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STJ. 2ª Seção. Recurso especial repetitivo. Eletrificação rural. Recurso especial representativo de controvérsia. Administrativo. Financiamento de rede de eletrificação rural. Custeio de obra de extensão de rede elétrica pelo consumidor. Ilegalidade. Não ocorrência. Pedido de restituição. Descabimento. Considerações do Luis Felipe Salomão sobre o tema. CPC, art. 443-C. Dec. 41.019/1957, arts. 138, 140, 141 e 142.

Postado por legjur.com em 20/06/2013
«... 3. A controvérsia que ora se examina é de natureza multitudinária, havendo repetição da mesma situação jurídico-contratual em diversos Estados da Federação - com pequenas variações -, como Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

Em todos os casos, inclusive alguns noticiados por recorrentes e recorrida, e guardadas pequenas particularidades de instrumentos contratuais próprios de cada concessionária, a discussão é a mesma: legalidade da exigência de participação financeira do consumidor no custeio de obra de construção de rede de eletrificação rural, com direito ou não a restituição dos valores aportados.

No Estado do Paraná, as Turmas Recursais chegaram a editar o Enunciado 65, com a seguinte redação: «Não cabe a restituição dos valores pagos pelo consumidor pela expansão de sua rede de energia elétrica anteriores à vigência da Lei n.º 10.438/02".

4. Com efeito, visando encaminhamento da solução que se me afigura adequada, é importante ressaltar, de início, que os princípios e valores jurídicos hoje solidamente contemplados não necessariamente permearam de forma invariante as décadas passadas e, evidentemente, não podem ser simplesmente transpostos para regular fatos ocorridos em épocas longínquas, quando o paradigma jurídico dominante era outro.

Nessa linha de argumentação, afirmei, na relatoria do REsp. Acórdão/STJ, que o princípio da boa-fé, por exemplo, não possui um conteúdo per se a ele inerente, mas sim contextual, com significativa carga histórico-social.

Daí por que se faz absolutamente necessário o isolamento do princípio da boa-fé como norma técnica dotada de específico domínio de aplicação, até mesmo para que não se imprima a esse princípio mera remissão a padrões éticos, pois assim «se estaria apenas ampliando a extensão dos poderes do juiz e não se permitindo um juízo com base em certo conteúdo substancial» (MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 456).

É com base nessas reflexões, segundo penso, deve se analisar a questão da eletrificação rural no Brasil, ciente de que o serviço de energia elétrica de hoje - normativamente gravado com as cláusulas da universalização e essencialidade - possui contornos absolutamente distintos de outrora.

Na década de 80, era claro o atraso do Brasil no tocante à eletrificação rural e, em comparação a países como os Estados Unidos da América, noticiava-se defasagem de 50 anos. Por exemplo, no ano de 1986, Santa Catarina era o Estado com maior área eletrificada (63,9%), seguido por São Paulo (49,2%) e Rio Grande do Sul (45,6%). Contudo, em direção ao Norte e Nordeste, esse percentual caía bruscamente: na Bahia, apenas 2% da área rural era eletrificada e no Amazonas o índice não chegava a 0,5% (Eletrificação rural: mais energia no campo. in A Agricultura de Hoje, v. 10, 112, p. 10-15, jan./fev. 1986).

Os dados refletiam a realidade vivida naquela época e a forma de financiamento das redes elétricas: a eletrificação rural dependia essencialmente de capital privado. Assim, como a riqueza rural era mais elevada nas regiões Sul e Sudeste, seus produtores tiveram melhores condições de financiar a extensão de suas redes, o que não se verificou nas demais regiões do País (Eletrificação rural: mais energia no campo. in A Agricultura de Hoje, v. 10, 112, p. 10-15, jan./fev. 1986).

A participação financeira do produtor rural na extensão de redes de eletrificação era uma realidade que não podia ser ignorada pelo ordenamento jurídico.

O Estatuto da Terra ( Lei 4.504/64) previu, inclusive, forma própria de captação desses recursos particulares para a alavancagem de obras de extensão de redes elétricas, mediante as chamadas cooperativas de eletrificação e industrialização rural, formadas por lavradores e pecuaristas, com possibilidade de financiamentos subsidiados pelo Governo.

Nesse sentido, é o art. 90 da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra):


Art. 90. Os órgão públicos federais ou estaduais referidos no artigo 73, § 2º, alíneas a, b e c, bem como o Banco Nacional de Crédito Cooperativo, na medida de suas disponibilidades técnicas e financeiras, promoverão a difusão das atividades de reflorestamento e de eletrificação rural, estas essencialmente através de cooperativas de eletrificação e industrialização rural, organizadas pelos lavradores e pecuaristas da região.


[...]


§ 3º Os projetos de eletrificação rural feitos pelas cooperativas rurais terão prioridade nos financiamentos e poderão receber auxílio do Governo federal, estadual e municipal.

E foi nesse cenário de reconhecida insuficiência estatal para fornecimento de energia elétrica que a Constituição Federal de 1988 foi elaborada, de modo que não se olvidou da histórica necessidade de participação do consumidor no desenvolvimento da eletrificação rural.

Assim é que o art. 187 da Carta prevê que o planejamento e a execução da política agrícola levaria em consideração a eletrificação rural (inciso VII) e contaria com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais.

Confira-se:


Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:


[...]


