Jurisprudência em Destaque
Credor não pode emitir cambial em nome do consumidor. Cartão de crédito. Consumidor. Cláusula mandato para emissão de título cambial. Cláusula abusiva reconhecida. CDC, art. 51.
Gira a controvérsia em torno de definir se é, ou não é abusiva, a cláusula mandato nos contratos de cartões de crédito conferindo poderes à administradora mandatária para emissão de títulos cambiais em nome do consumidor mandante. A resposta foi positiva, no sentido de ser abusiva a cláusula mandato inserida em contrato de adesão (cartão de crédito), conferindo poderes para que a administradora emita cambial em nome do consumidor. O julgamento desta matéria foi afetada à Segunda Seção do STJ, face o caráter modificativo da proposição apresentada, no sentido de se proceder à releitura da jurisprudência do STJ quanto ao tema ora em debate. Há amplas considerações sobre o tema no corpo do acórdão com citação de precedentes.
Eis o que nos diz, no fundamental, o ministro relator:
[...].
2.1 Inicialmente, é imprescindível esclarecer que o instituto jurídico da cláusula mandato em sentido amplo possui estipulações destinadas a três propósitos distintos.
O primeiro, inerente a todos os contratos de cartão de crédito (tenham eles sido estabelecidos com as instituições financeiras ou com as administradoras de cartão private label), é aquele por meio do qual a administradora/mandatária do cartão se compromete a honrar, mediante anuidade e até o limite de crédito estipulado para aquele consumidor/mandante, o compromisso assumido por este perante comerciantes ou prestadores de serviços.
O segundo, inerente aos contratos de cartão de private label, refere-se à autorização dada pelo consumidor à administradora do cartão de crédito para que, em seu nome, obtenha recursos no mercado financeiro para saldar eventuais dívidas e financiamentos advindos do uso do cartão.
O terceiro, reputado abusivo pelo ordenamento jurídico pátrio, diz respeito à atribuição de poderes às administradoras/mandatárias do cartão de crédito para emissão de títulos de crédito em nome do consumidor/mandante.
Na presente hipótese devolvida a esta Corte, só está a se discutir o último propósito que a cláusula mandato possui, ou seja, a possibilidade de se conferir poderes às administradoras de cartões de crédito para emissão de títulos de crédito em nome do consumidor.
[...].
2.3 Por outro lado, em hipóteses tais como a retratada nestes autos, compreende-se por abusiva a cláusula mandato que prevê a emissão de título de crédito, por parte do mandatário contra o mandante, haja vista que tal procedimento expõe o outorgante à posição de extrema vulnerabilidade, a ponto de converter-se em prática ilegítima, eis que dela resulta um instrumento cambial apto a possibilitar a pronta invasão de seu patrimônio por meio da compensação bancária direta ou pela via executiva, reduzindo, inegavelmente, a sua capacidade defensiva, porquanto a expropriação estará lastrada em cártula que, em regra, por mera autorização contratual firmada em contrato de adesão, será sacada independentemente da intervenção do devedor/mandante.
Sob este aspecto, há muito já fora sedimentado o entendimento no âmbito desta Corte Superior acerca da ilegalidade da cláusula mandato destinada ao saque de títulos, consoante se extrai do enunciado da Súmula 60/STJ, assim redigida: «É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste».
Isso porque, é característica marcante dos títulos de crédito a executoriedade, ou seja, a sua auto-suficiência jurídica é assegurada tendo em vista os princípios da cartularidade, da literalidade e da autonomia. Assim, o valor nele contido é certo e a transmissão de sua titularidade encontra amparo na imunidade dos vícios que não sejam incidentes sobre a própria cártula. Esses atributos facilitam, sobremaneira, a obtenção do valor inserido no título, por meio de procedimento executivo, que terá limitado campo de defesa, em razão das características intrínsecas ao documento executado.
A par disso, o saque de título contra usuário de cartão de crédito por parte de sua operadora, mediante mandato, não evidencia benefício ao outorgante. Pelo contrário, pois resulta daí obrigação cambial a ser saldada, limitando-se o campo de defesa do titular do cartão quanto à existência da dívida ou do quantum devido, uma vez que, lançada a cártula, o questionamento do débito no processo executivo é extremamente restrito, face aos atributos e características intrínsecas ao título de crédito.
Certamente, a supressão da fase cognitiva para a formação dos elementos obrigacionais cambiais assumidos em nome do cliente só interessa à operadora de cartão de crédito, porquanto possibilita a obtenção de seu crédito de forma mais célere, em detrimento dos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Ora, a regra no instituto do mandato é que o representante deve atuar em nome do representado, respeitando e agindo dentro dos interesses do mandante, a fim de que não haja um conflito de interesses, tal como o estabelecido quando o mandatário atua em seu próprio interesse, celebrando contrato consigo mesmo ou autocontrato.
