda Seção, consoante a ementa acima transcrita, já manifestei minha concordância com a posição do eminente relator no sentido de que a inversão ope judicis do ônus da prova deve ocorrer preferencialmente no despacho saneador mediante decisão fundamentada de molde a assegurar plenamente o contraditório e a ampla defesa.

O presente caso, porém, é um típico acidente de consumo em que o consumidor demandante, ao abrir uma garrafa de refrigerante, teve a infelicidade de a tampa ser arremessada em direção ao seu rosto pela pressão interna da garrafa, causando graves lesões em seu olho direito.

Esse fato amolda-se perfeitamente à regra do art. 12 do CDC, que contempla da responsabilidade pelo fato do produto.

Consequentemente, a regra de inversão do ônus da prova da inexistência de defeito do produto é a do art. 12, § 3º, iniciso II, do CDC, e não a do art. 6º, VIII, do CDC, atribuído pelo próprio legislador ao fabricante, não havendo necessidade de qualquer ato decisório prévio do juiz.

Normalmente, a prova do defeito, como fato constitutivo do direito do demandante, deveria ser produzida pelo consumidor lesado, como autor da ação indenizatória.

Essa modificação na distribuição dos encargos probatórios pela própria lei, denominada de inversão ope legis do ônus da prova, tem um motivo claro.

Historicamente, a proteção efetiva ao consumidor sempre foi dificultada pela necessidade de ele comprovar os fatos constitutivos de seu direito. A vulnerabilidade do consumidor, no mercado massificado das relações de consumo em geral, constitui um enorme obstáculo a que ele obtenha os elementos de prova necessários à demonstração de seu direito. Isso é particularmente mais grave quando se sabe que essa prova é, via de regra, eminentemente técnica, sendo o fornecedor um especialista na sua área de atuação. Por isso, tendo o fabricante as melhores condições técnicas de demonstrar a inexistência de defeito no produto colocado no mercado, foi procedida a essa inversão pelo próprio legislador, sendo-lhe atribuído esse encargo.

Portanto, tratando-se de caso de inversão do ônus probatório por força de lei (ope legis), não há necessidade de o juiz reabrir a instrução, podendo a regra ser aplicada diretamente pelo juiz ou pelo próprio tribunal, como ocorreu no caso em julgamento.

Enfim, essa distinção é relevante, pois está-se a tratar, no presente caso, de uma situação de inversão do ônus da prova «ope legis», como se fosse «ope judicis».

Anote-se que o eminente Min. Menezes Direito, em seu judicioso voto proferido por ocasião do julgamento do recurso especial, após consignar sua concordância com a posição doutrinária de Carlos Roberto Barbosa Moreira de que o juiz, ao perceber a necessidade de inversão do ônus da prova, deve reabrir a instrução processual para que o fornecedor possa produzir a prova adequada, observou o seguinte aspecto na presente demanda, verbis:


«No caso, vale relevar, trata-se de responsabilidade pelo fato do produto que não ofereceu a segurança que dele legitimamente se esperava, com o que a empresa ré deveria comprovar que não colocou o produto no mercado, ou que embora o tenha colocado, o defeito inexiste ou que a culpa foi exclusiva da vítima, como está expressamente indicado no artigo 12, § 1º e 3º, do Código de Defesa do Consumidor. Se não se desincumbiu dessa prova, a responsabilidade estaria configurada. Essa obrigatoriedade da prova de uma das excludentes do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor decorre diretamente da lei. É que aqui a própria regra já impõe a inversão, isto é, já determina que se presume o defeito constatado o dano, passando ao fornecedor dos bens o dever de fazer a prova (cfr. Cláudia Lima Marques, cit., pág. 261).»

E finaliza o seu voto eminente Min. Menezes Direito:


«Com isso, embora em desacordo com a fundamentação do acórdão no que se refere ao art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor naqueles pontos antes indicados, entendo que, no caso, com as razões antes deduzidas, não há como dar guarida ao especial para afastar a responsabilidade da empresa recorrente. Não conheço do especial.»

Finalmente, a questão relativa à correta identificação do fabricante, ressaltada pela empresa recorrente nas suas razões, é irrelevante para o julgamento deste recurso, que busca superar uma divergência entre as turmas desta Corte e uniformizar a sua jurisprudência.

Trata-se, na realidade, de matéria de fato, cujo reexame refoge da competência desta Corte, especialmente em sede de embargos de divergência.

Por isso, com a mais respeitosa vênia ao eminente relator, voto pelo não conhecimento dos embargos de divergência. ...» (Min. Paulo de Tarso Sanseverino).»

Doc. LegJur (124.3555.3000.3700) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Consumidor (Jurisprudência)
Embargos de divergência (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Inversão do ônus da prova (v. Prova ) (Jurisprudência)
Ônus da prova (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
CDC, art. 6º, VIII
CDC, art. 12
CDC, art. 13
CDC, art. 18
CPC, art. 333
LegJur: A Ferramenta Essencial para Advogados Modernos
Transforme seu escritório de advocacia com informações legais atualizadas e relevantes!

Olá Advogado(a),

Você já pensou sobre o tempo e os recursos que gasta pesquisando leis, jurisprudências e doutrinas para os seus casos? Já se imaginou otimizando esse processo de forma eficiente e segura?

Então, temos algo em comum. O LegJur foi criado pensando em você, no advogado moderno que não pode se dar ao luxo de perder tempo em um mercado tão competitivo.

Por que o LegJur é a solução que você precisa?

1. Conteúdo Atualizado: Nosso banco de dados é atualizado constantemente, oferecendo as informações mais recentes sobre legislações, súmulas e jurisprudências.

2. Fácil Acesso: Uma plataforma simples e intuitiva que você pode acessar de qualquer dispositivo, a qualquer momento. Seu escritório fica tão flexível quanto você.

3. Busca Inteligente: Nosso algoritmo avançado torna sua pesquisa rápida e eficaz, sugerindo temas correlatos e opções para refinar sua busca.

4. Confiabilidade: Nosso time de especialistas trabalha incansavelmente para garantir a qualidade e a confiabilidade das informações disponíveis.

5. Economia de Tempo: Deixe de lado as horas de pesquisa em múltiplas fontes. Aqui, você encontra tudo o que precisa em um só lugar.

Invista no seu maior capital: o tempo

Você já deve saber que o tempo é um dos ativos mais preciosos na advocacia. Utilize o LegJur para maximizar sua eficiência, oferecendo ao seu cliente uma consultoria de alto nível fundamentada em informações confiáveis e atualizadas.

Depoimentos

"O LegJur transformou a forma como faço minha pesquisa jurídica. Agora, posso concentrar-me mais no desenvolvimento de estratégias para meus casos e menos na busca de informações."
— Maria L., Advogada

Não perca mais tempo! Torne-se membro do LegJur e eleve sua prática jurídica a um novo patamar.

Faça parte da evolução na advocacia. Faça parte do LegJur.

Assinatura Mensal

Acesso Total ao Site com Débito Automático no Cartão de Crédito

R$ 19,90

À vista

1 mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 29,90

Parcele em até 3x sem juros

3 meses

Equilave a R$ 26,63 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 79,90

Parcele em até 6x sem juros

6 meses

Equilave a R$ 21,65 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 129,90

Parcele em até 6x sem juros

12 meses + 2 meses de Brinde

Equilave a R$ 15,70 por mês

Acesso Total ao Site com Renovação opcional

R$ 219,90

Parcele em até 6x sem juros