VII - a eletrificação rural e irrigação;

Portanto, é por essa ótica que deve ser analisado o presente caso - com olhos para o passado -, não devendo o julgador se deixar contaminar pela especial situação atual do serviço de fornecimento de energia.

De fato, muito embora possa hoje, em alguma medida, agredir o senso comum falar em participação do usuário na construção da rede elétrica da concessionária, em décadas passadas isso se mostrou instrumento válido para contornar a notória incapacidade estatal de universalização do serviço de fornecimento de energia elétrica.

Cabia, portanto, à legislação da época regular essa realidade que caminhava lado a lado com o desenvolvimento do País no setor agroindustrial.

5. Convém, assim, fazer um breve retrospecto da legislação sobre energia elétrica.

Após a edição do chamado Código de Águas ( Decreto 24.643/34), que tratou de forma geral da questão do potencial hidrelétrico do País, o diploma inaugural sobre a extensão de redes de eletrificação rural foi o Decreto 41.019/1957.

Inicialmente, foram previstas hipóteses em que o custeio da expansão dos sistemas de distribuição era encargo exclusivo da concessionária e hipóteses em que o consumidor contribuía para a expansão, sozinho ou em concorrência com a companhia.

Dessume-se da redação original dos arts. 138 e 142 do Decreto 41.019/1957 que, dentro dos perímetros acordados com as prefeituras, a responsabilidade pela construção da rede elétrica era integral das concessionárias e, fora deste, obedeceria a limites estabelecidos de acordo com o nível de tensão, sendo facultado ao particular contribuir financeiramente para compensar a diferença verificada entre o custo total da extensão, ou executar as obras de extensão e cedê-las ao concessionário.

Confiram-se as redações originárias dos arts. 138 a 142:

Art. 138. Serão estabelecidos inteiramente à custa dos concessionários os sistemas de distribuição primária e secundária para servirem dentro da sua zona de concessão, às concentração de população, configurados em plantas organizadas de comum acôrdo entre o concessionário e as Prefeituras Municipais e aprovadas pela Fiscalização.

Parágrafo único. Mediante acôrdo enter as Prefeituras Municipais e os concessionários, as plantas a que se refere êste artigo poderão ser revistas para alteração dos perímetros, desde que tenham vigorado por três anos, atendendo ao crescimento das concentrações de população e observadas as condições econômicas definidas no artigo seguinte.


Art. 139. As extensões do sistema de distribuição secundária, quando pedidas para consumo de qualquer classe, nos têrmos do art. 144, não compreendidas no art. 138, serão estabelecidas à custa dos concessionários até o limite de três vezes a receita anual estimada do novo consumo, a juízo da Fiscalização.


§ 1º É facultado ao consumidor de qualquer classe contribuir para a instalação das extensões, para compensar a diferença verificada entre o custo total da extensão e três vêzes a renda anual prevista.


§ 2º Tais extensões poderão executadas por terceiros e cedidas aos concessionários, desse (sic) que obedecidas as normas aprovadas pelas autoridades competentes.


Art. 140. As linhas de transmissão, de subtransmissão e de distribuição primária e respectivas subestações com capacidade e reserva suficientes para a alimentação dos sistemas de distribuição secundária a que se referem os arts. 138 e 139, serão estabelecidas à custa dos concessionários, de acôrdo com o projeto aprovado pela Fiscalização.


§ 1º As ampliações dessas linhas e subestações quando necessárias para atenderem aos consumidores dentro do perímetro a que se refere ao art. 138, serão estabelecidas à custa dos concessionários.


§ 2º As extensões dessas linhas e respectivas subestações, quando necessárias para a execução das extensões a que se refere ao art. 139, e as destinadas a consumidores em média e alta tensão, serão estabelecidas à custa dos concessionários até o limite de três vêzes e meia a receita anual estimada do novo consumo depois de atendida a condição do mesmo artigo.


§ 3º A diferença de custo verificada poderá ser suprida na forma do parágrafo único do art. 138.


Art. 141. Quando fôr previsto aumento de receita que, dentro do prazo de cinco anos, venha a satisfazer os limites estabelecidos nos arts. 139 e 140, as contribuições dos consumidores serão recebidas a título de adiantamento, que será restituído a partir do terceiro exercício em que forem verificadas as condições econômicas já referidas.


Art. 142. As modificações nos circuitos de distribuição, por motivo de substituição do tipo ou padrão adotado, por outro superior, determinado pelo Poder Público, serão realizadas à custa dos concessionários, até o limite 2,5 vêzes a receita anual do consumo no trecho modificado.


Parágrafo único. É facultado ao Serviço Público contribuir para a execução das modificações, para compensar a diferença verificada no custo, relativa à deficiência da receita estimada.

O Decreto 83.269/79 alterou a redação dos artigos em análise, excluiu os limites de responsabilidade de investimento antes estabelecidos e previu que o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE deveria estabelecer os procedimentos para o cálculo das responsabilidades pelo custeio da expansão do sistema elétrico, considerando este como um todo, de modo a garantir que os investimentos sob responsabilidade dos concessionários não acarretassem acréscimo ao custo total do serviço do setor elétrico - superior ao acréscimo da receita pela extensão da rede.