O contrato consigo mesmo ocorre quando existe duas partes no negócio jurídico, porém um único emitente de vontade que regulará dois interesses contrapostos.
O CCB/2002 regulou este instituto no artigo 117, a saber:
Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar contrato consigo mesmo.
Parágrafo único - Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sidos substabelecidos.
Assim, não pode o representante agir objetivando o seu próprio interesse concerne ao saneamento de eventual dívida, pois a cláusula mandato para o saque de título cambial, por somente beneficiar ao mandatário, é considerada abusiva.
A propósito, o núcleo do conceito de abusividade presente no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor está na existência de encargos que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada perante o fornecedor, ou seja, funda-se no desequilíbrio das posições contratuais.
No caso ora em foco, o citado desequilíbrio decorre do monopólio da produção das cláusulas encartadas no pacto pelo fornecedor e a nulidade da modalidade de cláusula mandato em comento se verifica em razão de sua potestatividade, uma vez que deixa ao alvedrio do mandatário a expedição de cambial, sem que esteja presente a indicação prévia ao usuário do cartão, do fator externo que concorreu para a emissão da cártula, dando ciência dos moldes segundo os quais fora concebida.
Não é demasiado referir, também, a ocorrência de situação lesiva aos interesses do usuário do cartão, quando este for compelido a pagar dívida já quitada, pois, ocorrendo a circulação do título de crédito, o consumidor cujo débito perante a operadora do cartão já tiver sido saldado poderá, mesmo assim, ser demandado a cumprir a obrigação inserida na cártula por terceiro que dela portar, uma vez que a obrigação cambial é autônoma e independente da relação jurídica-base ensejadora da emissão do título.
Assim, em virtude de a cláusula mandato permissiva de emissão de título de crédito possibilitar a criação de obrigação cambial contra o próprio mandante, em real e efetivo interesse do mandatário, evidencia-se a abusividade nos poderes conferidos pelo mandato, mormente porque a atuação do mandatário deve ser no estrito benefício do cliente/consumidor/mandante, e não contra ele.
Por isso que, atento a esses fatos, há muito o STJ editou o enunciado nº 60 de sua Súmula de Jurisprudência: «É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste».
Desse modo, a cláusula mandato que possibilita ao mandatário a emissão de cambial contra o mandante, mesmo quando inserida nos contratos de cartão de crédito, é inegavelmente abusiva, pois, além de contrariar a própria natureza do mandato ao posicionar de forma antagônica os interesses do mandante e do mandatário, insere o consumidor/mandante em notória e exagerada desvantagem, o que atenta contra a boa-fé e a equidade, razão pela qual afigura-se adequado o entendimento precursionado pela Corte local no que asseverou a nulidade da cláusula, nos termos do art. 51, IV, do Estatuto Consumerista.
[...].» (Min. Marco Buzzi).»
JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE
Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito este julgado é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Certa, ou errada, podemos ou não concordar com ela, contudo, está bem fundamentada pelo Min. Marco Buzzi. Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição do ministro relator.
Como pode ser visto nesta decisão, o ministro relator, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica, ou peça processual deveriam conter, se estão corretas, ou não, o exame é feito noutro contexto. Neste sentido esta decisão deveria ser lida e examinada com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação. Decisões bem fundamentadas estimulam a capacidade de raciocínio lógico do estudioso. O raciocínio lógico é a ferramenta mais importante para qualquer profissional desenvolver sua capacidade criativa.
MODELO DE PEÇAS PROCESSUAIS
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O princípio da legalidade (CF/88, art. 5º, II) e a natureza valorativa e principiológica do direito dado pela Constituição Federal/88 e é da natureza própria de um regime democrático, republicano e da livre iniciativa, esta legalidade em sentido material do termo são o ponto de partida para o aprendizado do direito, para o exercício da advocacia e da jurisdição, em último caso, já que a solução de controvérsias é privada por natureza. Não há tese jurídica sem fundamento legal ou constitucional. O aval constitucional é condição de validade formal e material de uma lei, ou normativo infraconstitucional. Interpreta-se a lei de acordo com a Constituição e não o contrário, adaptar a Constituição para que prevaleça uma lei inconstitucional. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (princípio da legalidade), obviamente, lei em sentido material requer com aval constitucional, também em sentido material, esta é a premissa fundamental.
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Vale lembrar, principalmente ao estudante de direito, que é sempre importante antes de definir uma tese jurídica consultar a jurisprudência das cortes superiores, particularmente as súmulas e os julgados tomados em recursos repetitivos e em repercussão geral.
Doc. LEGJUR 157.8882.2000.9000
«Hipótese: A controvérsia subsume-se à averiguação da ilegalidade/abusividade de cláusula mandato que permite à operadora de cartão de crédito emitir título cambial contra o usuário do cartão. ... ()
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