Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Responsabilidade civil. Consumidor. Revendedora de veículos e empresa de telecomunicação. Relação de consumo não caracterizada. Ônus da prova. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. Precedentes do STJ. CDC, arts. 2º, 3º, 4º, I e 29. CCB/2002, arts. 186 e 927. CPC, art. 333.

Postado por Emilio Sabatovski em 28/02/2013
«... II. Do dever de indenizar. Violação dos arts. 2º e 6º, VIII, do CDC; e 333 do CPC.

(i) A natureza da relação estabelecida entre as partes.

Na ótica do TJ/RJ, «apesar de se tratar de lide entre duas pessoas jurídicas, tem-se por configurada, na hipótese, a relação de consumo, posto que a autora-apelada, comerciante de automóveis, figura como consumidora final dos serviços prestados pela apelante». (fl. 166, e-STJ).

A EMBRATEL contesta essa conclusão, afirmando que a recorrida não pode ser incluída no conceito de consumidor estabelecido no CDC, na medida em que «utiliza os serviços prestados pela recorrente como meio de fomento da atividade que desenvolve, e não como destinatária final». (fls. 195/196, e-STJ).

Após alguma oscilação, a jurisprudência do STJ atualmente se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.

Confira-se, à guisa de exemplo, os seguintes julgados: AgRg nos EDcl no REsp 1.281.164/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 04.06.2012; AgRg no Ag 1.248.314/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 29.02.2012; AgRg no REsp 1.085.080/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 20.09.2011; e REsp 1.014.960/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 02.09.2008.

Com isso, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo.

Em suma, o caráter distintivo da teoria finalista reside no fato de o ato de consumo não visar ao lucro tampouco à integração de uma atividade negocial.

A despeito disso, a jurisprudência – aí incluída o próprio STJ – tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado.

Com efeito, esta Corte tem «mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte, embora não seja destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade». (REsp 1.027.165/ES, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 14.06.2011. No mesmo sentido: REsp 1.196.951/PI, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 09.04.2012; 1.190.139/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 13.12.2011; e REsp 1.010.834/GO, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 13.10.2010.

Cuida-se, na realidade, de se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade que, vale lembrar, constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.

A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica, jurídica e fática. Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional.

A vulnerabilidade técnica implica ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo. No sistema do CDC, ela é presumida no caso do consumidor não-profissional, mas pode, excepcionalmente, alcançar o consumidor profissional, nas hipóteses em que o produto ou serviço adquirido não tiver relação com a sua formação, competência ou área de atuação.

A vulnerabilidade jurídica ou científica pressupõe falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo. Ela se presume para o consumidor pessoa física não-profissional. Essa presunção se inverte no caso de profissionais e pessoas jurídicas, partindo-se da suposição de que realizam seus atos de consumo cientes da respectiva repercussão jurídica, contábil e econômica, seja por sua própria formação (no caso dos profissionais), seja pelo fato de, na consecução de suas atividades, contarem com a assistência de advogados, contadores e/ou economistas (no caso das pessoas jurídicas).

A vulnerabilidade fática ou socioeconômica abrange situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor.

Além das três espécies acima, nosso atual estágio de evolução social e tecnológica trouxe relevo também para a vulnerabilidade informacional. O que antes podia ser considerado uma espécie de vulnerabilidade técnica, ganhou importância e individualidade com a denominada era da informação ou era digital, período que sucede a era industrial e que se caracteriza pela troca de informações de maneira globalizada e em tempo real. Isso, de um lado, implicou amplo acesso à informação, mas, por outro, conferiu enorme poder àqueles que detêm informações privilegiadas.

Essa realidade, aplicada às relações de consumo – em que a informação sobre o produto ou serviço é essencial ao processo decisório de compra – evidencia a necessidade de se resguardar a vulnerabilidade informacional do consumidor.

Note-se que, no mais das vezes, o problema não está na quantidade de informação disponibilizada, mas na sua qualidade, sobretudo quando há manipulação e controle pelo fornecedor, influenciando diretamente na decisão do consumidor.