Ficaram assim redigidos os arts. 138 a 142 do Decreto 41.019/1957, depois da redação que lhe foi atribuída pelo Decreto 83.269/79:


Art. 138 - O custeio das extensões do sistema elétrico necessárias ao atendimento de pedidos de ligação ou mudança de tensão de fornecimento é de responsabilidade do concessionário até limites por ele calculados, obedecendo ás normas baixadas pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE. (Redação dada pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


§ 1º - Na determinação do custo da extensão, para os fins do disposto neste artigo, o concessionário deve levar em conta somente o montante relativo ao segmento do sistema que atender à unidade de consumo, a partir do ponto de conexão com o sistema existente onde tem início a extensão, nos seguintes termos: (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


I - para atendimento em tensão secundária de distribuição, considerar a respectiva extensão da rede de distribuição secundária e primária, se necessária; (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


II - para atendimento em tensão primária de distribuição, subtransmissão ou transmissão, considerar a extensão da linha na tensão do fornecimento. (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


§ 2º - Em atendimento em tensão igual ou superior a 34,5 kV, o sistema de custeio previsto no «caput» deste artigo aplica-se igualmente a obras realizadas antes do ponto de conexão, caracterizadas como reforço de linha existente ou acréscimo de novo circuito, utilizadas ou não novas estruturas, desde que o reforço ou acréscimo seja estabelecido na tensão do fornecimento e se justifique face à insuficiência das instalações existentes para o fornecimento de energia. (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


§ 3º - O sistema de custeio previsto no «caput» deste artigo aplica-se às obras a que se referem os incisos I e II do artigo 141, quando estabelecidas na tensão do fornecimento e em sistema definido para eletrificação rural. (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


Art. 139 - O Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE deve elaborar as normas referidas no artigo anterior considerando o sistema elétrico do País como um todo e de forma a garantir que, dentro dos limites a serem calculados, os investimentos de responsabilidade dos concessionários, realizados nos termos do mesmo artigo, não acarretem acréscimo ao custo total de serviço do setor elétrico superior ao acréscimo à receita, acréscimos esses previstos e decorrentes dos mesmos investimentos. (Redação dada pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


Art. 140 - A execução das extensões ou obras a que se refere o artigo 138 fica condicionada ao recebimento pelo concessionário, quando necessárias, de contribuição no valor correspondente à diferença entre o custo da extensão ou obra e o limite de investimento de responsabilidade do concessionário.(Redação dada pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


Parágrafo único - A critério do concessionário, a contribuição de que trata este artigo pode ser parcelada para efeito de pagamento.(Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


Art. 141 - É de responsabilidade total do concessionário o custeio de: (Redação dada pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


I - Obras relativas a acréscimos de segunda e/ou terceira fases em redes ou linhas existentes;(Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


II - Obras relativas a redes ou linhas, em tensão inferior a 34,5 kV, que se caracterizem como reforço das existentes ou acréscimo de novo circuito, utilizados ou não novas estruturas; (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


III - Obras relativas a redes ou linhas que se caracterizem como reforma das existentes; (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


IV - Obras necessárias para atender aos níveis de continuidade e/ou qualidade de serviço fixados pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, bem como aquelas atribuíveis ao concessionário em conformidade com as disposições regulamentares vigentes. (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


Parágrafo único - O disposto nos incisos I e II não se aplica quando se tratar de obra na tensão do fornecimento em sistema definido para eletrificação rural. Neste caso deve ser observado o contido no § 3º do artigo 138. (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


Art. 142 - É de responsabilidade total do consumidor o custeio das obras realizadas a seu pedido e relativas a: (Redação dada pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


I - Extensão de linha exclusiva ou de reserva;(Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


II - Melhoria de qualidade e/ou de continuidade do fornecimento a níveis superiores aos fixados pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, ou em condições especiais não exigidas pelas disposições regulamentares vigentes;(Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


III - Melhoria de aspectos estáticos;(Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


IV - Outras que lhe sejam atribuíveis, de conformidade com as disposições regulamentares vigentes.(Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)


Parágrafo único - Nos casos de que trata este artigo devem ser incluídos na determinação do custo total da obra o montante relativo ao segmento do sistema que atender à unidade de consumo em questão, bem como o referente à ampliação de capacidade e/ou reforma de subestações, alimentadores e linhas já existentes, quando necessários ao atendimento do pedido do consumidor. (Incluído pelo Decreto nº 83.269, de 1979)

Destarte, com o Decreto 83.269/79 manteve-se o mecanismo anterior, segundo o qual a execução de determinada obra necessária ao atendimento do consumidor, sobretudo o rural ou suburbano, condicionava-se ao recebimento, pela concessionária, de contribuição equivalente à diferença entre o custo da extensão e o limite de investimento sob responsabilidade da companhia de eletrificação (BEGO, Daniel José Justi. Universalização dos serviços de energia elétrica: evolução histórica e necessidade de regulação. in Direito da energia elétrica no Brasil. Marcus Faro de Castro e Luis Gustavo Kaercher Loureiro (orgs.). Brasília: ANEEL, 2010, p. 233).

A regulamentação desses dispositivos veio com a Portaria 116/1980 do DNAEE, estabelecendo que o investimento sob responsabilidade da concessionária deveria ser calculado com base na tarifa fiscal, única em todo território nacional à época.

