Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL E AMEAÇA (DUAS VÍTIMAS) NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. RÉU CONDENADO À PENA DE 8 (OITO) MESES E 8 (OITO) DIAS DE DETENÇÃO EM REGIME SEMIABERTO. APLICAÇÃO DE SURSIS POR 2 ANOS E 3 MESES. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO À VÍTIMA «N. NO VALOR DE R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS) E PARA VÍTIMA «A. NO VALOR DE R$ 1.000,00 (MIL REAIS). RECURSO DA DEFESA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO DO DELITO DO art. 129, § 9º DO CÓDIGO PENAL POR AUSÊNCIA DE PROVAS OU O RECONHECIMENTO DA MODALIDADE CULPOSA, POR AUSÊNCIA DE DOLO. NO QUE TRATA DO CRIME DE AMEAÇA, PRETENDE A ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. ALEGA A OCORRÊNCIA DE ATIPICIDADE DA CONDUTA E AUSÊNCIA DE DOLO, ANTE A OCORRÊNCIA DE EMBRIAGUEZ. ALMEJA O AFASTAMENTO DAS CONDENAÇÕES RELATIVAS ÀS VERBAS INDENIZATÓRIAS. SUBSIDIARIAMENTE, REQUER A REVISÃO DOSIMÉTRICA. POR FIM, APRESENTA O PREQUESTIONAMENTO.
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade e deve ser conhecido. A inicial acusatória narra que no dia 05 de janeiro de 2019, por volta das 12 horas e 30 minutos, no endereço lá assinalado, Rio Bonito, RJ, o denunciado, agindo com vontade livre e consciente, ofendeu a integridade corporal da sua enteada «N., agredindo-a fisicamente com um soco e puxões de cabelo, causando-lhe as lesões descritas no AECD. Em data e hora não especificada, mas sendo certo que no final do mês de dezembro de 2019, no mesmo endereço, o denunciado, agindo de forma consciente e voluntária, ameaçou com palavras a ex-companheira «A. de causar-lhe mal injusto e grave, dizendo que iria matá-la caso a vítima viesse a se relacionar com alguém. O processo se encontra instruído, ainda, com Registro de Ocorrência, Laudo de Exame de Corpo de Delito de Lesão Corporal, que atestou a presença de equimose periorbitária direita violácea e com tumefação local, bem como pela prova oral, colhida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. No que trata do delito do art. 129, § 9º do CP, cometido contra a enteada do réu, «N., sob o crivo do contraditório, em apertada síntese e sobre o que é importante para o recurso, a vítima disse que sua mãe estava trabalhando e ela estava com sua irmã mais nova, um bebê na época. Recordou que o réu chegou ao portão e pediu a bicicleta da sua mãe. Rememorou que disse ao ora apelante que ele não poderia entrar na casa. Todavia, ele entrou e a agrediu com palavras, um soco em seu olho e puxou o seu cabelo. Disse que pediu ajuda à vizinha, momento em que o réu parou as agressões. O réu, por sua vez confessa que os fatos narrados são verdadeiros e confirmou que sua filha mais nova estava no colo da sua enteada e que agiu por impulso, ao tentar pegar a bicicleta e perceber a negativa da vítima em permitir que ele tivesse acesso ao interior da casa. Os Laudos encartados atestam a presença de lesão por ação contundente na vítima. Ainda é importante destacar que nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume particular relevância, especialmente quando se apresenta lógica, coerente e corroborada por outros elementos de prova. O réu, por sua vez, não trouxe aos autos prova de que não cometeu os atos criminosos a ele imputados, ao contrário, ao ser interrogado, ele disse que agiu por impulso. Diante deste quadro, evidente o dolo de lesionar a vítima, evidente ofensa à integridade física dela, de forma que a lesão descrita no laudo de exame de corpo de delito se originou de vontade livre e consciente na produção do resultado. Escorreito, portanto, o juízo de condenação desse delito, afastando-se o pleito absolutório. No que trata do delito do CP, art. 147, caput, cometido contra a ex-companheira do réu, «A., sob o crivo do contraditório, ela disse que teve um relacionamento com o réu e tem duas filhas com ele. Esclareceu que na data dos fatos