Todavia, a despeito da identificação in abstracto de todas essas espécies de vulnerabilidade, não há como ignorar que a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo.

Com efeito, não se pode olvidar que a vulnerabilidade não se define tão-somente pela capacidade técnica, nível de informação/cultura ou valor do contrato em exame. Todos esses elementos podem estar presentes e o comprador ainda assim ser vulnerável pela dependência do produto, pela natureza adesiva do contrato imposto, pelo monopólio da produção do bem ou sua qualidade insuperável, pela extremada necessidade do bem ou serviço; pelas exigências da modernidade atinentes à atividade, entre outros fatores.

Em síntese, numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora.

Na espécie, a própria recorrida admite que o serviço contratado junto à EMBRATEL compõe sua cadeia produtiva, sendo essencial à consecução do seu negócio. Nesse sentido, afirma que «vive da venda de veículos novos e usados, motivo pelo qual se vê obrigada a anunciá-los, para que haja saída de forma mais rápida, investindo na propaganda, onde é certo que necessita da boa prestação de serviços da ré». (fl. 05, e-STJ).

Dessa forma, não há como considerar a recorrida como destinatária final do serviço de telefonia prestado pela EMBRATEL.

Cumpre, outrossim, verificar se a recorrida de alguma forma se mostra vulnerável frente à EMBRATEL, de sorte a equipará-la ao conceito de consumidor.

Partindo do panorama fático delineado pelas instâncias ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao longo do processo, não é possível identificar nenhum tipo de vulnerabilidade da recorrida.

Do ponto de vista técnico, a aquisição de linhas telefônicas prescinde de qualquer conhecimento específico que pudesse ter influenciado na contratação do serviço. Ainda que a telefonia inegavelmente possua aspectos técnicos, eles não são preponderantes para a decisão do consumidor. Vale dizer, ainda que a recorrida tivesse conhecimento técnico em telecomunicações, nada indica que teria deixado de contratar o serviço em questão.

No aspecto fático, não se constata nenhuma insuficiência capaz de colocar a recorrida em situação de desvantagem frente à EMBRATEL. Note-se, por oportuno, que a recorrida não pode ser considerada economicamente hipossuficiente, na medida em que, segundo suas próprias assertivas, em apenas 45 dias, gastou mais de R$55.000,00 (em valores de 2007) apenas com anúncios em jornal (fl. 04, e-STJ), circunstância reveladora do porte da empresa.

Por outro lado, a contratação do serviço em tela não apresentou nenhuma peculiaridade jurídica, contábil ou econômica que pudesse ser classificada como fator de desequilíbrio junto à EMBRATEL.

Também do ponto de vista informacional, a recorrida não alega a supressão de qualquer dado que pudesse ter influenciado na sua decisão de contratar o serviço, sendo certo que as instâncias ordinárias sequer cogitam que a EMBRATEL soubesse de antemão que as linhas telefônicas poderiam apresentar os defeitos descritos na petição inicial.

Finalmente, não se verifica nenhuma circunstância excepcional apta a criar uma relação de dependência da recorrida frente á EMBRATEL que justifique sua equiparação à condição de consumidora.

Portanto, conclui-se que a relação jurídica estabelecida entre as partes não é de consumo e, por consequência, não deveria ter sido apreciada à luz do CDC. ...» (Minª. Nancy Andrighi).»

Doc. LegJur (131.0504.8000.4100) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Responsabilidade civil (Jurisprudência)
▪ Consumidor (Jurisprudência)
▪ Relação de consumo (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Prova (Jurisprudência)
▪ Ônus da prova (v. ▪ Prova) (Jurisprudência)
▪ CDC, art. 2º
▪ CDC, art. 3º
▪ CDC, art. 4º, I
▪ CDC, art. 29
▪ CCB/2002, art. 186
▪ CCB/2002, art. 927
▪ CPC, art. 333
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