Finalmente, o Decreto 41.019/1957 também foi alterado pelo Decreto 98.335/89, conferindo aos arts. 138 a 142 a seguinte redação:


Art. 138. Os encargos de responsabilidade do concessionário e do consumidor, decorrentes do atendimento de novas ligações, acréscimos ou decréscimos de carga, dependentes ou não de obras no sistema elétrico, serão definidos em ato do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE. (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


Art. 139. Para os efeitos do artigo anterior, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE levará em conta os investimentos na expansão de capacidade do sistema elétrico, considerando o País como um todo, de modo que não acarretem acréscimo ao custo total do serviço do setor elétrico, superior ao acréscimo à receita, decorrentes dos demais investimentos. (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


Art. 140. O atendimento de novas ligações, acréscimos ou decréscimos de carga (art. 138) fica condicionado ao pagamento, quando for o caso, da participação financeira do consumidor. (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


§ 1º A critério do concessionário, o pagamento de que trata este artigo poderá ser parcelado. (Incluído pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


§ 2º Com o fim de compatibilizar o prazo fixado para o atendimento com as necessidades do consumidor, poderá este, mediante prévio ajuste, aportar a totalidade dos recursos indispensáveis à realização da obra. A concessionária efetuará a restituição da parcela de sua responsabilidade por meio de entrega de ações, fornecimento de energia ou outra forma entre as partes convencionadas. (Incluído pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


Art. 141. São de responsabilidade total do concessionário os encargos correspondentes a: (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


I - obras no sistema elétrico que não estejam vinculadas diretamente ao atendimento de novas cargas; (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


II - obras necessárias para atender aos níveis de continuidade e de qualidade de serviço fixados pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, bem como aquelas atribuíveis ao concessionário em conformidade com as disposições regulamentares vigentes. (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


Parágrafo único. O disposto nos incisos I e II aplica-se igualmente aos casos em que a execução das obras seja feita concomitantemente com o atendimento de solicitações enquadradas no art. 138.(Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


Art. 142. São de responsabilidade do consumidor o custeio das obras realizadas a seu pedido e relativas a: (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


I - extensão de linha exclusiva ou de reserva; (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


II - melhoria de qualidade ou continuidade do fornecimento em níveis superiores aos fixados pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, ou em condições especiais não exigidas pelas disposições regulamentares vigentes, na mesma tensão do fornecimento ou com mudança de tensão; (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


III - melhoria de aspectos estéticos; (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


IV - outras que lhe sejam atribuíveis, de conformidade com as disposições regulamentares vigentes. (Redação dada pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


§ 1º Nos casos de que trata este artigo, devem ser incluídas na determinação do encargo de responsabilidade do consumidor as parcelas relativas ao segmento do sistema que atender a unidade de consumo, bem como as referentes à ampliação de capacidade ou reforma de subestações, alimentadores e linhas já existentes, quando necessárias ao atendimento do pedido. (Incluído pelo Decreto nº 98.335, de 1989)


§ 2º O atendimento de pedido nas condições previstas neste artigo dependerá, também, da verificação, pelo concessionário, da conveniência técnica e econômica para sua efetivação. (Incluído pelo Decreto nº 98.335, de 1989)

Percebe-se, portanto, que o Decreto 41.019/1957, com a redação que lhe foi atribuída pelo Decreto 98.335/89, previa mesmo hipóteses em que a extensão de rede de eletrificação seria custeada ora pelo concessionário (art. 141), ora pelo consumidor (art. 142), ora por ambos (art.138 e art. 140). E, para tanto, os encargos de responsabilidade do concessionário e do consumidor, relativos a pedidos de extensão de redes de eletrificação, eram definidos em ato do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, condizentes com a natureza da obra ou da extensão.

A novidade trazida pela última alteração legislativa foi a de que, com o fim de compatibilizar o prazo fixado para o atendimento da extensão da rede com suas necessidades, poderia o consumidor aportar a totalidade dos recursos indispensáveis à realização da obra. E, nesse caso, teria direito à restituição dos valores relativos à responsabilidade da concessionária na execução da obra ou ligação, mediante entrega de ações, fornecimento de energia ou outra forma entre as partes convencionadas (art. 140, § 2º).

Em todos os casos, as obras construídas com a participação financeira dos consumidores eram incorporadas aos bens e instalações do concessionário quando concluídas (art. 143).

Posteriormente ao Decreto 41.019/1957, várias ações governamentais tentaram universalizar o serviço de fornecimento de energia elétrica, das quais se destacam o Programa Nacional de Eletrificação Rural «Luz no Campo", de dezembro de 1999, e o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica - «Luz para Todos", instituído pelo Decreto 4.873/03.

Todavia, foi a edição da Lei 10.438/2002, que dispõe - entre outros assuntos - sobre a expansão da oferta de energia elétrica emergencial e recomposição tarifária extraordinária, que se apresentou como novo marco no projeto de universalização do serviço de energia elétrica.

Em sua redação original, previam os arts. 14 e 15 o dever de atendimento da concessionária do serviço, sem ônus de nenhuma espécie para qualquer tipo de solicitante, independentemente de classe.

Estava assim revogada tacitamente a cobrança de participação financeira do consumidor, permitida apenas a faculdade de financiamento pelo solicitante que desejasse antecipar seu atendimento, sendo responsabilidade da concessionária a devolução dos valores aportados (BEGO, Daniel José Justi. Universalização dos serviços de energia elétrica: evolução histórica e necessidade de regulação. in Direito da energia elétrica no Brasil. Marcus Faro de Castro e Luis Gustavo Kaercher Loureiro (orgs.). Brasília: ANEEL, 2010, p. 237).