que resultaram nas agressões a sua filha, eles já estavam separados. Recordou que ele não aceitava o fim do relacionamento e que ele sempre foi muito ciumento. Destacou que as ameaças aconteciam no meio da rua, pois entregava os filhos fora do portão, uma vez que ele já não entrava mais na residência. Observou, ademais, que ele não buscava as crianças em estado alterado, e nem alcoolizado senão ela não deixava. O réu, por sua vez, nega haver ameaçado a ex-companheira. Quanto ao argumento defensivo de que a acusação se baseia apenas na palavra da vítima, é sempre importante destacar que, nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume particular relevância, especialmente quando se apresenta lógica, coerente e corroborada por outros elementos de prova. Necessário asseverar que o bem jurídico tutelado no crime de ameaça é a tranquilidade psíquica da vítima e, por se tratar de crime formal, consuma-se quando o infrator expõe à vítima sua intenção de causar-lhe mal injusto e grave, não sendo relevante a efetiva intenção do agente de concretizar o mal ameaçado. Em razão disso, igualmente, mostra-se inviável a aplicação do princípio da intervenção mínima ao caso concreto, tendo em vista a gravidade da conduta perpetrada pelo acusado, que possui relevância para o direito penal, tanto que foi tipificada pelo legislador pátrio como crime. No caso, o fato de o réu estar bêbado e alterado não tem o condão de afastar o dolo do agente, a uma porque o delito de ameaça geralmente é cometido quando os ânimos estão exaltados. A duas, porque na doutrina prevalece o entendimento de que o crime de ameaça não depende de ânimo calmo e refletido por parte do agente. A três porque segundo dispõe o CP, art. 28, I, a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal, não havendo razão, portanto, para que na hipótese em tela se considere atípica a conduta perpetrada. De igual forma, inviável falar-se em ausência de capacidade em razão de ingestão de bebida alcóolica, cediço que a simples ingestão de bebida, ou estado de embriaguez, não revela por si só, o teor do disposto no art. 28, II, §§ 1º e 2º, do CP. Apresenta-se indispensável que a embriaguez tenha sido proveniente de caso fortuito ou força maior, a evidenciar que ao tempo da ação ou omissão o agente era plenamente incapaz, ou não possuía plena capacidade, de entender o caráter ilícito do fato. Neste passo, não se vislumbra nos autos que o apontado estado de embriaguez tenha sido proveniente de caso fortuito ou força maior, pelo que inviável a isenção ou redução da responsabilidade penal: «nos termos do CP, art. 28, II, é cediço que a embriaguez voluntária ou culposa do agente não exclui a culpabilidade, sendo ele responsável pelos seus atos mesmo que, ao tempo da ação ou da omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Aplica-se a teoria da actio libera in causa, ou seja, considera-se imputável quem se coloca em estado de inconsciência ou de incapacidade de autocontrole, de forma dolosa ou culposa, e, nessa situação, comete delito. (AgInt no REsp. 1.548.520, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 22/06/2016). Fixado o Juízo restritivo, nos mesmos termos da sentença, passa-se ao processo dosimétrico. 1 - Do delito do art. 129, § 9º do CP, cometido contra a enteada do réu: Na primeira fase do processo dosimétrico, o magistrado de piso levou em conta uma única circunstância negativa, o crime haver sido cometido contra a vítima que segurava uma criança de 1 (um) ano de idade em seu colo. Todavia, o incremento na pena deve ser reajustado. Assim, a pena-base deve ser majorada em 1/6, já que subsiste apenas uma circunstância negativa. Desta feita, a pena fica em 03 meses e 15 dias de detenção. Na segunda fase da dosimetria, deve ser desconsiderada a agravante disposta no art. 61, II «f do CP. O § 9º do CP, art. 129 trata da lesão corporal cometida por companheiro, com quem a vítima, mulher, conviva, o que é o caso dos autos. Desta feita, agravar a pena nos termos da mencionada alínea «f implicaria em verdadeiro bis in idem e afrontaria o próprio caput do CP, art. 61. Assim, ausentes circunstâncias que agravem e presente a circunstância atenuante da confissão, prevista no art. 65, III, d do CP a pena volve ao patamar básico, em 03 meses de detenção. 