Porém, a redação atual, conferida pela Lei 10.762/2003, reativou a possibilidade de participação financeira do consumidor, impondo limites claros ao atendimento a ser realizado, a partir dos quais haverá ônus para o solicitante - com carga superior a 50kW ou atendidos em tensão superior a 2,3kV e para pedidos de aumento de carga -, com possibilidade de restituição (BEGO, Daniel José Justi. Universalização dos serviços de energia elétrica: evolução histórica e necessidade de regulação. in Direito da energia elétrica no Brasil. Marcus Faro de Castro e Luis Gustavo Kaercher Loureiro (orgs.). Brasília: ANEEL, 2010, p. 237).

Nesse sentido, confiram-se os arts. 14 e 15 da Lei 10.438/2002:


Art. 14. No estabelecimento das metas de universalização do uso da energia elétrica, a Aneel fixará, para cada concessionária e permissionária de serviço público de distribuição de energia elétrica:


I - áreas, progressivamente crescentes, em torno das redes de distribuição, no interior das quais o atendimento em tensão inferior a 2,3kV, ainda que necessária a extensão de rede primária de tensão inferior ou igual a 138kV, e carga instalada na unidade consumidora de até 50kW, será sem ônus de qualquer espécie para o solicitante que possuir característica de enquadramento no Grupo B, excetuado o subgrupo iluminação pública, e que ainda não for atendido com energia elétrica pela distribuidora local; (Redação dada pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


II - áreas, progressivamente decrescentes, no interior das quais o atendimento em tensão inferior a 2,3kV, ainda que necessária a extensão de rede primária de tensão inferior ou igual a 138kV, e carga instalada na unidade consumidora de até 50kW, poderá ser diferido pela concessionária ou permissionária para horizontes temporais preestabelecidos pela ANEEL, quando o solicitante do serviço, que possuir característica de enquadramento no Grupo B, excetuado o subgrupo iluminação pública, e que ainda não for atendido com energia elétrica pela distribuidora local, será atendido sem ônus de qualquer espécie. (Redação dada pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 1-. O atendimento dos pedidos de nova ligação ou aumento de carga dos consumidores que não se enquadram nos termos dos incisos I e II deste artigo, será realizado à custa da concessionária ou permissionária, conforme regulamento específico a ser estabelecido pela ANEEL, que deverá ser submetido a Audiência Pública. (Redação dada pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 2-. É facultado ao consumidor de qualquer classe contribuir para o seu atendimento, com vistas em compensar a diferença verificada entre o custo total do atendimento e o limite a ser estabelecido no § 1-.. (Redação dada pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 3-. Na regulamentação do § 1-. deste artigo, a ANEEL levará em conta as características da carga atendida, a rentabilidade do investimento, a capacidade econômica e financeira do distribuidor local, a preservação da modicidade tarifária e as desigualdades regionais. (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004)


§ 4-. Na regulamentação deste artigo, a ANEEL levará em conta, dentre outros fatores, a taxa de atendimento da concessionária ou permissionária, considerada no global e desagregada por Município e a capacidade técnica, econômica e financeira necessárias ao atendimento das metas de universalização. (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004)


§ 5-. A ANEEL também estabelecerá procedimentos para que o consumidor localizado nas áreas referidas no inciso II do caput possa antecipar seu atendimento, financiando ou executando, em parte ou no todo, as obras necessárias, devendo esse valor lhe ser restituído pela concessionária ou permissionária após a carência de prazo igual ao que seria necessário para obter sua ligação sem ônus. (Redação dada pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 6-. Para as áreas atendidas por cooperativas de eletrificação rural serão consideradas as mesmas metas estabelecidas, quando for o caso, para as concessionárias ou permissionárias de serviço público de energia elétrica, onde esteja localizada a respectiva cooperativa de eletrificação rural, conforme regulamentação da ANEEL. (Redação dada pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 7-. O financiamento de que trata o § 5-. deste artigo, quando realizado por órgãos públicos, inclusive da administração indireta, a exceção dos aportes a fundo perdido, visando a universalização do serviço, serão igualmente restituídos pela concessionária ou permissionária, ou se for o caso, cooperativa de eletrificação rural, devendo a ANEEL disciplinar o prazo de carência quando o fornecimento for em áreas com prazos de diferimento distintos. (Redação dada pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 8-. O cumprimento das metas de universalização será verificado pela ANEEL, em periodicidade no máximo igual ao estabelecido nos contratos de concessão para cada revisão tarifária, devendo os desvios repercutir no resultado da revisão mediante metodologia a ser publicada.