2 - Do delito do CP, art. 147, caput, cometido contra a ex-companheira do réu: Na primeira fase, atento às circunstâncias previstas no CP, art. 59, o magistrado entendeu que tais não destoam da regra geral, razão pela qual a pena-base foi fixada no patamar mínimo, em 1 (um) mês de detenção. Na segunda fase, correta a aplicação da circunstância da agravante esculpida no art. 61, II «f, do CP, sem que se incorra em bis in idem. Sobre o tema já se manifestou o STJ. O aumento operado na sentença foi adequado, uma vez que houve a aplicação da fração de 1/6, pelo que a pena do crime de ameaça atinge o patamar de 01 mês e 05 dias de detenção, sem modificações na terceira fase, assim se estabiliza. Uma vez que os crimes foram praticados na forma do concurso material de delitos, as penas cominadas devem ser cumuladas e totalizam 04 (quatro) meses e 05 (cinco) dias de detenção. O regime fixado na sentença deve ser abrandado. Conforme observado pela D. Procuradoria de Justiça no Parecer ofertado, o réu é primário, portador de folha penal imaculada, cuja pena é inferior a um ano obteve sursis. Destarte, fica estabelecido o regime aberto para cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, c, do CP. É cabível a suspensão condicional da pena, diante do preenchimento dos requisitos do CP, art. 77, todavia, pelo prazo de 02 anos, uma vez que não houve fundamentação adequada para elevação do prazo em 3 (três) meses. Deve ser afastada a imposição de prestação de serviços à comunidade ao ora apelante, eis que a pena privativa de liberdade é inferior a 6 (seis) meses, desatendidos, pois, os requisitos do CP, art. 46. Ficam mantidas as demais condições, previstas no art. 78, §2º alíneas b e c, todavia, a condição do sursis atinente a: «Proibição de se ausentar da Comarca, deverá ser ajustada para «Proibição de ausentar-se do Estado do Rio de Janeiro, por prazo superior a 30 (trinta) dias, sem autorização do Juízo, ficando ciente de que deverá comunicar qualquer mudança de endereço". A fixação da indenização a título de danos morais, deve ser mantida, uma vez que há pedido formulado pelo Ministério Público na peça acusatória. Neste sentido, o E. STJ, no âmbito do Recurso Especial Repetitivo Acórdão/STJ e 1964713/MS (Tema 983), decidiu pela possibilidade de fixação de valor mínimo a título de danos morais causados pela infração penal à vítima, desde que haja pedido expresso na peça exordial, mesmo que sem especificação do valor, entendendo ainda que essa indenização não depende de instrução probatória específica sobre a ocorrência do dano moral, por se tratar de dano in re ipsa. Na esteira do entendimento jurisprudencial, a fixação do valor deve levar em conta a extensão do dano e a capacidade econômica do ofensor, bem como estar em conformidade com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. No caso, o réu é assistido pela Defensoria Pública, o que evidencia a sua hipossuficiência. Delineado esse cenário e considerando o caráter pedagógico que deve nortear a fixação do quantum, o qual não deve configurar quantia irrisória e tampouco representar enriquecimento desmedido para as ofendidas, revela-se proporcional e razoável o valor de R$ 1.000,00 para cada vítima. Quanto ao prequestionamento, não se vislumbra nenhuma contrariedade/negativa de vigência, ou interpretação de norma violadora, nem a demonstração de violação de artigos constitucionais ou infraconstitucionais, de caráter abstrato e geral. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.... ()
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