§ 9-. A ANEEL tornará públicas, anualmente, as metas de universalização do serviço público de energia elétrica. (Incluído pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 10. Não fixadas as áreas referidas nos incisos I e II do caput no prazo de um ano contado da publicação desta Lei e até que sejam fixadas, a obrigação de as concessionárias e permissionárias de serviço público de energia elétrica atenderem aos pedidos de ligação sem qualquer espécie ou tipo de ônus para o solicitante aplicar-se-á a toda a área concedida ou permitida. (Incluído pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 11. A partir de 31 de julho de 2002 e até que entre em vigor a sistemática de atendimento por área, as concessionárias e permissionárias de serviço público de energia elétrica atenderão, obrigatoriamente e sem qualquer ônus para o consumidor, ao pedido de ligação cujo fornecimento possa ser realizado mediante a extensão de rede em tensão secundária de distribuição, ainda que seja necessário realizar reforço ou melhoramento na rede primária. (Incluído pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 12. No processo de universalização dos serviços públicos de energia elétrica no meio rural, serão priorizados os municípios com índice de atendimento aos domicílios inferior a oitenta e cinco por cento, calculados com base nos dados do Censo 2000 do IBGE, podendo ser subvencionada parcela dos investimentos com recurso da Reserva Global de Reversão, instituída pela Lei 5.655, de 20 de maio de 1971e da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, de que trata o art. 13 desta Lei, nos termos da regulamentação. (Incluído pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


§ 13. O Poder Executivo estabelecerá diretrizes específicas que criem as condições, os critérios e os procedimentos para a atribuição da subvenção econômica às concessionárias e permissionárias de serviço público de energia elétrica e, se for o caso, cooperativas de eletrificação rural e para a fiscalização da sua aplicação nos municípios beneficiados. (Incluído pela Lei nº 10.762, de 11.11.2003)


Art. 15. Visando a universalização do serviço público de energia elétrica, a Aneel poderá promover licitações para outorga de permissões de serviço público de energia elétrica, em áreas já concedidas cujos contratos não contenham cláusula de exclusividade. (Vide Medida Provisória nº 144, de 11.12.2003)


§ 1-. As licitações poderão ser realizadas, por delegação, pelas Agências de Serviços Públicos Estaduais conveniadas, mediante a utilização de editais padronizados elaborados pela Aneel, inclusive o contrato de adesão, com observância da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e demais dispositivos legais específicos para o serviço público de energia elétrica, aplicando-se, no que couber e subsidiariamente, a Lei 8.666, de 21 de junho de 1993.


§ 2-. É facultado à Aneel adotar a modalidade de tomada de preço, devendo, neste caso, mediante ações integradas com as Agências de Serviços Públicos Estaduais conveniadas, promover ampla divulgação visando o cadastramento de agentes interessados.


§ 3-. A permissionária será contratada para prestar serviço público de energia elétrica utilizando-se da forma convencional de distribuição, podendo, simultaneamente, também prestar o serviço mediante associação ou contratação com agentes detentores de tecnologia ou titulares de autorização para fontes solar, eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas.


§ 4-. À permissionária contratada na forma deste artigo é permitido realizar o fornecimento de energia elétrica a todos os consumidores, ligados ou não, localizados na área permitida, independentemente de carga, tensão e dos prazos de carência previstos nos arts. 15 e .074, de 7 de julho de 1995.


§ 5-. É vedado às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, suas controladas e seus controladores, em qualquer grau de descendência ou ascendência, bem como outras sociedades igualmente controladas ou coligadas, independente do grau de colateralidade, participarem das licitações de que trata este artigo.


§ 6-. A permissão de serviço público de energia elétrica contratada na forma deste artigo poderá prever condições e formas de atendimento específicas, compatíveis com a tecnologia utilizada.

6. Diante desse cenário legislativo, percebe-se que, ainda nos dias de hoje, há, de fato, a possibilidade de participação financeira do consumidor na construção de rede elétrica, sobretudo para a antecipação do atendimento solicitado.

Em décadas passadas, era mais evidente ainda a necessidade de participação do consumidor para obtenção desse desiderato, e disso não se olvidou a legislação aplicável ao setor, o que ocasionou, por certo, enorme impulso na atividade rural.

6.1. No caso ora em exame, os contratos foram firmados em 1989 e aplica-se o que dispõe o Decreto 41.019/1957, afastando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor.

Em regra, não se aplica o CDC a contratos firmados antes de sua vigência, verbis:


Compra e venda de imóvel. Sistema Financeiro da Habitação. Devolução das importâncias pagas. Código de Defesa do Consumidor, art. 53.


1. O Código de Defesa do Consumidor não se aplica aos contratos assinados antes de sua entrada em vigor.


2. Recurso especial não conhecido.


(REsp 574.258/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2004, DJ 02/08/2004 p. 386)


________________________


RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. MORTE DO SEGURADO. ATRASO NO PAGAMENTO DO PRÊMIO DO SEGURO. NOTIFICAÇÃO ACERCA DA MORA EFETUADA APÓS O FALECIMENTO. COBERTURA SECURITÁRIA RECONHECIDA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, PROVIDO.


[...]


3. São inaplicáveis à espécie os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, porquanto o contrato em exame foi celebrado antes da vigência deste Diploma.


[...]


(REsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/06/2009, DJe 30/06/2009)


________________________

Como dito antes, na vigência do Decreto 41.019/1957, com a redação que lhe foi atribuída pelo Decreto 98.335/89, o consumidor que solicitou a extensão da rede de eletrificação rural somente tem direito à restituição de valores, na hipótese de ter adiantado parcela que caberia ao concessionário - em caso de responsabilidade conjunta (arts. 138 e 140) -, ou na eventualidade de ter custeado obra cuja responsabilidade era exclusiva do concessionário (art. 141), em ambos os casos em razão de normatização editada pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE.

Apenas nestas hipóteses rígidas é que cláusulas contratuais que excluíram a restituição devida ao consumidor podem ser tidas por ilegais, mas não no caso de os valores aportados pelo solicitante terem decorrido de responsabilidade própria pelo custeio da rede elétrica.

Vale dizer, o direito à restituição de valores aportados para a construção de rede de eletrificação rural guarda estreita relação com a natureza da obra custeada, porquanto há obras de responsabilidade exclusiva do concessionário, outras do consumidor e outras de ambos.

De toda maneira, ainda que se aplicável fosse o Código de Defesa do Consumidor, não haveria, automaticamente, a pecha da abusividade nas cláusulas contratuais que determinaram a retenção de valores pagos pelo consumidor.

É que o próprio Código de Defesa do Consumidor prevê que a caracterização de abusividade na recusa de atendimento às demandas do consumidor levará sempre em conta a disponibilidade do produto pelo fornecedor (art. 39, inciso II).

No caso de energia elétrica, a disponibilidade é definida por normas do poder concedente, com base em políticas públicas de expansão e universalização do serviço, circunstância que pode gerar mesmo, como visto, a necessidade de participação do próprio consumidor no financiamento de obras de eletrificação rural.

Nesses casos, de acordo com a legislação regente, as obras construídas com a participação financeira dos consumidores devem ser incorporadas aos bens e instalações do concessionário quando concluídas (art. 143 do Decreto 41.019/1957).

6.2. Finalmente, é de se considerar também que os fatores de ordem estrutural e econômica antes mencionados influenciaram a elaboração, pelo poder concedente, de políticas públicas de universalização do serviço e, por consequência direta, acabam também por influenciar as próprias concessões para a prestação do serviço.

É que antes mesmo de haver contrato de prestação de serviços entre o consumidor e o fornecedor, há um contrato administrativo formalizado entre o poder concedente e a concessionária, no qual deve haver o indispensável equilíbrio econômico-financeiro, que se afirma como o equacionamento entre os deveres da concessionária e as vantagens que lhe são asseguradas.

Assim, o acréscimo de deveres não previstos por ocasião da outorga do serviço deve acarretar também a fixação de novas tarifas, em compensação dos novos encargos, ou, caso contrário, haverá quebra dessa equação inicialmente estabelecida entre o Estado e a concessionária.

A Quarta Turma sufragou esse entendimento no precedente cuja ementa se transcreve:


DIREITO CIVIL. CONSTRUÇÃO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL.


PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. CABIMENTO A DEPENDER DA NATUREZA DA OBRA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7.


1. No passado, a participação financeira do consumidor em construção de redes de eletrificação rural se mostrou instrumento válido para contornar a notória incapacidade estatal de universalização do serviço de fornecimento de energia elétrica. Coube, portanto, à legislação regular essa realidade que caminhava lado a lado com o desenvolvimento do País no setor agroindustrial.


2. O Decreto 41.019/1957, com a redação que lhe foi atribuída pelo Decreto 98.335/89, previa hipóteses em que a extensão de rede de eletrificação seria custeada ora pelo concessionário (art. 141), ora pelo consumidor (art. 142), ora por ambos (art.138 e art. 140). E, para tanto, os encargos de responsabilidade do concessionário e do consumidor, relativos a pedidos de extensão de redes de eletrificação, eram definidos em ato do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, condizentes com a natureza da obra ou da extensão.


3. Com efeito, nos termos do Decreto 41.019/1957, o consumidor que solicitara a extensão da rede de eletrificação rural tem direito à restituição de valores na hipótese de ter adiantado parcela que cabia ao concessionário - em caso de responsabilidade conjunta (arts. 138 e 140) -, ou na eventualidade de ter custeado obra cuja responsabilidade era exclusiva do concessionário (art. 141), em ambos os casos em razão de normatização editada pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE. Somente nesses casos é que cláusulas contratuais que excluíram a restituição devida ao consumidor podem ser tidas por ilegais, mas não na hipótese de os valores aportados pelo solicitante terem decorrido de responsabilidade própria pelo custeio da rede elétrica.


4. Não tendo as instâncias ordinárias explicitado qual a natureza da obra, tampouco a extensão das responsabilidades da concessionária e do consumidor no custeio do empreendimento, aplicam-se as Súmulas n.


5 e 7.


5. No caso, os contratos foram firmados em 1989, mostrando-se inaplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor. Porém, ainda que se aplicável fosse o CDC, não haveria, automaticamente, a pecha da abusividade nas cláusulas contratuais que determinaram a retenção de valores pagos pelo consumidor. É que o próprio Código de Defesa do Consumidor prevê que a caracterização de abusividade na recusa de atendimento às demandas do consumidor levará sempre em conta a disponibilidade do produto pelo fornecedor (art. 39, inciso II). No caso de energia elétrica, a disponibilidade é definida por normas do poder concedente, com base em políticas públicas de expansão e universalização do serviço, circunstância que pode gerar mesmo, como visto, a necessidade de participação do próprio consumidor no financiamento de obras de eletrificação rural. Nesses casos, de acordo com a legislação regente, as obras construídas com a participação financeira dos consumidores devem ser incorporadas aos bens e instalações do concessionário quando concluídas (art. 143 do Decreto 41.019/1957).


6. Recurso especial não conhecido.


(REsp 1100452/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 15/09/2011)


________________________

O mencionado entendimento também tem sido reproduzido em alguns outros julgados:


AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DO FEITO PARA AGUARDAR DECISÃO FINAL EM RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. INDEFERIMENTO. ELETRIFICAÇÃO RURAL. DECRETO 41.019/1957. RESPONSABILIDADE PELO CUSTEIO ASSUMIDA PELO CONSUMIDOR. PRECEDENTE DA CORTE.


1.- A suspensão prevista na Lei de Recursos Repetitivos, somente se aplica aos recursos especiais que estejam em processamento nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais.


2.- Tendo o Acórdão recorrido reconhecido que os valores aportados pelo solicitante decorreram de responsabilidade própria pelo custeio da rede elétrica, correto o afastamento do pedido de restituição.


Precedente.


3.- Agravo Regimental improvido.


(AgRg nos EDcl no REsp 1270401/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 19/12/2012)


________________________


AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA DO CONSUMIDOR EM OBRAS DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DO FEITO PARA AGUARDAR DECISÃO FINAL EM RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.


INDEFERIMENTO. EXTENSÃO DA RESPONSABILIDADE DO CONSUMIDOR. AFERIÇÃO. SÚMULAS 5 e 7/STJ.


1.- A suspensão prevista na «lei de recursos repetitivos", destina-se principalmente aos Recursos Especiais que estejam em processamento nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais e Agravos deles derivados, podendo ser o sobrestamento determinado pelos Juízos, ao prudente critério, mas não lhes podendo ser imposto.


2.- O Tribunal de origem não especificou qual a modalidade da contratação pactuada entre as partes. Assim, para aferir a extensão da responsabilidade do consumidor, com o consequente reconhecimento da ilegalidade da cobrança do investimento para realização de obra de expansão da rede de eletrificação rural, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório e a interpretação do contrato entabulado entre as partes, providência inviável na via eleita, a teor do disposto nas Súmulas 5 e 7 deste STJ.


3.- Agravo Regimental improvido.


(AgRg no AREsp Acórdão/STJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 07/11/2012)


________________________

6.3. No caso concreto, os autores não demonstraram na inicial que os valores da obra cuja restituição se pleiteia deviam ter sido suportados pela concessionária do serviço - até porque nem pediram a produção de provas aptas ao acolhimento do pedido com esse fundamento.

Por outro lado, também não era a hipótese de inversão do ônus da prova, cabendo a eles, deveras, a demonstração dos fatos constitutivos do direito alegado (art. 333, inciso I, CPC).

Os recorrentes pagaram 50% da obra de extensão de rede elétrica, sem que lhes tenha sido reconhecido direito à restituição dos valores, tudo com base no contrato, pactuação essa que não é ilegal, tendo em vista a previsão normativa de obra para cujo custeio deviam se comprometer, conjuntamente, consumidor e concessionária (arts. 138 e 140 do Decreto 41.019/1957).

7. Assim, encaminho os seguintes entendimentos para efeitos do art. 543-C do CPC:


7.1. A participação financeira do consumidor no custeio de construção de rede elétrica não é, por si só, ilegal, uma vez que, na vigência do Decreto 41.019/1957, havia previsão normativa de obras que deviam ser custeadas pela concessionária (art. 141), pelo consumidor (art. 142), ou por ambos (art.138 e art. 140).


7.2. Em contratos regidos pelo Decreto 41.019/1957, o consumidor que solicitara a extensão da rede de eletrificação rural não tem direito à restituição dos valores aportados, salvo na hipótese de (i) ter adiantado parcela que cabia à concessionária - em caso de responsabilidade conjunta (arts. 138 e 140) - ou (ii) ter custeado obra cuja responsabilidade era exclusiva da concessionária (art. 141). Leva-se em consideração, em ambos os casos, a normatização editada pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, que definia os encargos de responsabilidade da concessionária e do consumidor, relativos a pedidos de extensão de redes de eletrificação, com base na natureza de cada obra.


7.3. À míngua de comprovação de que os valores cuja restituição se pleiteia eram de responsabilidade da concessionária, não sendo o caso de inversão do ônus da prova e não existindo previsão contratual para o reembolso, o pedido de devolução deve ser julgado improcedente.

8. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (133.6633.3000.7500) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Recurso especial repetitivo (Jurisprudência)
▪ Eletrificação rural (v. ▪ Recurso especial repetitivo) (Jurisprudência)
▪ Recurso especial representativo de controvérsia (v. ▪ Recurso especial repetitivo) (Jurisprudência)
▪ Administrativo (v. ▪ Recurso especial repetitivo) (Jurisprudência)
▪ Financiamento de rede de eletrificação rural (v. ▪ Recurso especial repetitivo) (Jurisprudência)
▪ Custeio de obra de extensão de rede elétrica (v. ▪ Recurso especial repetitivo) (Jurisprudência)
▪ Consumidor (v. ▪ Recurso especial repetitivo) (Jurisprudência)
▪ CPC, art. 443-C
Dec. 41.019/1957, art. 138 (Legislação)
Dec. 41.019/1957, art. 140 (Legislação)
Dec. 41.019/1957, art. 141 (Legislação)
Dec. 41.019/1957, art. 142 (Legislação)
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